(AC) Prestigio e Mal-estar (2)

Uma reflexão sobre o mal-estar dos professores - o stress e o abandono da profissão

Deduz-se que o professor não possui uma posição social alta, podendo no entanto acrescentar-se que pode variar segundo a sociedade onde se integra, mas, paradoxalmente, todos reconhecem a importância das suas funções. Fui convidado (Jan-2006) a assistir a um espectáculo com o objectivo de angariação de novos elementos para uma rede de venda de uns determinados produtos. Fiquei estupefacto com a quantidade de testemunhos de confessos ex-professores que decidiram mudar de profissão procurando de alguma forma transmitir aos novos “recrutas” as vantagens de pertencer a esse clube, apontando variadas razões, desde o “ganhar-se mais” até ao não ter de se “aturar os filhos dos outros”. Denota-se aqui, por um lado, a importância que a profissão ainda tem na sociedade, pois poder-se-á levar a pensar que, até, os “senhores professores” mudaram de profissão, e por outro, na perspectiva do professor, a evidência de um certo mal-estar, pois temos colegas que trocaram a profissão docente por outra onde não se requer qualquer tipo de qualificação académica. Outro estudo que nos regozija, e nos confunde, surge através de um estudo da Gallup (organização que faz pesquisas de opinião pública sobre questões que afectam a vida em geral) para o Fórum Económico Mundial (Jornal Público, 25-1-2008) onde ressalta a vitória dos professores no que toca à confiança que a população tem em relação às classes profissionais existentes perdendo só na África para os líderes religiosos. Os professores ganham com 44% seguidos dos militares e polícias com 26% (números próximos da média europeia: 42% e 24%, respectivamente). A ajudar este raciocínio sabemos que os professores foram admitidos durante muitos anos numa lógica de necessidade, incluindo muitos profissionais que nunca o pensaram ser e sem possuírem qualquer formação pedagógica para o exercício dessa actividade. Esteve (in Nóvoa, 1991), apoiando-se em vários estudos, refere mesmo que os candidatos a professores deveriam estar também sujeitos a testes de personalidade. O presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (Nuno Crato), num programa de rádio (TSF) no dia 17-01-2006 (±12h), dizia que para se ser professor “não basta saber ensinar, mas também saber o que vai ensinar (...) o professor tem de saber mais do que aquilo que vai ensinar”, numa manifesta alusão à falta de preparação cientifica do professor, defendendo também um exame na área académica específica, antes de iniciar a profissão. Na sua obra (Crato, 2006) acrescenta que esse exame, abrangendo a cultura geral, deve ser feito fora da instituição que o formou, e deve ter um carácter regulador. Nessa óptica, saber ensinar não é suficiente, pois o domínio do assunto é essencial. Este autor faz severas criticas à selecção dos professores, à inflação das classificações dos cursos de formação dos professores em algumas instituições do ensino superior, à “absurda” formação contínua dos professores, à falta de avaliação dos manuais escolares, etc. A profissionalização em serviço, por parte da grande maioria dos professores na escola, é vista pelos que a realizaram como um acto pró-forma sem grande utilidade. Esta afirmação é validada pelo facto de se conhecerem coordenadores pedagógicos em escolas privadas, e mesmo directores pedagógicos, que se iniciaram nessa função sem qualquer experiência docente nem qualquer estágio profissionalizante, parecendo não ser por isso que os cursos aí não têm o sucesso desejado.
Durante muitos anos ouvia-se dizer que se o recém-formado não conseguir emprego na área da sua preferência, tem sempre a possibilidade de ir “dar aulas”. Podíamos então, acrescentar mais uma alínea relativamente à falta de prestígio do professor: qualquer recém-formado crê que pode ser professor, não sendo o ensino considerado exclusivo da profissão docente. Deste modo, todos se sentem com autoridade para exercer as suas influências. E elas vêm dos mais variados sectores da sociedade, como os políticos, económicos e culturais, deixando uma pequena margem de manobra aos professores para livremente poderem decidir sobre as direcções educativas a tomar.
Pode-se concluir que este “mal-estar docente” não é um problema exclusivo dos professores mas sim de toda uma sociedade, requerendo soluções sociais, pois a personalidade do professor é uma consequência da mudança social, como se extrai de Esteve (in Nóvoa, 1991, p. 98): “só a partir do estudo do modo como a mudança social gera o mal-estar docente, é possível traçar linhas de intervenção que superem o domínio das sugestões, situando-se num plano de acção coerente, com vista à melhoria das condições em que os professores desenvolvem o seu trabalho. Para isso, é preciso actuar, simultaneamente, em várias frentes: formação inicial, formação contínua, material de apoio, relação “responsabilidade / horário de trabalho / salário””. Este autor salienta ainda os estudos realizados no âmbito da pressão social sobre as funções docentes, dividindo-os em: (a) factores de “primeira ordem” (com ligações à sala de aulas) e (b) factores de “segunda ordem” (mais perto das condições ambientais dentro e fora da escola). Esses estudos são coincidentes quando atribuem o primeiro factor como uma tarefa própria da prática docente, e o segundo factor como uma das causas que pode levar à desprofissionalização docente. Aparece aqui o stress. Todos ouvimos dizer que os professores faltam muito, etc., etc., etc. As faltas dos professores também têm sido empoladas pelos nossos governantes na tentativa de justificarem algumas medidas. No entanto a forma como estas notícias são lançadas para a opinião pública não nos favorece em nada denegrindo, ainda mais, a nossa frágil imagem social. Apareceram em 2006 uns números na ordem dos sete milhões de faltas dadas pelos professores em 2004/2005. Só que, este valor, “corresponde a uma percentagem de 6% do total de aulas que podiam ser leccionadas nesse ano lectivo” (Mário Nogueira, actual Secretário Geral do SPRC, numa acção realizada na Esc. Sec. Engº Acácio Calazans Duarte em 26-04-2006 intitulada “A (In)decência na Docência”). Mas raramente ouvimos dizer que é considerada uma profissão de alto risco, não se pensa que é um trabalho maioritariamente feminino e que são elas que ficam grávidas (sabe-se que das quinze mulheres mais bem sucedidas profissionalmente nos Estados Unidos nenhuma delas tem filhos) que por exemplo na Grã-Bretanha um terço dos professores durante 2003 abandonaram momentaneamente os seus alunos vitimas de doenças relacionadas com o stress e que em França as doenças mentais encontradas em professores estão no grupo das doenças profissionais atribuídas a este sector (“A Página da Educação” de Dez-2004). Jesus (1996) e Seco (2002) baseados num relatório da OIT (1981) e corroborados por Esteve (1992), Garcia (1995) e Marujo (1999) sobre o “Emprego e Condições de Trabalho dos Professores”, reconhecem que é uma profissão de risco, pois pode existir um “esgotamento físico ou mental, face às actuais condições de trabalho” (Jesus, 1996, p. 47). Estas conclusões, que vão ao encontro das razões apontadas relativamente à falta de prestígio do professor, são baseadas:
(a) na exposição prolongada a condições negativas e stressantes;
(b) desgaste físico e emocional provocado por turmas grandes (embora, paradoxalmente, se aponte para um maior número de alunos por professor.);
(c) alunos heterogéneos e indisciplinados;
(d) horários prolongados;
(e) falta de condições;
(f) desvalorização dos agentes exteriores;
(g) pressão dos conteúdos programáticos;
(h) baixa remuneração;
(i) ausência de formação adequada;
(j) falta de realização profissional.
Estas são algumas das razões mais evidentes que podem ser lançadas para a opinião pública. Depois existem as outras mais invisíveis, que me referirei a seguir (Prestigio e Mal-estar (3) - Uma reflexão sobre o mal-estar dos professores - a necessidade de adaptação às mudanças), provocadas pelas mudanças das funções do professor. O estudo do IPSSO (2000), sobre o stress dos professores, acrescenta que os professores se sentem em stress independentemente de reconhecerem a sua fonte geradora, mais de 30% possuem “exaustão emocional” e mais de 80% têm carências de “realização profissional”. Curioso também foi o que encontrou Amiel (1980, cit. Jesus, 1996, p. 29): “cerca de 50% dos professores não aconselhariam os seus filhos a seguirem a carreira docente”. Na mesma obra, é referido o estudo de Cruz et al. (1989) onde se conclui que 35% dos professores portugueses abandonaria a profissão se pudesse, sendo este desejo mais acentuado nos mais novos. As principais razões apontadas são:
(a) a distância de casa;
(b) a remuneração;
(c) a saúde;
(d) factores familiares;
(e) a sobrecarga de trabalho;
(f) a desvalorização social;
(g) a fragmentação das tarefas;
(h) a indisciplina dos alunos.
A indisciplina dos alunos aparece assim como um factor de muitos males na escola. Gostaria de salientar a contestação de Crato (2006) ao pensamento de alguns autores quando afirmam que “a indisciplina dos alunos é aceitável”. Baseando-se em Kauffman et al. (cit. idem, p. 44) afirma que: “o sucesso no ensino requer muito mais do que manter os alunos sob controlo. No entanto, sem um controlo razoável sobre o comportamento dos estudantes na sala de aula o professor não pode ter o sucesso no ensino”). Fimian (1982, cit. Jesus, 1996, p. 239) encontrou cento e trinta e cinco factores, onde sobressaem os problemas relacionados com a relação professor/aluno. Outros estudos apontam neste sentido, com maior ocorrência deste problema nos professores mais novos. Parece então existir mal-estar docente, manifestando-se na “(...) falta de motivação (...) quer em termos cognitivos, através de abandono da profissão docente, quer um termos comportamentais, através do absentismo e de um menor empenhamento nas actividades profissionais” (idem, p. 45).
Convém, no entanto, referir mais um estudo. Esbarra-se, como muitas vezes acontece nas ciências da educação e na escola em geral, na definição/delimitação do conceito. Stephenson (1990, cit. idem) considerou que o mal-estar dos professores varia entre 2% a 93% (não me enganei nos números: 2% a 93%), dependendo sobretudo da percepção dos inquiridos sobre o vocabulário, dos instrumentos utilizados e do momento da inquirição. Estaremos todos contentes afinal?

Referências bibliográficas
· CRATO, Nuno – O “Eduquês” em Discurso Directo – Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista. Lisboa: Gradiva, 2006
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006
· SECO, Graça M. S. Batista – A Satisfação dos Professores – Teorias, Modelos e Evidências. Porto: Edições Asa, 2002

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)