(AO) Aulas assistidas? Está aberta a época do teatro

Uma critica à (sobre)valorização das aulas assistidas no que respeita à avaliação do desempenho docente
As aulas não são mais do que um compósito de momentos sequenciais, diferentes, de interacção entre professores e alunos onde as estratégias podem ter de ser alteradas em qualquer momento tendo em conta, a especificidade dos alunos, a reacção destes à matéria leccionada e, até, à disposição momentânea dos intervenientes, ou seja, alteradas de acordo com as diversas conjecturas inesperadas, impossíveis de as prever por mais esforço que façamos, pois a escola não passa de uma organização do tipo anárquico no que respeita à previsão das situações (Brandão, 1999) comparando-se até, como referem vários autores, o ensino a uma arte (por exemplo: Vieira, 2008). Mais: essas estratégias estandardizadas podem resultar num sucesso para uns e um autêntico fracasso para outros tendo em conta os traços de personalidade dos “actores”, todos diferentes. Sendo assim, parece-me que o avaliador de desempenho docente, que só vai às aulas dos outros para observar a “relação pedagógica com os alunos” (DR, 2/2008), não assista a mais do que uma peça ensaiada. O professor que siga à risca o plano de aulas, previamente definido, está a fazer um mau trabalho. Estará em contradição com a essência do seu serviço ou estará a teatralizar. Ninguém consegue prever qual o feedback que esses alunos irão ter e quais os casos, da mais variada ordem, que poderão obrigar a mudar o rumo dos acontecimentos. E o avaliador também não conseguirá estar ali, como se de um móvel se tratasse, sem provocar constrangimentos quer ao professor, quer aos alunos, e, quer a ele próprio. Mas atenção! Repito: ele só vai avaliar, nessa observação, a “relação pedagógica”, ou seja, de uma maneira geral, vai observar o clima, o ambiente, da aula, que, se não for agradável, poderá ser-lhe imputada essa responsabilidade. Espero, assim, que o avaliador (colega professor) não se deslumbre e assuma o seu papel de um mero funcionário nessa obrigação não se alinhando à retórica. Espero ainda que coloque as cruzinhas no local certo, sem aborrecer ninguém, pois dever-se-á lembrar que estamos a ser altamente prejudicados pelas nossas politicas educativas: há três anos que temos as carreiras “congeladas” e quando forem “derretidas” serão ligadas a uma absurda taxa predefinida de progressão e, ainda, apelidam-nos até de “professorzecos” conforme denunciou a FENPROF no dia 25-1-2008 em nota dirigida à imprensa. Não deverá basear-se no que lhe parece (por mais despido de preconceitos que esteja e por mais diferenças que possa vislumbrar tendo como referência ele próprio) e terá de ter em conta que poderá estar a avaliar colegas que estão mais habilitados do que ele, quer ao nível pedagógico quer ao nível científico. E ao nível pedagógico não será difícil isso acontecer, pois os mais novos (os avaliados) estão muito mais preparados do que os mais velhos (os avaliadores) nesta vertente. É bom reconhecer esta espantosa curiosidade. Existem, assim, vários paradoxos que deveriam ser descodificados. Querem fazer de nós verdadeiros actores como a maioria dos autores nas ciências da educação nos chamam provavelmente com outro sentido mas, se calhar, chamam-nos mesmo comparando-nos a autênticos artistas.

Referências bibliográficas
· BRANDÃO, Margarida – Modos de Ser Professor. Lisboa: Educa, 1999
· Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10-Janeiro-2008 (avaliação de desempenho de pessoal docente)
· VIEIRA, Ricardo - Processo Educativo e Contextos Culturais. www.revistaensinareaprender.blogspot.com. Janeiro, 2008

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)

(AC) Prestigio e Mal-estar (1)

Uma reflexão sobre o mal-estar dos professores - algumas causas


“A chave do mal-estar docente está na desvalorização do trabalho do professor, evidente no nosso contexto social, e nas deficientes condições de trabalho do professor na sala de aulas, que o obrigam a uma actuação medíocre, pela qual acaba sempre por ser considerado culpado” (Esteve, in Nóvoa, 1991, p. 120). Para desenvolver o resto do texto é necessário partirmos do facto que a maioria dos professores de agora têm as suas formações académicas obtidas há mais de 20 anos não tendo sido direccionadas para o ensino nem lhes tendo sido proporcionadas as necessárias compensações. Uma percentagem de 15,4% escolheu a profissão, somente por falta de alternativa, podendo significar que também não existia qualquer vocação (referido no relatório de Cruz et al. em 1989, Jesus, 1996). Jesus (idem, p. 51) diz que se o professor “não gosta de ensinar, o aluno percepciona esta sua atitude e, logo, pode diminuir o seu próprio envolvimento”.
Acrescentam-se as actuais reformas, radicais, no que respeita ao tempo de permanência na escola, sem o necessário acompanhamento dos recursos materiais. Mas já em 1989 num estudo de Prick (cit Jesus, idem), concluía-se que os professores portugueses são os mais insatisfeitos profissionalmente relativamente aos outros países da Europa. Na mesma obra, Saúl Jesus diferencia os tempos dizendo que actualmente quem escolhe a profissão é por gostar de ensinar e pela oportunidade de usar as suas qualidades pessoais, enfatizando os factores intrínsecos como responsáveis pela escolha. Extrai-se de Nóvoa (1992) que existe uma crise de identidade nos professores, que se arrasta ao longo dos anos, no seguimento da imposição que se tem verificado para separar a vida pessoal da vida profissional, acrescentando que “não é possível separar o eu pessoal do eu profissional” (idem, p. 7). Baseando-se em vários estudos (nomeadamente de Woods, Ball e Goodson em 1991), o mesmo autor prossegue afirmando que os professores ao longo dos anos foram acusados de reproduzir desigualdades sociais, foram ignorados e recentemente são controlados. Esta desconfiança em relação à competência dos professores é alimentada por todos, onde se incluem os próprios. Os mais velhos criticam os mais novos e vice-versa. Estas visões recíprocas só nos desprestigiam, sendo reconhecido que o prestígio, em qualquer profissão, é necessário à motivação e à satisfação pessoal. A profissão docente parece continuar assim com a crise que sempre a caracterizou. Mas os tempos parecem ser outros no que respeita ao prestígio do professor. Mário Nogueira, actual Secretário Geral do SPRC, numa acção realizada na Esc. Sec. Engº Acácio Calazans Duarte (26-04-2006) intitulada “A (In)decência na Docência”, relatou episódios no mínimo estranhos: algumas autarquias contratam professores com base no menor preço que estes proponham, surgindo números na ordem dos 5,00 €/hora. Fica, deste modo, admitido o professor considerado “mais barato”. Mas há mais: as cartas enviadas pela Escola ao professor são endereçadas ao Senhor Manuel (por exemplo) e não ao Professor Manuel (eu tenho recebido cartas assim, a última foi no dia 1-12-2007); o aluno percepciona também o professor como um elemento do sistema que não possui grandes habilitações ao tratá-lo por “stôr” mas sem saber donde resulta o diminutivo (quando um dia lhes expliquei, disseram-me de imediato que nunca mais tratam os professores assim pois “eles não são nenhuns doutores”); e como ficam abismados quando lhes digo que os seus professores têm cursos de engenharia, por exemplo, que podiam ser engenheiros numa qualquer firma; não resisto ainda a relembrar a publicidade de uma operadora de serviços Internet quando do programa e-escola, retratando de forma clara o desprestígio que actualmente tem o professor, ao perguntar no seu slogan: “Tens o 10º ano? És professor?” (depois, propõem o pior serviço que possuem dando ideia que chega bem tendo em conta os destinatários). Podemos ainda falar das nossas políticas educativas que parecem nunca ser da satisfação dos professores sendo depois, ainda, exacerbadas pelos treze (treze!?) sindicatos existentes da classe.
A acrescentar a estes factos retirei, de Hoyle (1987, cit. Sacristán, in Nóvoa, 1991) e Jesus (1996), vários factores justificativos da falta de prestígio da profissão docente relativamente a outras:
a) Os professores provém da classe média e baixa.
b) São um grande número, dificultando a ascensão salarial. Sabe-se que em todo o mundo existem ±50 milhões e que em 1960/61 em Portugal eram menos de 40.000, tendo quintuplicado em 15 anos.
c) O baixo salário atribuído devido provavelmente ao espírito de missão que caracterizou esta actividade.
d) À desigualdade constatada, alertada pela “Teoria da Equidade” proposta por Adams em 1965 (Jesus, 1996), entre os salários dos mais novos (com mais horas de trabalho lectivo) e dos mais velhos (com menos horas).
e) As mulheres são o maior número; atribuía-se um carácter pejorativo a actividades destinadas só a mulheres, sabendo-se que mesmo agora, por mais estranho que possa parecer, ainda são socialmente descriminadas. Curiosamente, numa das abordagens etnográficas na minha dissertação de mestrado (Ricardo, 2006), dizia-me uma colega, a propósito de diferenças entre escolas, que “metia nervos, na última escola onde estive, as funcionárias tratarem os professores por doutores e as professoras por donas”. É um facto, pois na minha Escola também já notei essa discriminação por parte de alguns funcionários. Braga da Cruz (1989, cit. Brandão, 1999, p. 79) dizia: “(...) o menor prestígio social atribuído a profissões exercidas por mulheres, não só em termos remuneratórios mas também sociais mais vastos, tem afectado o prestígio dos professores em geral”. A este propósito pode-se ler a biografia de Cecília Supico Pinto (Espírito Santo, 2008) onde se destacam frases do tipo: “(…) ela ganhou visibilidade a trabalhar para e entre os homens – um “excesso” socialmente reprovável (…)” (idem, p. 17). Curioso, foi também o que aconteceu numa reunião de CT (2005/2006), quando algumas colegas me pediram, para falar com um aluno indisciplinado, pois a “voz” do homem podia de alguma forma fazê-lo mudar de atitude. Outra história, que vai ao encontro das diferentes percepções que os alunos têm dos professores, surgiu com um determinado aluno que só era incorrecto com as professoras tendo uma atitude de quase submissão com os professores, denotando, provavelmente, outras razões de cariz cultural. Não será também por acaso que os cursos CEF estão a ser entregues, preferencialmente, a professores do sexo masculino.
f) A juvenilização da classe, sobressaindo o facto de que um recém-formado ao entrar para o sistema, ficava no mesmo pé de igualdade que qualquer outro, podendo exercer as mesmas funções. Só agora (2007) é que foi criada a figura dos “professores titulares” escolhidos a partir de uns critérios muito discutíveis.
g) A qualificação académica exigida era insuficiente, só há bem pouco tempo se impõe a licenciatura (muito em breve será o mestrado); no relatório de Braga da Cruz (1989, cit. Brandão, 1999) concluía-se que em 1986 ainda existiam cerca de 20% de professores sem qualquer curso superior.
h) O estrato social dos alunos na escolas públicas é cada vez mais baixo face ao conhecido aumento da separação entre ricos e pobres, sendo os mais pobres que as massificam.
i) A relação com os alunos tem um carácter obrigatório, pois não podem ser seleccionados.
j) Desvalorização do saber escolar, uma vez que as novas tecnologias provocam alguma caducidade de alguns conhecimentos, sobretudo na área tecnológica, e da forma como são adquiridos, ou seja, a escola já não tem o monopólio do saber. Mas esta crescente e saudável “concorrência”, incluindo as inúmeras revistas de divulgação científica, não poderá “(...) substituir-se aos sistemas de ensino na formação de públicos alargados da ciência” (Costa, Ávila e Mateus, 2002, p. 55).
k) A culpa que lhe é imputada pelo insucesso escolar.
l) À ideia generalizada existente relativamente à escolha da profissão, ou seja, só é professor quem não encontrou um emprego melhor. Agora, apesar da escolha se fazer na entrada para o ensino superior, as crenças continuam as mesmas.

Referências bibliográficas
· BRANDÃO, Margarida – Modos de Ser Professor. Lisboa: Educa, 1999
· COSTA, António F.; ÁVILA, Patrícia; MATEUS, Sandra – Públicos da Ciência em Portugal. Lisboa: Gradiva, 2002
· ESPÍRITO SANTO, Sílvia - Cecília Supico Pinto – O rosto do movimento nacional feminino. Póvoa de Santo Adrião: A Esfera dos Livros, 2008, p. 1-36
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· NÓVOA, António (org.) – As Organizações Escolares em Análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· NÓVOA, António (org.) – Vida de Professores. Porto: Porto Editora, 1992
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)

(AC) Prestigio e Mal-estar (2)

Uma reflexão sobre o mal-estar dos professores - o stress e o abandono da profissão

Deduz-se que o professor não possui uma posição social alta, podendo no entanto acrescentar-se que pode variar segundo a sociedade onde se integra, mas, paradoxalmente, todos reconhecem a importância das suas funções. Fui convidado (Jan-2006) a assistir a um espectáculo com o objectivo de angariação de novos elementos para uma rede de venda de uns determinados produtos. Fiquei estupefacto com a quantidade de testemunhos de confessos ex-professores que decidiram mudar de profissão procurando de alguma forma transmitir aos novos “recrutas” as vantagens de pertencer a esse clube, apontando variadas razões, desde o “ganhar-se mais” até ao não ter de se “aturar os filhos dos outros”. Denota-se aqui, por um lado, a importância que a profissão ainda tem na sociedade, pois poder-se-á levar a pensar que, até, os “senhores professores” mudaram de profissão, e por outro, na perspectiva do professor, a evidência de um certo mal-estar, pois temos colegas que trocaram a profissão docente por outra onde não se requer qualquer tipo de qualificação académica. Outro estudo que nos regozija, e nos confunde, surge através de um estudo da Gallup (organização que faz pesquisas de opinião pública sobre questões que afectam a vida em geral) para o Fórum Económico Mundial (Jornal Público, 25-1-2008) onde ressalta a vitória dos professores no que toca à confiança que a população tem em relação às classes profissionais existentes perdendo só na África para os líderes religiosos. Os professores ganham com 44% seguidos dos militares e polícias com 26% (números próximos da média europeia: 42% e 24%, respectivamente). A ajudar este raciocínio sabemos que os professores foram admitidos durante muitos anos numa lógica de necessidade, incluindo muitos profissionais que nunca o pensaram ser e sem possuírem qualquer formação pedagógica para o exercício dessa actividade. Esteve (in Nóvoa, 1991), apoiando-se em vários estudos, refere mesmo que os candidatos a professores deveriam estar também sujeitos a testes de personalidade. O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (Nuno Crato), num programa de rádio (TSF) no dia 17-01-2006 (±12h), dizia que para se ser professor “não basta saber ensinar, mas também saber o que vai ensinar (...) o professor tem de saber mais do que aquilo que vai ensinar”, numa manifesta alusão à falta de preparação cientifica do professor, defendendo também um exame na área académica específica, antes de iniciar a profissão. Na sua obra (Crato, 2006) acrescenta que esse exame, abrangendo a cultura geral, deve ser feito fora da instituição que o formou, e deve ter um carácter regulador. Nessa óptica, saber ensinar não é suficiente, pois o domínio do assunto é essencial. Este autor faz severas criticas à selecção dos professores, à inflação das classificações dos cursos de formação dos professores em algumas instituições do ensino superior, à “absurda” formação contínua dos professores, à falta de avaliação dos manuais escolares, etc. A profissionalização em serviço, por parte da grande maioria dos professores na escola, é vista pelos que a realizaram como um acto pró-forma sem grande utilidade. Esta afirmação é validada pelo facto de se conhecerem coordenadores pedagógicos em escolas privadas, e mesmo directores pedagógicos, que se iniciaram nessa função sem qualquer experiência docente nem qualquer estágio profissionalizante, parecendo não ser por isso que os cursos aí não têm o sucesso desejado.
Durante muitos anos ouvia-se dizer que se o recém-formado não conseguir emprego na área da sua preferência, tem sempre a possibilidade de ir “dar aulas”. Podíamos então, acrescentar mais uma alínea relativamente à falta de prestígio do professor: qualquer recém-formado crê que pode ser professor, não sendo o ensino considerado exclusivo da profissão docente. Deste modo, todos se sentem com autoridade para exercer as suas influências. E elas vêm dos mais variados sectores da sociedade, como os políticos, económicos e culturais, deixando uma pequena margem de manobra aos professores para livremente poderem decidir sobre as direcções educativas a tomar.
Pode-se concluir que este “mal-estar docente” não é um problema exclusivo dos professores mas sim de toda uma sociedade, requerendo soluções sociais, pois a personalidade do professor é uma consequência da mudança social, como se extrai de Esteve (in Nóvoa, 1991, p. 98): “só a partir do estudo do modo como a mudança social gera o mal-estar docente, é possível traçar linhas de intervenção que superem o domínio das sugestões, situando-se num plano de acção coerente, com vista à melhoria das condições em que os professores desenvolvem o seu trabalho. Para isso, é preciso actuar, simultaneamente, em várias frentes: formação inicial, formação contínua, material de apoio, relação “responsabilidade / horário de trabalho / salário””. Este autor salienta ainda os estudos realizados no âmbito da pressão social sobre as funções docentes, dividindo-os em: (a) factores de “primeira ordem” (com ligações à sala de aulas) e (b) factores de “segunda ordem” (mais perto das condições ambientais dentro e fora da escola). Esses estudos são coincidentes quando atribuem o primeiro factor como uma tarefa própria da prática docente, e o segundo factor como uma das causas que pode levar à desprofissionalização docente. Aparece aqui o stress. Todos ouvimos dizer que os professores faltam muito, etc., etc., etc. As faltas dos professores também têm sido empoladas pelos nossos governantes na tentativa de justificarem algumas medidas. No entanto a forma como estas notícias são lançadas para a opinião pública não nos favorece em nada denegrindo, ainda mais, a nossa frágil imagem social. Apareceram em 2006 uns números na ordem dos sete milhões de faltas dadas pelos professores em 2004/2005. Só que, este valor, “corresponde a uma percentagem de 6% do total de aulas que podiam ser leccionadas nesse ano lectivo” (Mário Nogueira, actual Secretário Geral do SPRC, numa acção realizada na Esc. Sec. Engº Acácio Calazans Duarte em 26-04-2006 intitulada “A (In)decência na Docência”). Mas raramente ouvimos dizer que é considerada uma profissão de alto risco, não se pensa que é um trabalho maioritariamente feminino e que são elas que ficam grávidas (sabe-se que das quinze mulheres mais bem sucedidas profissionalmente nos Estados Unidos nenhuma delas tem filhos) que por exemplo na Grã-Bretanha um terço dos professores durante 2003 abandonaram momentaneamente os seus alunos vitimas de doenças relacionadas com o stress e que em França as doenças mentais encontradas em professores estão no grupo das doenças profissionais atribuídas a este sector (“A Página da Educação” de Dez-2004). Jesus (1996) e Seco (2002) baseados num relatório da OIT (1981) e corroborados por Esteve (1992), Garcia (1995) e Marujo (1999) sobre o “Emprego e Condições de Trabalho dos Professores”, reconhecem que é uma profissão de risco, pois pode existir um “esgotamento físico ou mental, face às actuais condições de trabalho” (Jesus, 1996, p. 47). Estas conclusões, que vão ao encontro das razões apontadas relativamente à falta de prestígio do professor, são baseadas:
(a) na exposição prolongada a condições negativas e stressantes;
(b) desgaste físico e emocional provocado por turmas grandes (embora, paradoxalmente, se aponte para um maior número de alunos por professor.);
(c) alunos heterogéneos e indisciplinados;
(d) horários prolongados;
(e) falta de condições;
(f) desvalorização dos agentes exteriores;
(g) pressão dos conteúdos programáticos;
(h) baixa remuneração;
(i) ausência de formação adequada;
(j) falta de realização profissional.
Estas são algumas das razões mais evidentes que podem ser lançadas para a opinião pública. Depois existem as outras mais invisíveis, que me referirei a seguir (Prestigio e Mal-estar (3) - Uma reflexão sobre o mal-estar dos professores - a necessidade de adaptação às mudanças), provocadas pelas mudanças das funções do professor. O estudo do IPSSO (2000), sobre o stress dos professores, acrescenta que os professores se sentem em stress independentemente de reconhecerem a sua fonte geradora, mais de 30% possuem “exaustão emocional” e mais de 80% têm carências de “realização profissional”. Curioso também foi o que encontrou Amiel (1980, cit. Jesus, 1996, p. 29): “cerca de 50% dos professores não aconselhariam os seus filhos a seguirem a carreira docente”. Na mesma obra, é referido o estudo de Cruz et al. (1989) onde se conclui que 35% dos professores portugueses abandonaria a profissão se pudesse, sendo este desejo mais acentuado nos mais novos. As principais razões apontadas são:
(a) a distância de casa;
(b) a remuneração;
(c) a saúde;
(d) factores familiares;
(e) a sobrecarga de trabalho;
(f) a desvalorização social;
(g) a fragmentação das tarefas;
(h) a indisciplina dos alunos.
A indisciplina dos alunos aparece assim como um factor de muitos males na escola. Gostaria de salientar a contestação de Crato (2006) ao pensamento de alguns autores quando afirmam que “a indisciplina dos alunos é aceitável”. Baseando-se em Kauffman et al. (cit. idem, p. 44) afirma que: “o sucesso no ensino requer muito mais do que manter os alunos sob controlo. No entanto, sem um controlo razoável sobre o comportamento dos estudantes na sala de aula o professor não pode ter o sucesso no ensino”). Fimian (1982, cit. Jesus, 1996, p. 239) encontrou cento e trinta e cinco factores, onde sobressaem os problemas relacionados com a relação professor/aluno. Outros estudos apontam neste sentido, com maior ocorrência deste problema nos professores mais novos. Parece então existir mal-estar docente, manifestando-se na “(...) falta de motivação (...) quer em termos cognitivos, através de abandono da profissão docente, quer um termos comportamentais, através do absentismo e de um menor empenhamento nas actividades profissionais” (idem, p. 45).
Convém, no entanto, referir mais um estudo. Esbarra-se, como muitas vezes acontece nas ciências da educação e na escola em geral, na definição/delimitação do conceito. Stephenson (1990, cit. idem) considerou que o mal-estar dos professores varia entre 2% a 93% (não me enganei nos números: 2% a 93%), dependendo sobretudo da percepção dos inquiridos sobre o vocabulário, dos instrumentos utilizados e do momento da inquirição. Estaremos todos contentes afinal?

Referências bibliográficas
· CRATO, Nuno – O “Eduquês” em Discurso Directo – Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista. Lisboa: Gradiva, 2006
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006
· SECO, Graça M. S. Batista – A Satisfação dos Professores – Teorias, Modelos e Evidências. Porto: Edições Asa, 2002

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)

(AC) Prestigio e Mal-estar (3)

Uma reflexão sobre o mal-estar dos professores - a necessidade de adaptação às mudanças


“A crise na profissão docente arrasta-se há longos anos e não se vislumbram perspectivas de superação a curto prazo” (Nóvoa, 1991, p. 20).
O relatório da OCDE (Abril-2006) sobre Portugal diz que os professores receberam uma formação inicial deficiente quando o sistema de ensino estava em expansão. Eu próprio tive professores cujas habilitações académicas eram o equivalente ao actual 9º ano de escolaridade. Estaremos a pagar esta massificação de profissionais vindos de todas as áreas, que se verificava outrora? Curiosamente um colega, na sala dos professores em diálogo (Ricardo, 2006), acrescentava a este raciocínio, relativamente à quase inexistência de formação académica de alguns professores da altura que “não era a falta de formação dos professores que fazia deles maus professores (…) o mais importante era a vocação e a forma como comunicavam e transmitiam os saberes”. Atalhou de imediato outra colega (à beira da reforma), que culpava os novos professores desta crise no professorado, pois “eles não sabem nada”. É comum ouvir dizer isto aos professores mais velhos. É de facto comum. Não podia discordar mais por muito que me custe pois já me considero “dos antigos”. Como podia concordar, sabendo que actualmente os professores têm mais anos de formação e mais direccionada para a prática docente? Sacristán (in Nóvoa, 1991, p. 67) alertava na altura que era “importante repensar os programas de formação de professores, que têm uma incidência mais forte nos aspectos técnicos da profissão do que nas dimensões pessoais e culturais”. Esta “guerra” de palavras entre os professores é uma constante na escola parecendo que ninguém quer assumir culpas, sendo atribuídas maioritariamente, por mais contraditório que possa parecer, aos... professores. Esta minha observação parece contrariar o estudo de Cruz et al. (1989) quando dizem que “os professores são um corpo profissional de elevada coesão (...) que aumenta progressivamente com a idade” (cit. Seco, 2002, p. 66). Na verdade nota-se esta coesão nos professores com mais idade que terá a ver com os muitos anos de vida profissional em comum. Mas existem, sem dúvidas, “guerrilhas” internas.
Carlos Ceia, nas II Jornadas de Educação “Da escola que temos à escola que queremos” em Santa Maria da Feira (27-Nov-02), dizia não acreditar em virtudes inatas nesta profissão, sendo exigido uma formação específica orientada por outros com mais experiência. Nestas jornadas, o professor da Universidade Nova de Lisboa, fez referência ao extremismo de um estudo norte-americano que resumia a identidade do professor em 180 adjectivos. Evidenciou também um “sindroma de burnout” que poderá atingir os professores numa fase mais problemática da carreira (uma segunda fase depois da fase do stress) que se detecta quando o professor se vê confrontado com dúvidas que passam pela sua utilidade na escola não se revendo já como professor. Este termo (burnout) nasceu com o psicanalista americano Freudenberg em 1974, tendo um sentido de esgotamento, que, segundo os psiquiatras, reflecte-se em sensações de (a) esgotamento físico, mental e afectivo, (b) atitude indiferente em relação aos outros e (c) sensação de menor rendimento e inadequação ao trabalho.
Nas inúmeras reuniões que tenho participado (cada vez mais) constato que, seja qual for a ordem de trabalhos, a conversa resvala muitas vezes em tentativas para encontrar algumas causas da ineficácia da Escola. E qual não é o meu espanto quando verifico que muitos colegas culpabilizam os outros professores não pertencentes a essa assembleia, dando a ideia que ali se encontram os melhores. Parece que nos esquecemos rapidamente dos nossos defeitos, notando-se a tendência para sobrevalorizar os nossos problemas, e as nossas qualidades, e a subvalorizar os dos outros. Uma colega dizia-me, muito catedraticamente, que “em primeiro lugar está a Escola e depois a família”. No dia seguinte, essa mesma colega, chegou atrasadíssima a uma reunião de trabalho e saiu 30 minutos antes, com a justificação da sogra que estava doente. Outro caso que ilustra bem o que pretendo dizer, foi o que observei quando um professor considerou outro, um “baldas” pelo facto de não escrever o sumário com uma letra legível. Mas, este classifica o primeiro da mesma maneira por sair das aulas antes do toque. Se falarmos com cada um deles (no “camarim”) apresentam argumentos até convincentes para justificar essas atitudes. São só pequenos exemplos. Situações destas ocorrem, literalmente, todos os dias na Escola. Estas contradições demonstram uma incoerência constante alimentada por circunstâncias do momento, levando-nos a esquecer rapidamente as nossas “faltas”, ou necessidades, anteriores. A respeito destes “mimos” entre os professores sugere-me a avaliação de desempenho, que nos era imposta, feita por colegas sem qualquer preparação e sem critérios definidos conhecidos pelo avaliado. Antes da ministra Maria de Lurdes Rodrigues não existia uma compreensível razão para a escolha desses avaliadores. Avaliavam sem percebermos muito bem em que se baseavam, com que competências e quais as consequências. Agora pelo menos são conhecidas as regras e sou da opinião que nenhum professor deve ter medo desta avaliação baseada em critérios divulgados, simplesmente não devemos ter qualquer receio. Só devemos temer o absurdo das taxas predefinidas de progressão.
O que me parece que mudou nitidamente, além de outros aspectos mais invisíveis discutidos mais à frente, foi o paradigma no que concerne à relação alunos/professor e ao difícil equilíbrio entre a vida profissional/vida privada. Na revisão de oitenta e três estudos por parte de Veenman (1984, cit. Jesus, 1996), ressalta que a maioria dos problemas estão relacionados com os alunos. O autoritário dominante cedeu ao emergente paradigma humanista com todas as cautelas nessas relações que lhe estão inerentes. Deduz-se facilmente que, “as mudanças sociais transformam profundamente o seu trabalho (...) o professor enfrenta a sua profissão com uma atitude de desilusão e de renúncia, que foi desenvolvendo em paralelo com a degradação da sua imagem social (...) ensinar hoje é diferente do era há vinte anos” (Esteve, in Nóvoa, 1991, p. 95-96). Este autor salienta as referências feitas por vários autores que classificam os professores como um grupo profissional desajustado devido à mudança social.
“O ensino é uma prática social” (Sacristán, in idem, p. 66), vive de interacções. Este autor acrescenta ainda (cit. Langford, 1989, in ibidem): “a intervenção pedagógica do professor é influenciada pelo modo como pensa e age nas diversas facetas da sua vida”. Além disso, ao professor agora, é-lhe exigido muito mais com a fragmentação das suas tarefas, senão recordemos alguns projectos/documentos da sua responsabilidade que os mais românticos consideram necessários numa escola: PEE, PAA, PCE e PCT. Ou seja, “são actualmente atribuídas ao professor novas funções que transcendem o espaço sala de aulas” (Jesus, 1996, p. 38). As actividades extracurriculares resumiam-se, quase exclusivamente, a visitas de estudo e alguns torneios desportivos. Pelo contrário, Huberman (in Nóvoa, 1992, p. 55) referia que nos últimos 30 anos pouco tinha mudado no que concerne “às expectativas sociais, à gama de actividades, à hierarquização dos papéis, (...) à organização do trabalho, às normas, etc.”. A visão de Sacristán (in Nóvoa, 1991) relativamente à profissionalização do professor, vai no sentido de que constitui uma desprofissionalização a caracterização técnica dos currículos bem como uma maior regulamentação da actividade pedagógica juntamente com a intensificação de actividades relacionadas com a prática docente. Esteve (in idem) culpabiliza alguns professores por não terem sabido adaptar-se à mudança social e as autoridades por não promoverem formação ajustada a esse nível. Este autor define vários “indicadores básicos que resumem as mudanças na área da educação” (in idem, p. 99). Alguns destes indicadores associam-se e complementam as alíneas referidas anteriormente, contribuindo também para a falta de prestígio da profissão docente:
a) maior responsabilidade educativa atribuída às escolas devido às maiores exigências de trabalho em todos os sectores da sociedade;
b) massificação do ensino provocando uma desmotivação nos alunos, pois o status social já não depende da posse de habilitações académicas, mas sim de outros mecanismos de ordem sobretudo económica;
c) culpabilização dos professores, por parte da sociedade, dos fracassos na escola; na atribuição das culpas ao professor se algo corre mal com o aluno e na valorização deste se obtiver bons resultados;
d) menor valorização social do professor, pelos motivos já referidos, que passam pela massificação dos graus académicos superiores e todos se sentirem capazes de ser professor;
e) mudança constante dos conteúdos curriculares face ao crescente avanço das ciências e tecnologias;
f) necessidade de novos recursos materiais para acompanhar convenientemente esse avanço das tecnologias;
g) mudanças do paradigma, nas relações professor-aluno, com um consequente aumento de indisciplina nas escolas; o professor confronta-se com uma dualidade de personalidades em que por um lado tenta manter o respeito e por outro sente que não tem poderes para exercer a sua autoridade; esta indisciplina poderá, também, ser consequência da aparente transferência das responsabilidades na educação dos filhos para as escolas, pois, as mães, a quem cabia esse encargo, passaram a ter trabalho fora de casa;
h) fragmentação do trabalho do professor cumprindo-se agora todo o tipo de tarefas, desde as administrativas, passando pela elaboração dos inúmeros documentos associados a projectos de carácter obrigatório com a sua animação/operacionalização e com o consequente aumento de reuniões de ordem organizativa para os levar avante.
Em suma, mudaram os “(...) desafios que decorrem não só da construção de novos conhecimentos, do desenvolvimento social, do mercado de trabalho, da crescente diversidade cultural dos alunos, da pressão social que pais, comunidade e sociedade civil exercem cada vez mais, das novas solicitações colocadas à escola, das contínuas reformas curriculares e, por vezes, das “voltas sobre a forma”” (Vieira, 2004, p. 17).
De imediato se nota que o mal-estar docente também é provocado por estas mudanças. Mudanças, onde as “novas condições de vida na sociedade contemporânea são acompanhadas de um recrudescimento das crises, incertezas e estabilidades” (Costa, Ávila e Mateus, 2002, p. 7). De acrescentar o que diz Nóvoa (1991, p. 14) sobre as pretensões dos professores ao longo da sua história: “o modelo ideal dos professores situa-se a meio caminho entre o funcionalismo e a profissão liberal (...) sempre procuraram conjugar os privilégios de ambos os estatutos”.

Referências bibliográficas
· COSTA, António F.; ÁVILA, Patrícia; MATEUS, Sandra – Públicos da Ciência em Portugal. Lisboa: Gradiva, 2002
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· NÓVOA, António (org.) – As Organizações Escolares em Análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· NÓVOA, António (org.) – Vida de Professores. Porto: Porto Editora, 1992
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006
· SECO, Graça M. S. Batista – A Satisfação dos Professores – Teorias, Modelos e Evidências. Porto: Edições Asa, 2002
· VIEIRA, Ricardo (org.) – E Agora Professor? A Transformação na Voz dos Professores. Porto: Profedições, 2004

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)