(AO) Onde estão as respostas?

Uma crítica ao não aproveitamento do potencial dos professores de um determinado nível para a resolução das crises desse mesmo nível

Maria Filomena Mónica teve a humildade de reconhecer que não tem muita autoridade para falar dos professores (entenda-se, professores do ensino não-superior) apesar de conhecer alguns e já ser avó. Mas sempre disse, e bem, que “Um professor precisa de uma sólida preparação de base, prestígio junto da comunidade e autonomia de acção” (Jornal Público, 1-11-2007). Ora bem, já Hermann Hesse dizia que “Ninguém pode ver nem compreender nos outros o que ele próprio não tiver vivido” (lá estou eu a repetir esta frase de novo). Assim, parece-me que algumas das soluções para a crise na escola estarão na voz dos que “vivem” lá dentro. Só algumas soluções, porque a história tem-nos dito que esta crise sempre existiu e por previsão nunca acabará. Ou seja, acredito que os professores do secundário têm muitas respostas para as perguntas relacionadas com a escola secundária, os professores do superior possuem a solução para muitos problemas da escola superior, assim como os educadores são donos da grande parte das respostas para a crise do ensino pré-escolar. São realidades e necessidades com objectivos (específicos) diferentes.
Não acredito que sejam os professores do secundário que erram sistematicamente todos os anos nos enunciados dos exames às suas disciplinas. Também não acredito que os professores do secundário sejam ouvidos pelo legislador. Mas, acredito que ouça os professores doutores que apesar de alguns deles terem feito investigações com um carácter etnográfico num curto espaço de tempo, contrariando de algum modo as normas deste método, não têm nem ficam com a sensibilidade e conhecimento do professor que faz parte desse sistema durante largos anos, embora também se saiba que o excesso de proximidade pode provocar alguns constrangimentos. Mas mais constrangimentos existirão se o observador andar por ali “disfarçado”, como se não estivesse a ser visto, assistindo a reuniões, assistindo a aulas, etc. Assim, tendo consciência de todos estes obstáculos, parece-me que as vantagens que o actor dispõe se sobrepõem de sobremaneira às vantagens do espectador.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AO) Faltas ou responsabilizar?

Uma reflexão sobre a vantagem de aulas livres, sem marcação de faltas

Sou a favor da não marcação de faltas aos alunos que frequentam o ensino não-obrigatório. Não é justo reter um aluno que prova saber só porque faltou, assim com não é justo passá-lo sem saber só porque esteve presente. A malha larga do sistema tem valorizado de sobremaneira este último.
No meu início da pré-carreira, sem qualquer estágio pedagógico, quando me sentia livre, sem vínculo, sem saber se este seria o meu futuro, dizia assumidamente aos meus alunos do secundário (duas turmas, sete níveis) que não lhes marcava faltas (felizmente não tive nenhuma consequência penal). Só deviria vir à aula quem quisesse aprender, quem precisasse, quem necessitasse, quem achasse útil. Cometi, provavelmente, um “crime” aos olhos de muitos, mas, como disse, estava descomprometido, tinha desculpas pois era somente um aspirante (ou candidato, mais dentro da óptica da ministra) a professor. A verdade que é essa minha posição resultou muito bem. Tive excelentes resultados, criei bons alunos e tinha muito boa assiduidade. Foram os três primeiros anos da minha profissão e foram os que ainda recordo com mais saudade. Foram os que trabalhei mais em termos lectivos, foram os que trabalhei menos em “projectos e cartazes”, mas também foram os que me impulsionaram a escolher a carreira, pois, sentia-me na verdade um professor, ao contrário de hoje que me sinto muito mais educador. Os encarregados de educação (EE) que me perdoem se continuo a dizer aos seus educandos que não gosto que me tratem por “você”, apesar deles replicarem, repetidamente, que são os seus pais que lhes dizem que deve ser assim.
Sabemos que não há dois alunos iguais. E para podermos dar mais atenção aos que mais necessitam (aos que mais necessitam), como nos pedem e como tem de ser, temos de poder dispensar os que estão uma fase, seja porque motivo for, mais adiantada. E se provarem, em exame, que adquiriram os conhecimentos necessários para a passagem de nível, qual o drama se os acreditarmos? Esta posição teria também a vantagem de controlar a indisciplina na sala de aulas, porque o que acontece agora é o professor dar mais atenção a quem tem dificuldades perdendo a atenção nos outros dando azo a uma “natural” bagunça. Há dias um colega dizia-me simplesmente isto: “preencher o livro de ponto na sala de aulas é um minuto que perco de atenção neles”. É que isto mudou! As aulas agora são diferentes das de há 20 anos. Assim, só estaria presente quem estivesse realmente interessado. Ninguém seria obrigado. Seria excelente se os alunos que faltassem apresentassem uma alternativa de estudo como, por exemplo, marcarem presença na biblioteca a estudar para outra disciplina. Obviamente que todas as não-presenças teriam de ser registadas e comunicadas, imediatamente, aos respectivos EE. Com toda a tecnologia que temos hoje (mail, sms, …) não seria difícil o director de turma fazer essa gestão diariamente (semanalmente, talvez). É que, como o nome indica, os EE são os que têm maior responsabilidade na educação dos alunos. Os professores deveriam ter mais tempo, mais energia, para instruir os que realmente precisam fazendo uso da sua principal função. Mas também se entende este aparente divórcio EE-Escola. Com este frenético aumento do ritmo de vida, o tempo não chega para tudo e, sobretudo por esta razão, os EE “entregam-nos” os seus educandos na maior das confianças.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) Os projectos disto e projectos daquilo

Uma crítica à quantidade de “projectos” que os professores são obrigados a implementar.

Segundo o Ministério da Educação (Boletim dos Professores, nº 107), os Projectos Curriculares de Turma (PCT) devem começar a ser preparados na constituição das turmas analisando-se o percurso escolar de cada aluno devendo resultar num diagnóstico com as dificuldades encontradas. Posteriormente os Conselhos de Turma (CT) elaborarão os respectivos PCT onde deverão incluir, além da caracterização da turma (esta é fácil), as estratégias de remediação dessas dificuldades. Ressalta logo aqui a retórica do discurso perante a impossibilidade da equipa fazedora de turmas (no ano anterior ao que se deverá referir o PCT) apresentar tais diagnósticos assentes em critérios sólidos. Surge depois outro constrangimento: é que os Conselhos de Turma (CT) não reúnem mais do que quatro ou cinco vezes por ano, sendo três desses encontros reservados para as avaliações. Perguntar-se-á então: como se cria e implementa o PCT? Se se conseguir criar, não serão necessárias mais horas lectivas para se poder desenvolver, ou seja, levar a efeito as medidas de “salvação”? E o “projecto curricular nacional” (entenda-se como contendo os conteúdos programáticos necessários para aquisição de conhecimentos tendo em vista os exames nacionais) onde fica (Teodoro, 2006)? Resumindo: primeiro elabora-se o Projecto Curricular de Escola (PCE) adaptando-se o currículo nacional à região (ou seja, primeiro esquecimento que os alunos têm exames nacionais), depois cria-se o PCT adaptando-se o PCE à turma (ou seja, segunda distracção dos exames nacionais). Surgem assim as discrepâncias entre as classificações de frequência e exames acrescentando-se ainda o peso que a componente sócio-afetiva tem durante as aulas e que não é contemplada nas provas finais.
Falta ainda (para já, pois estão a preparar-se para outros nomes sonantes de Projectos) o Projecto Educativo de Escola (PEE) que não serve comprovadamente para (quase) nada. Reflecte-se na quantidade de professores e, provavelmente, “todos” os encarregados de educação que nunca o leram (Ricardo, 2006), no número de Escolas que não o possuem adequadamente segundo as regras de elaboração, implementação e avaliação (principalmente as privadas onde, paradoxalmente ou não, conseguem obter mais sucesso) e, ainda, no facto de ser elaborado sobre um conceito que actualmente não existe, ou então, se existe, os seus pretensos integrantes não se revêem como seus elementos que é o da “comunidade educativa”.

Bibliografia referenciada
· Revista O Boletim dos Professores (Nº 107) - Estabilidade Do Corpo Docente Permite Constituição de Equipas Pedagógicas (p. 2-3). Lisboa: Ministério da Educação, Setembro-2007
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006
· TEODORO, António – Professores, para quê? Mudanças e Desafios na Profissão Docente. Porto: Profedições, 2006

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) As teorias organizacionais clássicas aplicadas à escola

Reflexão sobre a viabilidade nessa aplicação


Dentro das teorias existentes sobre organização e administração de empresas (Sousa, 1990; Teixeira, 1995; Ferreira et al, 1996) surgem as chamadas “clássicas” que se movem objectivamente pela eficiência produtiva, onde a participação de todos está simplesmente excluída. São conhecidas as de Taylor em que os funcionários eram especializados por tarefas fortemente hierarquizados, de Fayol no domínio da administração com a sua conhecida sigla POC3- prever, organizar, comandar, coordenar e controlar e de Weber com o pressuposto que todas as situações são previstas dando inicio à burocratização dos sistemas. Surgiu depois a “teoria das relações humanas” através de Mayo, com a sua experiência de Hawthorne, onde se valorizaram os conceitos de ambiente de grupo, satisfação, motivação intrínseca e lideranças democráticas. Este autor definiu dois tipos de motivação: a (1) “extrínseca” onde o salário, valores e as recompensas materiais são as suas fontes orientadores e a (2) “intrínseca” que se guia pelo reconhecimento, louvores, autonomia e realização pessoal e profissional. Lawrence e Lorsch, através da “teoria da contingência”, valorizavam de sobremaneira uma tecnologia capaz afirmando que não existe modelo ideal. A eficiência produtiva, segundo esta teoria, depende da resolução dos problemas e da adaptação ao meio exterior. São conhecidas ainda a “teoria X” de McGregor onde se retira que o ser humano precisa de ser coagido para trabalhar não existindo qualquer motivação intrínseca, a “teoria Y” também de McGregor que dá uma relevância às motivações intrínsecas através do reconhecimento e da atribuição de responsabilidades onde a participação de todos e lideranças não autoritárias se destacam, e a “teoria Z” de Ouchi onde sobressai a participação de todos nas tomadas de decisão associada à imprescindível formação para o fazerem.
Embora existam autores, como Planchard (1974) e Bottery (1993) ambos citados por Costa (1996), que defendem uma solução Taylorista nas escolas, parece-me que, tendo em atenção a estrutura cada vez mais homogénea da classe docente, cada vez mais consciente do seu papel e cada vez mais bem formada, a escola terá, ou poderá, dar mais importância ao que dizia Mayo, Lawrence e Lorsch, McGregor (Y) e Ouchi.

Bibliografia referenciada
· COSTA, Jorge A. - Imagens Organizacionais da Escola. Porto: Edições Asa, 1996
· FERREIRA, J. M. Carvalho [et al.] – Psicossociologia da Organizações. Alfragide: McGraw-Hill, 1996
· SOUSA, António de – Introdução à Gestão – Uma Abordagem Sistémica. Lisboa – São Paulo: Editorial Verbo, 1990
· TEIXEIRA, Manuela – O Professor e a Escola – Perspectivas Organizacionais. Amadora: McGraw-Hill, 1995

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AO) Quem quer ser engenheiro?

Crítica ao prefixo usado nos nomes com os títulos académicos quando não se exerce a correspondente profissão.


Licenciado ou licenciadinho? Naturalmente que para alguém ser chamado engenheiro terá de fazer actos de engenharia e, cumulativamente, ter estudado numa escola de engenharia. O Primeiro-ministro estudou no INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DE COIMBRA (ISEC) – o nome confere. Então, porque só satisfaz uma condição é, “apenas”, Primeiro-ministro. Não é engenheiro nem é engenheiro técnico. Parece-me que não será um grupo de “amigos”, ou de “rapazes bem dispostos”, dissimulados de associação ou ordem, que possuirão as razões e competência para escolher quem são os verdadeiros profissionais e quem pode usar o tal prefixo socialmente cobiçado nos países subdesenvolvidos. Não se podem sobrepor ao Ministério da Educação que será a instituição mais indicada para acreditar os cursos.
O Primeiro-ministro Sócrates começou (e concluiu) os seus estudos numa instituição pública de ensino superior universitário (Diário da República de 31-Dez-74 Decreto-Lei nº 830/74 artigo 2º-1) durante quatro anos (depois de fazer o propedêutico - 12º ano). Quatro anos efectivamente lectivos (com disciplinas de manhã e de tarde sem inclusão de qualquer estágio ou seminário) com uma candidatura em toda igual a qualquer outra candidatura para o ensino superior. Comparem, por favor, aos 4 anos da maioria das licenciaturas que andam por aí e onde, os que as obtiveram, são tratados por doutores com toda a pompa e também não estão inscritos em qualquer associação profissional – nem existem na maioria dos casos. Mais: basta ele ir ao ISEC e pedir que lhe passem o diploma de licenciado para obter o canudo, pois tem mais disciplinas e carga horária que as actuais licenciaturas administradas nessa instituição. Logo, quanto a competências técnicas não precisa de demonstrar mais nada. É pena que não precise muito delas para as suas actuais funções.
Então, a minha sugestão passa pelo seguinte: tratem as pessoas por aquilo que elas fazem na realidade como, por exemplo, Professora Maria, Formador Felisberto, Ministra Augusta, Educadora Carla, Pedreiro Joaquim, Contabilista António, Enfermeiro Manuel, Advogado João, Economista Francisco, Médica Filomena, Colunista (ou Cómico) Manuel Correia, e por aí adiante.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) A burocracia como forma de racionalização da democracia

Uma abordagem aos benefícios da burocracia.

A burocracia terá nascido com Max Weber (1894-1920) quando propôs, com a finalidade de uma eficiência produtiva, a formulação de regras de tal modo que para cada problema existisse uma resposta predeterminada. No entanto, “há que distinguir burocracia-conceito weberiano da organização do que, em linguagem corrente, se designa por burocracia” (Sousa, 1990, p. 42) uma vez que Weber receava que a sociedade moderna fosse dominada por ela. Dizia que “a democracia é inimiga da burocracia” (Lima, 1998, p. 95), mas acrescentava que “só a democracia consegue contrabalançar os domínios dos interesses burocráticos” (Weber, cit. ibidem). Autores como Chiavenato (1972, referido por Brandão, 1999) destacam as interpretações erradas da burocracia muito distantes da racionalidade original. A burocracia entendida como, exagero, anomalia e imperfeição, “(...) tem vindo a ser alvo de contestação acérrima no âmbito da gestão e da análise organizacional” (Costa, 1996, p. 45). Lima (1998, p. 162) acrescenta que “O termo burocracia, não significa má organização, ou mesmo desorganização, mas sobretudo um outro tipo de organização (…)”. Nóvoa (1991, p. 22) refere que as escolas dedicam pouco tempo às “tarefas de concepção, análise, inovação, controlo e adaptação”, atribuindo a culpa à burocracia do sistema, acrescentando ainda que tem como consequência uma “redução do potencial dos professores e das escolas” (ibidem). Gostaria ainda de destacar o que dizia Mattingly (1987, cit. Sacristán, in Nóvoa, 1991, p. 71): “os sistemas escolares são o protótipo precoce da burocratização moderna”. Parece-me, então, que temos de a usar com objectividade e reconhecer até que ponto a nossa atitude burocrática terá sentido e utilidade para utilização futura tendo em vista o benefício dos públicos em geral.
Pode-se deduzir, do que ficou dito, que a burocracia pode ser considerada como a parte racional da democracia. A parte irracional sobressai nos exageros às regras quando, por exemplo: uma acta volta para trás porque o secretário escreveu DT em vez de Director de Turma; quando se obriga o examinando a preencher de novo o cabeçalho da prova porque colocou o número do BI encostado ao lado esquerdo dos espaços; quando se tem de trabalhar um Projecto Curricular de Turma ou um Projecto Curricular de Escola e os exames são feitos baseados num projecto curricular nacional (Teodoro, 2006); quando nos obrigam a elaborar uma Projecto Educativo de Escola e depois não serve comprovadamente para nada (Ricardo, 2006), assumido também agora nos critérios de avaliação para prover os Professores a Titulares ao não atribuírem qualquer ponto aos seus obreiros e aos seus operacionais; quando temos de justificar as faltas às vigilâncias dos exames somente com atestados médicos, promovendo-se também a mentira; … Teixeira (1995, p. 26) diz mesmo que “a escola completamente pré-organizada segundo um modelo burocrático, ou Taylorista, não responderá certamente, ao que dela é legítimo esperar (...)”.
Não resisto transcrever o que escreveu Beetham (cit. Lima, 1998, p. 125): “A burocracia tem a característica rara de ser anatemizada ao longo de todo o espectro político. A Direita procura limitá-la em nome do mercado livre; o Centro pretende reformá-la em nome da abertura e da responsabilidade; e a Esquerda quer substituí-la em nome da participação e da autogestão. E no entanto ela ostenta uma impressionante capacidade de resistir a todos estes ataques”.


Bibliografia referenciada
· BRANDÃO, Margarida – Modos de Ser Professor. Lisboa: Educa, 1999
· COSTA, Jorge A. – Gestão Escolar, Participação, Autonomia, Projecto Educativo da Escola. Lisboa: Texto Editora, 1996
· LIMA, Licínio – A Escola como Organização e a Participação na Organização Escolar. Braga: Universidade do Minho, 1998
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006
· SOUSA, António de – Introdução à Gestão – Uma Abordagem Sistémica. Lisboa – São Paulo: Editorial Verbo, 1990
· TEIXEIRA, Manuela – O Professor e a Escola – Perspectivas Organizacionais. Amadora: McGraw-Hill, 1995
· TEODORO, António – Professores, para quê? Mudanças e Desafios na Profissão Docente. Porto: Profedições, 2006

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AO) Titulares de quê?

Crítica aos critérios de seriação para prover professores a titulares.

Os critérios de avaliação dos professores para passagem a professores titulares não contemplam a participação voluntária. Incidem sobretudo nos cargos que tiveram, muitas vezes (a maior parte) obtidos por uma questão de preenchimento de horários. Privilegia-se muito a experiência e pouco a formação. Sabe-se que os professores mais novos têm muito mais formação, a todos os níveis, que os mais velhos. E sabe-se também que só por si a experiência não chega. Aliás, os professores mais velhos não tiveram formação específica para exercer a profissão (tirando a “anedota” da profissionalização em serviço). Os professores do 10º escalão (os mais velhos) só não passam a titulares se não concorrerem (na grande maioria dos casos). Dever-se-ia sobrevalorizar os cargos que não tiveram qualquer redução de horário, ou seja, sobrevalorizar a participação voluntária. Dever-se-ia valorizar a participação no Plano Anual de Actividades (também esta voluntária), ou seja, a participação na operacionalização do Projecto Educativo de Escola (PEE), uma vez que este documento é considerado a "Bíblia" da Escola, e não ser completamente excluída com estes actuais critérios. Acabaram de vez com a importância que a legislação e os pedagogos românticos têm vindo a atribuir ao "grande" PEE. Fica também excluída a avaliação da verdadeira função do professor, que é instruir (reconheço que seria difícil criar critérios justos para este efeito, mas a verdade é que fica excluída). Conclusão: os titulares do título "titular", nem de perto nem de longe são os melhores mas, agora sim, vão ter de trabalhar.

Para os que não leram bem a minha opinião sobre os titulares

Considero-me dos mais velhos. Sou daqueles que não tiveram formação inicial para exercer a profissão. Sou daqueles que, segundo alguns colegas, passarão a titular. Sou daqueles que não se irão sentir bem com esse “penacho” perante os mais bem formados, perante os que trabalham voluntariamente e notoriamente mais (nas actividades do PAA, por exemplo), mas que só têm menos experiência. Sou daqueles que têm pontos à custa de cargos que exerceram e que tiveram redução de horário, ou seja, à custa do exercício da principal função (“dar aulas”). Sou daqueles que já leccionaram 7 níveis ao secundário (no mesmo ano e durante vários) e que também não lhes foi reconhecido esse trabalho com os actuais critérios. Sou daqueles que valorizam muito a idade das pessoas, aliás tenho inveja dos mais velhos pela sua maturidade e experiência.
Não sou daqueles que leccionam actualmente 22 horas por semana (felizmente). Não sou daqueles que têm mais formação inicial para exercer a profissão (infelizmente). Não sou daqueles que têm (muitas) actividades no PAA.
Nunca quis dizer que os mais velhos não trabalharam. Mas a verdade é que agora trabalham, naturalmente, menos. E que agora, incompreensivelmente, vão ter de trabalhar (outra vez).

Foi só isto que quis dizer colegas.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) As Metamorfoses dos Professores

Reflexão sobre as várias etapas na vida do professor.
São conhecidas as “fases de Huberman” e as “fases de Feiman” relativamente ao ciclo de vida profissional dos professores. Ao analisar esses percursos, quase que inconscientemente, me coloco de imediato na fase que corresponde aos anos de serviço e idade que possuo. Nas outras fases relacionava-as com colegas que conheço tentando perceber as suas motivações, pois, como refere Bourdieu (1992, cit. Vieira, 1999, p. 79), “(...) nunca parei de me tomar como objecto, não no sentido narcísico, mas enquanto representante de uma categoria (…) na medida em que analiso categorias às quais eu pertenço; logo, falando de mim mesmo, eu digo a verdade dos outros por procuração”. Com muitas dificuldades encontrei algumas características que se ajustam ao perfil da minha personalidade e muitas mais dificuldades tive ao tentar aproximar essas características aos traços visíveis dos meus colegas. Parecendo acautelar-se, Huberman (in Nóvoa, 1992, p. 54), acentua que não existem carreiras lineares, pois, “(...) há [seres humanos] que se parecem inteiramente com outros [seres humanos], [seres humanos] que apenas se parecem em alguns aspectos, e [seres humanos] que não se parecem, em nada, com mais ninguém. Onde é que aquelas interacções, aquelas zonas de intersecção se encontram? Como é possível identificá-las em termos fiáveis?”. Poder-se-á dizer que “(...) cada descrição é sempre relativa ao momento e às condições específicas em que tiveram lugar” (idem, p. 57). A ambiguidade destas fases também pode ser acentuada com o que diz Riegel (1978, cit. Huberman, in idem, p. 55): “O desenvolvimento adulto é um processo dialéctico no qual o indivíduo se encontra sempre em estado de tensão entre duas forças: “internas” (maturacionistas, psicológicas) e “externas” (culturais, sociais, físicas)”.
Assim, os estudos baseados em comportamentos humanos rapidamente perdem validade se não forem situados no tempo e no local onde foram efectuados, uma vez que também os paradigmas educacionais e os socioculturais estão em constante evolução introduzindo várias influências. Nesta lógica, parece-me que as fases são condicionadas pelos contextos e pela vivência particular de cada professor em todas as suas facetas incluindo o seu percurso profissional. Os traços de personalidade, muitas vezes apontados como sendo a causa de determinados comportamentos humanos, poderão ser criados/alterados por um determinado contexto escolar específico. Ou seja, o professor que tenha tido um papel activo na coordenação, muitas vezes por um simples acaso ou oportunidade, durante uma primeira fase terá, forçosamente, uma postura posterior completamente diferente daquele que não teve essa experiência, deitando por terra qualquer tentativa de rotulagem e/ou balizamento.

Referências bibliográficas
· NÓVOA, António (org.) – Vida de Professores. Porto: Porto Editora, 1992
· VIEIRA, Ricardo – Histórias de Vida e Identidades. Professores e Interculturalidades. Porto: Ed. Afrontamento, 1999

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) Participar ou fazer parte?

Delimitação do conceito.
Enquanto as reuniões dos professores se pautarem pela obrigatoriedade da presença, parece-me que a “participação” se confundirá com “obrigação” e que a verdadeira, a legitima, participação voluntária (surgindo este pressuposto como um importante requisito para ser considerada participação segundo um conceito mais puritano) passa, sem qualquer pudor, à vulgaridade de somente se “fazer parte”.
Uma das razões da participação (vista de uma forma ambígua como é normalmente percepcionada) não acontecer mais vezes, é a trivialidade e a hora despropositada, ao jeito do convocador (pois claro), em que as reuniões ocorrem. Alguém me pergunta se posso estar presente às 18h 30m num qualquer dia da semana? E o meu outro lado? Se não existisse esta “participação forçada” a avaliação do desempenho docente tornar-se-ia mais facilitada e justa. Todos deveriam ter o direito, e liberdade, à “não participação” (assumindo-se a correspondente consequência), pois, as razões, as motivações dessas atitudes são, sempre, acompanhadas de argumentos fortíssimos, bastando, para as conhecer, dar voz aos sujeitos. Mas, ouvi-los nos “camarins” não em uma qualquer reunião.
E porque como quase todos os termos/conceitos usados nas ciências da educação carecem da correspondente delimitação, parece-me que podemos, assim, considerar três tipos de participação: a (1) “efectiva” com envolvimento nas actividades fora da sala de aulas; a (2) “fazer-se parte” tomando-se decisões nas assembleias mas não existindo envolvimento no processo dessas deliberações; e a (3) de “corpo presente” quando se faz parte de um órgão tomando-se o partido do “vizinho/amigo”, ou, então, associado a um total absentismo.
Há que ter em conta também as funções(i) dos professores para que a “participação efectiva” possa ser vista como voluntária. No entanto, em todas elas é necessário um envolvimento nas actividades fora da sala de aulas para podermos fazer jus às nossas atribuições legais. Então, sendo assim, o envolvimento nas actividades fora da sala de aulas é uma obrigação do professor devendo ser devidamente reconhecido. A conclusão desta minha reflexão passa pelo seguinte: o professor que vá a todas as reuniões e “faça parte” ou esteja de “corpo presente” facilmente ganha pontos mesmo que não participe “efectivamente”.
(i) Instruir, educar, desenvolver acções educativas no meio, cuidar da escola, informar, realizar estudos e trabalhos de investigação, dar atenção a si próprio formando-se continuamente, cooperar com outros professores, cooperar com todos os intervenientes do processo educativo, … (Formosinho, 1987).

Luis Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) Inovação!?

Reflexão sobre o conceito.
Numa primeira e rápida análise, inovação estará muito próximo de reforma, ou renovação, ou somente novidade, ou somente mudança, ou, mesmo, somente transformação. Mais reflexivamente inovação será um processo dinâmico, com etapas, que requer abertura e receptividade, valorizando-se a necessária formação para acompanhar essas exigências. É interessante assinalar que o termo não era visto como uma melhoria mas como algo indesejável, tendo somente há aproximadamente cem anos uma conotação positiva.
Podem-se considerar seis palavras-chave que podem suportar o conceito de inovação: (1) novidade, (2) mudança, (3) processo, (4) melhoria, (5) medida e (6) intenção. Neste seguimento, a inovação estará ligada intrinsecamente a uma novidade implicando algo de novo; a uma mudança implicando uma transição (pode no entanto existir mudança sem existir inovação, mas quando existir inovação existirá sempre mudança); a um processo implicando um projecto e consequentemente um produto requerendo uma avaliação mensurável; a uma melhoria implicando valores éticos, morais e profissionais; e a uma intenção implicando vontade e motivação. Parece existir, deste modo, alguma cumplicidade nos termos reforma e inovação. Separaram-se no entanto, pois, a primeira tem um âmbito mais abrangente originando “mudanças fundamentais nas orientações da política escolar” (Cardoso, 2000, p. 82). Poderá dizer-se que quando existir reforma existe também inovação, não sendo o inverso necessariamente verdadeiro. Teodoro (2006) acrescenta dizendo que a lógica da reforma está a ser substituída pela lógica de inovação por uma questão de operacionalização. Nesta destrinça, separa-se também criatividade de inovação, dizendo-se que a primeira não tem implícita qualquer melhoria, e, ainda, renovação de inovação, afirmando-se que na renovação não se modifica o essencial apenas se restaura, ao contrário da inovação que se instaura (Patrício, 1998, cit. Cardoso, 2000).
Atendendo à divisão da inovação por níveis deduz-se que, para produzir efeito e uma real mudança, deve envolver os três níveis seleccionados por Marklund (1974, cit. idem), que têm a ver com (1) a organização do ensino, (2) com os programas, conteúdos e objectivos e (3) com os métodos pedagógicos. Deve também envolver as duas classes protagonistas onde se incluem (1) os políticos e (2) os práticos. Este último grupo refere-se, na sua maioria, aos professores onde lhes é atribuída uma importante fatia de responsabilidade no que concerne a essas alterações, pois, “Nada se fará sem os professores (…). Toda a reforma permanecerá letra morta se os professores não manifestarem o desejo de assegurar e de assumir as necessárias transformações estruturais” (Schwartz, 1984, cit. idem, p. 123). Em consonância, vários estudos demonstram que a eficácia de uma inovação se deve mais à relação entre os professores do que às influências exteriores.
De um modo geral, a inovação impõe novos papéis aos professores podendo provocar uma certa oposição por parte dos mais relutantes sustentada em argumentos diversificados e, muitas vezes, compreensíveis. Identificam-se deste modo “três grupos fundamentais de factores de resistência à inovação: um ligado ao contexto (social e escolar), outro ao professor e o terceiro ao processo de mudança” (idem, p. 211). Esta autora concluiu que a aceitação à inovação é movida sobretudo por motivações intrínsecas. As variáveis pessoais (sexo, idade e tempo de serviço) não têm influência significativa (ou então resultados contraditórios) no que respeita à receptividade. Os factores de ordem pessoal, tais como traços de personalidade, são os que possuem maior peso no que respeita a essa receptividade. Segue-se o contexto escolar e, por último, sem tanta influência, o da formação.

Bibliografia referenciada
. CARDOSO, Ana Paula – Receptividade à Inovação Pedagógica – o professor e o contexto escolar. Coimbra: UC, 2000 (dissert. de doutoramento policop.)
. TEODORO, António – Professores para quê? Mudanças e desafios na profissão docente. Porto: Profedições, 2006

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) As transições e mudanças na vida do professor

Reflexão sobre as mudanças e transições na vida do professor.

Baseado no que fez a Professora Maria do Rosário Pinheiro na sua tese de doutoramento (Pinheiro, 2003), relativamente ao aluno na sua transição secundário-superior, procuro aqui transpor essas reflexões para a vida do professor impelido pela reforma educativa que se aproxima. Sabe-se que 30% da classe não possui uma colocação efectiva e, sabe-se ainda, que não existem escolas iguais nem alunos iguais. Os professores serão assim, provavelmente, dos profissionais que experimentarão mais transições e mudanças na sua vida, percepcionadas também por eles tal como se “exige” para ser considerada transição (referido na teoria dos 4 Ss de Scholssberg). Retira-se desta autora que a transição é um processo, não um momento, e terá a ver com as mudanças que esses acontecimentos provocam no seu dia-a-dia, assim com as respostas dadas às “rotinas, papéis, relacionamentos interpessoais e percepção acerca de si e do mundo” (idem). Então, todos os que estão envolvidos num processo de transição desenvolvem mecanismos de defesa/resposta para lidar com a mudança, suportados em recursos encontrados/disponíveis tal como (1) a “situação” ou análise da nova condição, (2) o “self” que tem a ver com o “eu” e com a motivação que pode ter ou adquirir, (3) o “suporte social” onde se encontra o (a) apoio que terá a todos os níveis incluindo a familiar, (b) o sucesso que perspectiva e (c) a valorização que pode advir dessa nova realidade, e (4) “estratégias” onde se colocam questões como o que fazer com as novas situações. Fugir? Evitar? Enfrentar? O primeiro e segundo ponto referidos poderão ser considerados como recursos de “entrada” ou pertencer a uma primeira fase da transição. Na mesma lógica, os pontos três e quatro farão parte de uma segunda fase designada por “estadia” na transição (Scholssberg, Water e Goodman, 1995, cit. idem). Estes autores acrescentam ainda uma terceira fase que se refere à “saída” ou finalização da transição que passará por uma avaliação de todo o processo e dum desinvestimento das acções implementadas. Os professores irão (ou estarão já) a experimentar assim um processo de transição que passa inicialmente pela análise dos seus novos papéis (quando, por exemplo, lhes atribuírem novas funções), novas rotinas (decorrentes dessas novas funções), novos relacionamentos interpessoais, podendo, ainda, ser alterada a imagem que ele tem de si e do mundo.
Parece-me, então, que a tomada de consciência da transição, com a respectiva análise e reconhecimento de todos os seus componentes, poderá ter vantagens no que respeita a uma adaptação (ou resposta à transição, ou, melhor ainda, antecipação) adequada, sem sobressaltos, às mudanças que lhe estão associadas.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AO) 12º ano sim, mas…

Proposta de currículo para o ensino obrigatório com 12 anos.
Este primeiro parágrafo já o repeti várias vezes, mas é tão adaptável que não resisti de o fazer novamente. Assim, … “Ninguém pode ver nem compreender nos outros o que ele próprio não tiver vivido”. Dando aval a esta afirmação de Hermann Hesse, onde sobressai e se valoriza a importância dos estudos etnográficos, não me parece que a solução seja dada por investigadores fora da escola nem por ministros que nunca leccionaram nos níveis sobre os quais recaem os seus normativos. Nesta sequência, quem terá autoridade moral para “falar” são os que “vivem lá dentro”. O que se segue é o resultado de algumas reflexões suportadas, SIMPLESMENTE, pela minha experiência de professor durante 18 anos passando por todos os níveis do 8º ao 12º ano, incluindo cursos educação formação, assim como pela experiência de 14 anos de formador numa escola profissional e de formador em alguns cursos dirigidos a adultos, tendo leccionado 33 disciplinas/domínios no total.
Concordo, acho até necessário, que o ensino seja obrigatório até ao 12º ano. Mas, …. deveriam existir três ciclos de 4 anos cada. Os dois primeiros (total 8 anos) seriam comuns a todos os alunos sendo o primeiro de mono docência, tal como é ministrado no actual 1º ciclo. O 3º ciclo (9º, 10º, 11º e 12º ano) deveria ter três opções/caminhos.
Caminho 1 - o PRÁTICO, predominantemente prático em contexto de trabalho e onde os alunos aprenderiam uma profissão, conferindo um certificado profissional de nível II. As disciplinas teóricas seriam simplesmente de cultura geral (como, por exemplo, contabilidade, electricidade, direito, prevenção rodoviária, …) e as dirigidas ao apoio da prática (como por exemplo, matemática aplicada à electricidade, ou física aplicada à mecânica, etc., consoante o caso). A partir do 2º ano deste ciclo (10º ano) os alunos teriam aulas em contexto de trabalho todos os dias de manhã tendo aulas à tarde (ou vice versa). Os alunos que concluíssem este Caminho e quisessem continuar a estudar teriam sempre a possibilidade de o fazer através da passagem para o 3º ano do Caminho 2 ou para o 2º ano do Caminho 3.
Caminho 2 - o PROFISSIONAL, predominantemente profissional específico (à semelhança dos actuais cursos profissionais de nível III) mas contendo as disciplinas gerais que permitissem ao aluno continuar a estudar quando concluísse este Caminho, frequentando o último ano do Caminho 3 e obtendo o respectivo aproveitamento. No 4º ano deste Caminho, a prática em contexto de trabalho seria uma constante. Os alunos aqui, se manifestassem alguma inadaptação, teriam sempre a possibilidade de “saltar” para o ano equivalente no Caminho 1, ou mesmo serem obrigados a fazê-lo se tivessem duas retenções ou, até mesmo, registos constantes de comportamentos incorrectos.
Caminho 3 – o PRÉ-UNIVERSITÁRIO, predominantemente teórico dirigido ao prosseguimento de estudos. Também aqui, os alunos que manifestassem inadaptação, teriam sempre a possibilidade (ou obrigatoriedade) de passar para o ano equivalente num dos outros caminhos. Os alunos, neste Caminho, prosseguiriam para o ensino superior sem realização de qualquer exame desde que obtivessem aproveitamento no último ano (4º ano, ou seja 12º).
Com esta solução, a meta dos 12 anos de ensino obrigatório cumpria-se, com os educadores/formadores/professores a serem seleccionados para cada caminho segundo as suas competências/formação/escolha e sem prejudicar os alunos que quisessem de facto estudar, consolidando o que se diz sobre os sistemas escolares: devem permitir o desenvolvimento harmónico e livre das aptidões de cada um. De outro modo, não consigo sequer imaginar como iremos sobreviver a 12 anos de ensino obrigatório se já é tão difícil, e até um pouco audacioso tendo em consideração o actual panorama, a obrigatoriedade dos 9.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) Reuniões, reuniões, reuniões, …

Reflexão sobre o exagerado número de reuniões a que somos sujeitos.
As imprescindíveis reuniões na escola têm sido um martírio para muitos sobretudo devido à dúvida generalizada da sua utilidade, eficácia e proporcionalidade dessas variáveis com o tempo utilizado. Parece também existirem professores que se alimentam delas tal é a ligeireza com que as propõem e a lentidão com que as concluem. Referindo-se aos seus convocadores, Rego (idem, p. 30) acrescenta que o devem fazer “(…) apenas quando são absolutamente necessárias”. Podem, então, ter várias imagens sendo a convencional aquela que as considera como o local privilegiado das tomadas de decisão, “estímulo de ideias, juntar o espírito de equipa, gerar planos de acção, proporcionar orientações valiosas” (Miller e Pincus, 1997, cit. Rego, 2001, p. 17). Jesus (1996, p. 339-340), apoiando-se em outros autores, acrescenta o seguinte: “o trabalho dos professores em equipa, no sentido da resolução de problemas comuns e do fornecimento e apoio mútuo, é a estratégia mais relevante na prevenção e na superação do mal-estar docente” pois entende-se que “o bem-estar, em todas as esferas é o objectivo primeiro da vida” (Seco, 2002, p. 11). É também indispensável que o participante reconheça a importância da sua presença e da sua influência nos resultados, proporcionando, deste modo, mais motivação e empenhamento no desenvolvimento das próximas acções.
Atribuem-se assim vantagens às reuniões, destacando-se a melhoria da qualidade de decisões e o desenvolvimento da identidade grupal. Restringem-se as desvantagens ao tempo gasto, à possibilidade do político se poder evidenciar e à desmotivação em que podemos cair se não virmos as nossas ideias aprovadas. A par da (1) má gestão do tempo onde é conhecido que quanto mais tempo durar a reunião menos eficaz se torna, (2) da ascensão do (mau) político inibindo a participação dos outros e (3) dos desvios da ordem de trabalhos, elegeria a (4) clarificação das competências do grupo, como os quatro grandes problemas a cuidar no que respeita à eficácia da reunião. A dimensão do grupo é um factor a ter em conta, uma vez que se este for grande (maior que vinte membros, segundo Ferreira et al., 1996) tem a vantagem de recolher maior número de ideias, mas a desvantagem de dificultar a comunicação. A heterogeneidade cultural dos membros ou diferenças nítidas de conhecimentos específicos, permite, também aqui, a ascensão do mais disponível ou do mais político. Por último, de salientar a comunicação como um peso importante nessa eficácia através dos seus diversos princípios, onde se destaca o “saber escutar” por parte de todos os intervenientes: “(...) é um acto de sentir, interpretar, avaliar e reagir ao que o interlocutor está afirmando. É um processo activo que envolve pensamento e dispêndio de energia” (Araskog, 1994, cit. Rego, 2001, p. 48).

Bibliografia Referenciada
· FERREIRA, J. M. Carvalho [et al.] – Psicossociologia da Organizações. Alfragide: McGraw-Hill, 1996
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· REGO, Arménio – Liderança de Reuniões – Na Senda de Soluções Mais Criativas. Lisboa: Edições Sílabo, 2001
· SECO, Graça M. S. Batista – A Satisfação dos Professores – Teorias, Modelos e Evidências. Porto: Edições Asa, 2002

Luís F. F. Ricardo (2007)

(AC) O absurdo do termo liderança aplicado à escola

Desadequação na aplicação do termo nas escolas públicas.
Gostaria que reflectissem um pouco nas mensagens destas três citações: (1) “Sem seguidores não há líderes” (Rego, 1998, p. 423), (2) “é necessário ter seguidores para ser líder” (Vargas, 2005, p. 39), e (3) “uma faísca só pode provocar explosão se houver matéria inflamável e oxigénio” (Klein e House, 1995, cit. Rego, 1998, p. 46). Estes últimos autores referem-se à faísca como o líder, à matéria inflamável como os seguidores, e ao oxigénio como a situação favorável. Nesta lógica, só se poderá entender o termo liderança se existirem seguidores e, será de consenso geral admitir-se que, não existe nada que se pareça com seguidismos cegos numa escola. Outra coisa não seria de esperar dada a sua estrutura colegial, e democrática, e a existência de uma classe pretensamente homogénea. Ou seja, a situação também não é favorável. Hitler e Jesus Cristo (e tantos outros do género) foram, sem dúvida, líderes dentro deste conceito geral.
Assim, parece-me que só se poderá aplicar o termo quando se delimitar o conceito e condicionar o estilo como, por exemplo, afirmar-se que ser líder é (somente) estar à frente dum órgão numa postura de partilha de ideias e decisões (empowerment). Neste seguimento, e se nos demarcarmos da imagem mais imediata que temos do líder muito próxima de “grande homem”, poderemos ainda interrogar-nos sobre a razão de o sermos algumas vezes. Rotatividade dos cargos? Preenchimento de horários? Disponibilidade? Será, então, mais indicado falar-se em “(...) lideranças do que liderança, mais nos lideres do que no líder” (Costa, in Costa, Mendes e Ventura, 2000, p. 26). À semelhança de outros conceitos aplicados à escola, existe também aqui uma grande ambiguidade na sua aplicação.
Quando Vargas (2005, p. 80) afirma que: “A responsabilidade de um gestor pertence ao domínio da Lei, a de um líder pertence ao domínio da Ética” e Bennis (1989, cit. idem, p. 28) acentua que “(...) as competências de gestão podem ser ensinadas/aprendidas ao contrário das competências da liderança”, ressaltam de sobremaneira as qualidades humanas que o chamado líder deve possuir. E aqui sim, nesta vertente, podemos de facto sê-lo.

Bibliografia Referenciada
· COSTA, Jorge A.; MENDES António N.; VENTURA, Alexandre (orgs.) – Liderança e Estratégia nas Organizações Escolares. Aveiro: Universidade Aveiro, 2000
· REGO, Arménio – Liderança nas Organizações – Teoria e Prática. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1998
· VARGAS, Ricardo – A Arte de Tornar-se Inútil – Desenvolvendo Líderes para Vencer Desafios. Lisboa: Gradiva, 2005

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AC) Democracia em Demasia?

Reflexão sobre o esgotamento do modelo de gestão nas escolas.
“Ninguém pode ver nem compreender nos outros o que ele próprio não tiver vivido”. Dando aval a esta afirmação de Hermann Hesse, não me parece que a solução seja dada por investigadores fora da escola nem por ministros que nunca leccionaram nos níveis sobre os quais recaem os seus normativos. Neste seguimento, quem terá autoridade moral para “falar” são os que “vivem lá dentro”.
Uma das evidências de que a democracia não está a vingar nas escolas é a emergência das privadas onde os seus directores, ou patrões/chefes numa perspectiva Taylorista como alguns dizem ser a solução nomeadamente Planchard (1974) e Bottery (1993) ambos citados por Costa (1996), também não possuem qualquer formação na área de gestão e/ou pedagógica, mas conseguem obter o sucesso invejado pelas públicas. Muitas nem sequer possuem qualquer projecto educativo ou ideário de escola (PEE) como “todos” asseguram ser fundamental apoiados em frases “românticas” – à boa maneira das críticas de Crato (2006) – do género: “um barco sem rumo tem um sentido nem que seja o da corrente” acrescentando-se que “não há ventos favoráveis para os que não sabem para onde vão”. Parece-me, a este respeito, que o PEE só terá cabimento em escolas privadas onde, aí sim, os valores (religiosos, políticos,...) poderão ser outros. Nas públicas, um folheto apresentativo dos recursos e das ofertas de cada uma, baseado no seu potencial e nos seus constrangimentos, parece-me suficiente, não devendo ser confundido, exageradamente e pomposamente, com um PEE.
Outras das inconsistências da democracia é não chegarmos a saber a posição que o nosso representante, eleito democraticamente num órgão hierarquicamente inferior, irá ter no órgão hierarquicamente superior, no caso dos votos secretos. Será que esse representante se direccionou segundo a decisão dos membros do órgão inferior a que também pertence? É que as eleições não garantem a escolha do melhor, mas, numa primeira e rápida análise, poderá garantir o mais disponível, o mais ambicioso, ou o mais político. Nas escolas obrigam-nos a participar (ou fazer parte) em tomadas de decisão quando não estamos formados/preparados para o fazer, e, muitas vezes, nem conhecemos as competências do órgão onde estamos inseridos ou mesmo a maneira correcta de cumprir com as nossas obrigações. Esta forma de participação torna-se mais incompreensível quando se proíbe a abstenção no caso dos órgãos consultivos (CPA artº 23) como por exemplo o conselho de turma. Acontece mesmo, um professor poder ser obrigado a votar a alteração de uma classificação de um determinado aluno, quando esse aluno não faz parte dos inscritos da sua disciplina. Ou seja, nem sequer o conhece. Existe também a falta de humildade de reconhecermos as nossa falhas em determinados assuntos, fazendo com que muitas vezes nem sequer ouçamos os verdadeiros especialistas que, com certeza, existem em todas as escolas dada a diversidade de formação académica dos professores.
Nas organizações, como a escola, que necessitam de decisões na hora, muito próximas de organizações anárquicas, com inúmeras situações imprevisíveis, tal como é acentuado por Brandão (1999), não se compadecem com reuniões numa lógica de procura de consensos arrastando processos que deveriam ser resolvidos no momento. Daí, muitas vezes, o professor “engolir sapos” em vez de avançar com um processo disciplinar que só lhe traria mais horas de martírio em reuniões mal dirigidas, manifestamente por falta de formação, onde também se arriscaria que lhe fosse marcada numa hora que, legitimamente, já tinha ocupada para um compromisso particular, mas, também legitimamente, marcada ao jeito do convocador. Nóvoa (1990) diz que “O corpo docente é muito mais heterogéneo do que poderíamos supor”. Então, o empowerment, no sentido de proporcionar poder, informação e conhecimento em tomadas de decisão com lideranças rotativas (Cunha e Rego, 2005), não será de todo aconselhado na escola, pois, só se compreenderá num grupo homogéneo. Jesus (1996) também aponta nesse sentido e Ouchi (1992) diz mesmo que “sem formação, o convite à participação nas tomadas de decisão só arrastará consigo frustração e conflitos”. A colegialidade dos órgãos teria, assim, de ser circunscrita uma vez que só terá sentido em assembleias homogéneas no que respeita ao conhecimento dos assuntos e ao modo como devem ser tratados. Parece-me, então, que os cargos de direcção deveriam ser sujeitos a concurso público dentro da classe docente (uma vez que não é possível separar a vertente pedagógica das restantes funções, tal como é referido por vários autores) e onde a formação em ciências da educação, administração escolar e psicossociologia das organizações teria de ser preponderante nessa escolha. Não se compreende que o estado invista em cursos superiores, abrangendo estas áreas, ignorando depois os seus diplomados. Nos cargos intermédios também os elegíveis teriam se ser delimitados com base na sua formação específica para essas funções, assumindo-se a responsabilização total através da obrigatória prestação de contas no final de cada mandato. Com o actual sistema de colegialidade dos órgãos, só se diluem responsabilidades provocando as conhecidas e infindáveis reuniões massacrantes.
Paradoxalmente, a democracia necessita de um conceito que todos abominamos, que normalmente contestamos em qualquer discurso, mas que inevitavelmente necessitamos para tornar a democracia racional. Refiro-me à burocracia.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2007)

(AO) Avaliação de desempenho docente – uma caricatura

Critica à falta de critérios para avaliação do desempenho docente.
É necessário mudar. Há escolas onde não existem quaisquer critérios de avaliação e nem sequer se baseiam nos gerais indicados pelo Ministério. Esta seria uma das razões suficientes para justificar essa mudança. Mais há mais. O que apresento a seguir é a transcrição rigorosa de um Parecer de Avaliação. Trata-se de um documento elaborado por professores com muita experiência no ensino e... com muitas outras coisas também, como facilmente se constata. Foi escrito numa única folhinha sem mais nada junto, manuscrito e quase imperceptível.

“O documento de reflexão critica apresentado merece-nos as seguintes observações: - não é verdade que tenha sido o responsável da sala (...) 2 no ano lectivo (...); - Ao contrário do que é afirmado tem havido alguns problemas com os seus alunos, quer quanto às relações pedagógicas quer quanto à avaliação; - Não tem tido qualquer participação nas actividades não lectivas desenvolvidas na Escola, nem mostra qualquer interesse em participar; - Perante o exposto não entendemos como ainda "pensa exercer outras funções educativas na Escola". Na expectativa de que as observações efectuadas levem à alteração da sua atitude perante a Escola propõe-se a avaliação qualitativa SATISFAZ.”

Nota-se de imediato:
1º - Que existe uma falta de respeito pela avaliação de desempenho dos professores, quando se apresenta um documento destes, manuscrito quase imperceptível. A avaliação dos professores tem que ser visto como um acto solene, com regras bem definidas e com critérios de avaliação bem conhecidos;
2º - Não existe sistematização uma vez que não separam o essencial do secundário quando se referem à sala 2 quando na verdade foi a sala 1;
3º - Não existe precisão já que não se pode verificar o que está escrito quando dizem, por exemplo, que "(…) não entendemos como ainda (…)" ou "(…) não mostra qualquer interesse (…)";
4º - Não existe fundamentação, uma vez que deveriam concretizar com elementos precisos estas asserções: “(…) problemas com os seus alunos (…)" ou "(…) não tem tido qualquer participação (…)", para, assim, se obter de forma clara a percepção da motivação do Parecer;
5º - Confusão de conceitos entre “avaliação” e “classificação”. Então, "(…) propõe-se a avaliação qualitativa SATISFAZ.”? Parece-me que o correcto será avaliar e depois classificar.

Deduzir-se-á que existirão outros documentos destes. Parece-me também que os “confrades” não se devem avaliar uns aos outros. Ou então, os membros da comissão avaliadora, que sejam escolhidos pelo voto secreto, pois só assim é que pode ser considerada como um órgão representativo (neste caso do Conselho Pedagógico) tal como é indicado por João Caupers (1996, p. 593). Nuno Crato (2006, p. 48) também não concorda com o actual modelo pois refere que já no reinado de D. Afonso IV se acabou com os juízes locais precisamente por estes “(...) terem criado no meio local amizades e convivências e serem por isso permeáveis a pressões”. É que, se dá para beneficiar os “amigos”, também permite prejudicar os “inimigos”. Uma colega pertencente a outra comissão de avaliação, “confidenciava” em voz alta e à frente de um grupo de professores, que a avaliação se reduzia a detectar os erros ortográficos, entendendo-se que o Satisfaz está mais do que garantido. Parece-me, então, que a avaliação terá de ser independente, externa, baseada em critérios amplamente divulgados e feita por avaliadores formados para essa função.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2006)

(AC) Objecto, objectos, objectivos, metodologia, método…

Confusão de conceitos na investigação educacional.
Não encontrei, nas obras tradicionais, nenhuma definição clara sobre o que se entende por “objecto de estudo”. Alguns autores equivalem-no ao “tema do estudo”. Contudo, parece-me que pode ser entendido como um conjunto de itens incluindo o tema, os sujeitos (ou agentes, ou objectos), o local da investigação e os objectivos. No seguimento deste raciocínio direi que objecto é o “alvo do estudo”. Metaforicamente irei jogar dardos (tema), sendo no alvo (objecto) onde se encontra o local que pretendo acertar (objectivo). Assim, poder-se-á considerar, “objecto” situando-se algures entre o “tema” e o “objectivo” (incluindo-se o local de estudo), considerando-se os “objectos” como as “coisas” em análise. Mas, se se tratarem de seres humanos, parece-me que o mais correcto será chamar-lhes sujeitos (ou agentes, como prefere Bourdieu, 1989).
Relativamente às diferenças entre metodologia e métodos, com uma frase poder-se-ia acabar com estes desentendimentos: metodologias são mais abrangentes e são duas, as extensivas (quantitativas) e as intensivas (qualitativas), o resto são métodos ou variantes às metodologias que lhes estão associadas como, por exemplo, etnografia associada à metodologia qualitativa, ou estudo de caso que poderá estar associado às duas. Existe alguma confusão, nas obras em geral, surgindo até o termo “técnicas” (instrumentos) em substituição de “métodos” (caminhos).
Nota-se, assim, alguma falta de consenso destes conceitos por parte de vários autores. Até mesmo nos que, à partida, não deveriam levantar qualquer problema como, por exemplo, as diferenças entre inquérito por entrevista e inquérito por questionário. Carmo e Ferreira (1998, p. 125) dizem simplesmente isto, não se entendendo onde podem surgir dúvidas: “o primeiro ser realizado em situação presencial, enquanto que o segundo é administrado à distância”. Aliás, não é só relativamente a estes conceitos, aparentemente simples, que sobressaem algumas contradições entre os autores, ou mesmo a inexistência de qualquer clarificação. Até o próprio termo “conceito” é alvo de vários ataques de diversos quadrantes. A respeito de termos “destrinçados até ao tutano”, Bourdieu (1989), parece-me que rompe com este modo de pensamento, preferindo definir os “termos empolados da grande teoria” (idem, p. 28), somente pelo “prazer de colar rótulos novos em frascos velhos” (ibidem). Alguns autores chegam ao ponto de saturação, acentuando que já existem tantas tentativas de definição, que mais uma não faz qualquer diferença (Hall referindo-se a “cultura”, cit. Vieira, 1999, p.60). Como exemplo desse limite, é a procura das diferenças entre “métodos” e “método” por parte de alguns, ou na definição de “mal-estar”, quando se chega a dizer que não deve ser confundido com... “mal-estar” (Jesus, 1996, p. 233). Esta guerra de definições, pode ser vista como “pontos de vista filosóficos que definem a posição do espírito humano perante o objecto” (Carmo e Ferreira, 1998, p. 175). Crato (2006) “aproveita” e atribui a esta falta de clareza como uma característica do “eduquês”.

Bibliografia referenciada
· BOURDIEU, Pierre – O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989
· CARMO, Hermano; FERREIRA, Manuela M. - Metodologia da Investigação - Guia para Auto-aprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta, 1998
· CRATO, Nuno – O “Eduquês” em Discurso Directo – Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista. Lisboa: Gradiva, 2006
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· VIEIRA, Ricardo – Histórias de Vida e Identidades. Professores e Interculturalidades. Porto: Ed. Afrontamento, 1999

Luís Filipe Firmino Ricardo (2006)

(AC) Nas dissertações, “nós” ou “eu”?

Reflexão sobre as razões da escolha.
Umberto Eco, no seu livro “Como se Faz Uma Tese em Ciências Humanas”, recomenda o uso do “nós”. Existem outros que exigem esta posição aos seus orientandos e ainda outros que não se manifestam, sendo-lhes indiferente. Mas, contudo, quando a natureza dos estudos tiver uma componente etnográfica e porque “o trabalho etnográfico vive do eu do investigador” (Silva, 2003, p. 71), e também porque “todo o texto etnográfico deve sempre utilizar a primeira pessoa do singular” (Ball, cit. ibidem), parece-me que será mais indicado seguir este caminho. Como as características da abordagem qualitativa se confundem com as características do método etnográfico, sendo esta comparação acentuada na obra de Bogdan e Biklen (1994), de Caria (2002) e de Silva (2003), não fosse a referência à “descrição profunda” (Bogdan e Biklen, 1994, p. 59) ou ao “vocabulário diferente” (ibidem), onde acrescentam que actualmente os investigadores utilizam o termo etnografia quando se referem a qualquer tipo de estudo qualitativo, uma vez que ambos acentuam a vertente descritiva relativamente a conversas e pormenores com pessoas e locais, o uso do “eu” numa investigação predominantemente qualitativa (intensiva) tem todo o sentido. Outras das razões é a coerência descritiva, e evitar alguns contra-sensos sem qualquer lógica, como por exemplo afirmar que “somos presidentes do conselho executivo na Escola”. Parece-me também, que não se deve “responsabilizar” ou mesmo “abusar” do orientador, afirmando que “nós” vislumbrámos, quando de facto fui “eu” que vislumbrei. No entanto, a demarcação de qualquer pretensiosismo que esta posição possa sugerir é essencial, pois, na verdade, não pode existir senão humildade em trabalhos com este cariz. Até porque, dado as inúmeras, evidentes e naturais indicações com constantes alertas no sentido de reencontrar o caminho e escolha dos instrumentos mais adequados por parte do orientador, o “nós”, nesta perspectiva, seria mais apropriado. Ou seja, dever-se-á considerar o “eu” como sendo um “nós”, como afirmou, Ricardo Vieira nas suas provas de agregação (15-Mar-2006 no ISCTE), em frente a António Nóvoa, Luísa Cortesão, Raul Iturra, entre outros.
No que se refere à abordagem extensiva (quantitativa), o infinitivo, parece ser o mais adequado, pois tratam-se de constatações que todos podem facilmente verificar. Não sou “eu” nem somos “nós”, digamos que é “quem se der ao trabalho” de analisar essas asserções.
Se existir uma triangulação, entendida como uma “combinação de metodologias no estudo dos mesmos fenómenos” (Patton, cit. Carmo e Ferreira, 1998, p. 183), entre a abordagem intensiva e a abordagem extensiva, acentuado pelo mesmo autor (ibidem) como “uma forma de tornar um plano de investigação mais sólido”, não deverá chocar ninguém ver os géneros correspondentes em cada uma das partes.

Referências bibliográficas:
· BOGDAN, Robert; BIRKEN, Sari – Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Porto Editora, 1994
· CARIA, Telmo (org.) – Experiência Etnográfica em Ciências Sociais. Porto: Afrontamento, 2002
· CARMO, Hermano; FERREIRA, Manuela M. - Metodologia da Investigação - Guia para Auto-aprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta, 1998
· SILVA, Pedro – Etnografia e Educação. Reflexões a Propósito de uma Pesquisa Sociológica. Porto: Profedições, 2003

Luís Filipe Firmino Ricardo (2006)

(AO) Educar, instruir ou formar?

Confusão na aplicação dos termos.
Que grande confusão! A Lei aponta que, maioritariamente, nas escolas se educa, estando até em consonância com o sentido dos nomes “Sistema Educativo” e “Ciências da Educação”. Mas, e então os encarregados de educação (EE)? Qual o papel deles? E quais as diferenças entre formador, professor e educador? Parece-me que esses conceitos que alimentam confusões e alguma desordem, têm de ser delimitados. Até porque, precisamos que se esclareça a quem são atribuídas as maiores responsabilidades, pois os EE e os professores não se têm entendido adequadamente. Como exemplo, aponto as penas (castigos) aplicadas aos alunos por mau comportamento, onde estes são sujeitos a serviços de faxina e outros do género. Na minha perspectiva de EE, não gostaria de me desresponsabilizar no que toca à educação da minha educanda, e, não queria delegá-la a ninguém. Ou então, se outros também tiverem esse papel devido a um qualquer imperativo legal, que seja acordado (negociado) comigo. Estas linhas pretendem, apenas, ser uma exposição da minha visão com o intuito de contribuir para essa clarificação, tendo consciência que me poderá estar a faltar algo para cimentar estas ideias.
Assim, a educação deverá ser uma função (papel, atribuição), preferencialmente, entregue aos EE e aos actuais educadores. Os nomes adequam-se perfeitamente. Estes educadores (EE e outros profissionais) devem direccionar-se para um trabalho de cidadania, de normas e regras gerais de sociabilidade. Os professores (instrutores) deverão ter a função, primordial, de ensinar e/ou instruir. Os conteúdos programáticos devem ser bem discriminados e cumpridos na íntegra. Não terá cabimento, aqui, o professor possuir habilitações inferiores ao do aluno (instruendo). Na formação, o formador deve centrar-se sobretudo nos interesses dos formandos dentro de uns conteúdos programáticos mais abrangentes. O formador poderá ter habilitações inferiores ao do formando, baseando-se nos conhecimentos que a experiência profissional lhe proporcionou. A função de educar, na instrução e na formação, deve restringir-se a níveis etários inferiores, obviamente. Quero ressalvar, como já dei a entender, que as funções de cada uma das profissões (ou cargos) que refiro em cima, não devem ser limitadas às práticas correspondentes, devendo abarcar, também, as funções das outras, mas com um menor peso. A intenção é acentuar os objectivos prioritários. Neste sentido, os emergentes cursos chamados Educação Formação destinados, sobretudo, a jovens com sérios problemas a nível cognitivo e comportamental, têm nesta denominação uma perfeita conformidade, pois apesar de não ser assumido formalmente pelos seus educadores/formadores (erradamente chamados professores), eles sabem que, o maior peso da avaliação se situa no domínio sócio-afectivo.
Posto isto, sobressai o conceito do termo “Sistema Educativo” como um pouco redutor. Sugeria, por isso, a alteração para “Sistema Ensino-aprendizagem”, pois as finalidades de qualquer das três valências apontadas é ensinar e aprender.
Mas, a esta clarificação de novos conceitos expressos em novos vocabulários, deveria ser dada mais atenção em todos os quadrantes, sem excepção. Nota-se, muitas vezes, que se fala no mesmo sentido e em concordância, prolongando-se no entanto a discussão por manifesta incompreensão do outro. Refiro-me, por exemplo, aos debates políticos sobre a regionalização com as suas implicações de desconcentrarão (distribuição de serviços) e descentralização (distribuição de poderes).

Luís Filipe Firmino Ricardo (2006)

(AC) PEE, Um Treino em Inutilidade?

Crítica à importância atribuída a um projecto que não tem a utilidade desejada.
Pretende-se que o Projecto Educativo de Escola (PEE) seja a identidade de uma escola representada em forma de um contrato documental, vinculador e responsabilizador de toda a comunidade educativa, que retrate a escola e defina as suas linhas orientadoras, assumindo-se nele a autonomia e a democracia participativa em todos os seus momentos (concepção/elaboração, concretização/implementação e avaliação). Deveria reflectir, implícita ou explicitamente, um determinado paradigma educacional dominante associado a um paradigma sociocultural, por um período temporal que deveria depender da estabilidade e formação dos professores (seus obreiros principais) e da estabilidade dos paradigmas referidos, embora a Lei aponte para um horizonte de três anos. Tem como principais documentos de operacionalização, complemento e organizacional, o Plano Anual de Actividades, o Projecto Curricular de Escola, o Regulamento Interno e o Orçamento.
Crato (2006) chamaria a este discurso de “pedagogia romântica” ou qualquer coisa como “o eduquês no seu melhor”.
O PEE só será movido, verdadeiramente, quando os professores entenderem a sua importância na escola. Caso contrário não existirá a motivação necessária para deixar de ser um mero documento. A sua edificação, desgasta os professores obrigando-os a “proformar” as suas atitudes numa lógica burocrática irracional, sendo depois “escondido”, não sendo divulgado, parecendo que ninguém acredita na sua real importância, mas, continuando imponente e venerado como se da Bíblia ou do Alcorão se tratasse. Esbarra também noutro obstáculo: a verdadeira comunidade educativa não existe de facto. Existe somente num sentido vago e necessário à preparação de documentos, onde o termo “participação” se encontra associado ao politicamente correcto e/ou enriquecimento dos conceitos. O contexto urbano também não ajuda à implementação dessa comunidade, com o crescente aumento do ritmo de vida, com o consequente alheamento dos encarregados de educação e, com a obrigatória soma relativa à mobilidade a que os professores estão sujeitos.

Bibliografia referenciada
CRATO, Nuno – O “Eduquês” em Discurso Directo – Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista. Lisboa: Gradiva, 2006

Luis Filipe Firmino Ricardo (2006)

(AC) Estudar a Escola – Perspectiva de um Estudante/Professor

Reflexão sobre a problemática de fazer estudos na escola.
Os autores “divertem-se” a definir (e contrariar) conceitos e nós a delimitá-los. Neste sentido, é de todo importante, clarificar os termos de modo a torná-los mais perceptíveis para cada caso particular. Não podemos (estudantes) ter a pretensão de os definir, simplesmente delimitá-los. Estudar a Escola é reflectir sobre um constante jogo de conceitos ambíguos. A tentativa, também ela constante, de escolher as melhores palavras relacionadas, que se adaptem do melhor modo à realidade do estudo, numa lógica de delimitação dos termos, é onde se pode encontrar grande parte da dificuldade e motivação para o realizar. Os temas são tão vastos e instáveis que o discurso se pode tornar inesgotável. Assim, nada pode ser dado como definitivo ou concluído, pois os objectos e sujeitos de estudo estão permanentemente em mudança pelas mais diversas e inesperadas razões. O trabalho que realizei (dissertação de mestrado) habituou-me a reflexões quase que obsessivas durante todo o tempo. Numa primeira e breve conclusão, retirei que o professor que pretenda envolver-se intimamente com a Escola, tem necessidade deste exercício mental. Mas atenção, parece-me que reflexões em demasia com o necessário isolamento que carecem, pode levar-nos a cair na tentação do “profeta da desgraça”, contrariando o optimismo que os professores necessitam de demonstrar.
Para realizar estudos na Escola, ao nível do mestrado, o uso de uma só abordagem metodológica será, provavelmente, insuficiente. A extensiva (quantitativa) permite-nos obter correlações e tendências, mas não as causas/motivações. Exemplificando: posso determinar que quanto maior for a idade dos inquiridos, menor será a o grau de participação. Se este resultado for ao encontro do objectivo do trabalho, fica-se por aqui (mas com a sensação que um estudo a este nível académico mereceria mais). No entanto, não se extraem as razões dessa correlação. Aparece aqui, a importância da abordagem intensiva (qualitativa), entendendo-se que o melhor conjunto de técnicas para “desocultar essa caixa negra”, se situam na variante etnográfica, que por si só também não chegarão por razões que se prendem com as dúvidas levantadas sobre a cientificidade do método. Para colmatar esta situação, a triangulação (combinação) dos métodos torna-se fundamental, assegurando deste modo, também, a validade do estudo (Carmo e Ferreira, 1998).
Bogdan e Biklen (1994), aconselham que não se deve fazer investigação na Escola onde se trabalha, apontando algumas razões baseadas no conhecimento prévio que naturalmente se tem do objecto de estudo, podendo existir algum obstáculo epistemológico no que se refere ao distanciamento e conhecimento das situações. Provavelmente, ter-se-ão essas dificuldades se os sujeitos do estudo tivessem tido ou prevejam ter, relações com o investigador. Aí sim, existirão constrangimentos em conseguir que esses “confrades” se entreguem de uma forma liberta e descomprometida, sabendo que nos próximos anos terão de conviver. Sendo assim, em melhor posição para estudar a Escola será certamente alguém que a conheça por dentro, devendo-se ter o devido cuidado em escolher o objecto/sujeito de estudo e os instrumentos adequados, para não se cair nessa armadilha epistemológica. O conhecimento prévio que o investigador tem do tema de estudo, poderá ainda, ser visto como uma vantagem no que respeita à elaboração dos inquéritos. Não se poderiam elaborar com eficácia, sob pena dos resultados não terem qualquer articulação com a parte teórica, caso não se tenha lido primeiro a bibliografia e redigido a fundamentação teórica. O trabalho então, arrastar-se-ia por alguns anos. O investigador neste caso já possui, naturalmente, muitas sugestões de perguntas. É que “(...) falando de mim mesmo, eu digo a verdade dos outros por procuração” Bourdieu (1992, cit. Vieira, 1998, p. 88). Assim, numa primeira fase (extensiva) encontraremos uma ajuda para nos direccionar para uma segunda fase (intensiva), podendo aqui, colmatarem-se eventuais faltas de questões, detectadas no decorrer da leitura bibliográfica e outras reflexões.

Bibliografia referenciada:
· BOGDAN, Robert; BIRKEN, Sari – Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Porto Editora, 1994
· CARMO, Hermano; FERREIRA, Manuela M. - Metodologia da Investigação - Guia para Auto-aprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta, 1998
· VIEIRA, Ricardo – Histórias de Vida e Etnografia na Análise das Representações e Práticas dos Professores – Separata dos Trabalhos de Antropologia e Etnologia Volume XXXVIII (1-2). Porto: Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, 1998

Luís Filipe Firmino Ricardo (2006)