(AO) O que gostaria de saber (II)

O que pensarão os professores da avaliação docente?

O profissional professor tem de ser avaliado no seu desempenho. Parece ser a opinião generalizada do público. A recente mudança na forma de o tentar fazer denuncia uma vontade dos políticos em melhorar esse processo com o intuito aclamado de se obterem resultados mais justos, melhorar a qualidade na educação e provavelmente impedir a progressão de todos, naturalmente, sob uma visão economicista.
Na perspectiva de Mintzberg (1999) a organização Escola (unidade) pode incluir-se num modelo organizacional tipo “burocracia profissional” onde os elementos do centro operacional, ou seja, os professores, controlam o seu próprio trabalho. Retira-se também que é muito difícil avaliar os profissionais nesse tipo de organização, excepto no que respeita aos procedimentos administrativos e à actualização de conhecimentos. De facto, se fossem só estes dois itens a avaliar tornaria a avaliação docente muito fácil, pois tratam-se de critérios claramente objectivos. Também já se escreveu que a sala de aulas é vista como uma “caixa negra” do sistema (o professor Ricardo Vieira costuma(va) até dizer que é toda a Escola). Neste sentido, reconhece-se que não se consegue fazer uma justa e eficaz avaliação na observação de uma, duas, ou mesmo mais aulas, pois as aulas “não-observadas” são diferentes das “observadas”. Estas são mais teatrais e o observador não consegue disfarçar-se de armário a fim de não provocar constrangimentos e enviesamentos aos resultados dessa observação. Sabemos também que não temos profissionais formados para supervisionar os professores que se encontram no decurso da sua carreira (de notar que este tipo de supervisão a que me refiro, nada tem a ver com o significado que o termo sugere - ver, Alarcão e Tavares, 1987). Sabemos ainda que os professores mais experientes, os que normalmente são avaliadores, nem sempre (quase nunca) têm mais habilitações académicas ao nível científico e/ou pedagógico e/ou administrativo do avaliado. Que imbróglio!
Sabendo-se tudo isto, só não sabemos o que pensam os professores sobre a forma como querem ser avaliados. Qual será a melhor forma de avaliar os professores do 2º, 3º ciclo e secundário que se encontram no decurso da sua carreira na perspectiva dos próprios? Será que para eles a observação de aulas é eficaz/importante nessa avaliação? Será que querem ser avaliados na componente científica? E na pedagógica? E na administrativa/organizacional? E numa componente sócio-afectiva/participativa? E como querem ser avaliados em cada uma dessas componentes? Quais os itens? Quais os pesos em cada item? Ou preferem ser avaliados com base nos resultados escolares dos seus alunos? E com que referências? Os do ano anterior à mesma disciplina? E será que os professores concordam que o avaliador tenha habilitações inferiores a eles nas dimensões cientificas, pedagógicas, administrativas/organizativa e social/humana? Quem na opinião dos professores deve vestir a pele de avaliador (ou relator, ou supervisor,… o nome pouco interessa)? Quem deve progredir na sequência dessa avaliação? Como se deve progredir? E quando?
Sou professor e só conheço a minha opinião. Estas perguntas têm certamente respostas e, essas respostas, deveriam servir de base para se escolher o modelo concertado para a tão polémica e pouco eficaz avaliação docente.

Referências bibliográficas
· ALARCÃO, Isabel; TAVARES, José – Supervisão da Prática Pedagógica – Uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Livraria Almedina, 1987
· MINTZBERG, Henry – Estrutura e Dinâmica das Organizações. Alfragide: Publicações D. Quixote, 1999

Luís F. F. Ricardo (2010)

(AC) Supervisão Pedagógica - à procura de uma objectividade

Este trabalho pretende provocar uma reflexão sobre as inegáveis vantagens da supervisão pedagógica mas também sobre toda a sua problemática numa perspectiva de um melhor entendimento do conceito e dos outros que lhes estão relacionados, como, por exemplo, liderança e regulação. Abordam-se as diferenças da supervisão no que respeita ao supervisionado, pois pode ser dirigida ao candidato a professor e/ou ao professor já em carreira e analisam-se as formas e as dimensões dessa supervisão, bem como os estilos que o supervisor poderá, ou deverá, assumir. Surgem neste seguimento as naturais dúvidas sobre a eficácia na sua implementação nas escolas portuguesas (3º ciclo e secundário) direccionada aos professores em pleno exercício tendo em conta a suposta homogeneidade da classe docente. Procuro também propor algumas das soluções que, na minha perspectiva, poderiam ajudar nessa implementação.



Introdução
O conceito tem estado muito em voga desde que, provavelmente, a professora Isabel Alarcão se debruçou sobre ele há aproximadamente duas décadas em Portugal. O termo, um pouco duro, sugere vários significados mas pretende ser quase tudo menos o que aponta. Daí a importância de o analisarmos e tentarmos verificar a sua implementação nas escolas portuguesas. Pode ser visto em duas grandes áreas de aplicação: o dirigido a candidatos a professores e o dirigido a professores já em carreira. É neste último aspecto que me interessa aprofundar o estudo pois parece-me o mais problemático e, até, diria, baseado na observação diária que faço na Escola, que não se aplica conforme os diversos autores a caracterizam.



1- Delimitação do conceito
Como a maioria dos conceitos que giram em torno da Educação, o termo supervisão neste contexto não tem uma só definição nem tem sido estática (Harris, 2002, cit. Prates, Aranha e Loureiro, 2010). A professora Ivone Gaspar[1] alerta-nos dizendo-nos que “É comum identificar a supervisão com a orientação da prática pedagógica, mas, na realidade ultrapassa, largamente, este âmbito. Importa trabalhar a conceptualização deste termo, no pressuposto que ele acentua a dimensão de processo”. Mas, em qualquer área, o termo supervisão está, certamente, conotado com inspecção e controlo ao contrário de como pretende ser percepcionado nas escolas: uma espécie de coach numa perspectiva de ajudar o supervisionado a trilhar o seu próprio caminho de desenvolvimento. Sugere ainda, numa análise ligeira, uma relação hierárquica entre o supervisor e o supervisionado.
Poderá também ser vista como possuir uma visão muito melhor que a normal (super-visão). Numa perspectiva organizacional pode ser considerada como uma habilidade/competência de análise do passado, análise do presente e análise, prevendo, o futuro.
Neste seguimento as ligações mais imediatas que se vislumbram na escola atual é a relação existente entre o coordenador pedagógico e o professor do seu círculo curricular, entre o professor relator e o professor avaliado no seu desempenho e entre o acompanhante do estágio e o respectivo candidato a professor. Esta ligação entre supervisão e avaliação não constitui surpresa pois até algumas instituições do ensino superior oferecem cursos pós-graduados nesse sentido com nomes que não deixam dúvidas quanto a essa ligação. Alarcão e Tavares (1987) também dedicam algumas considerações a esta ligação sugerindo critérios e modos de observação.
Vieira (2009) apresenta uma definição onde não deixa dúvidas sobre o objectivo da supervisão: “teoria e prática de regulação de processo de ensino e de aprendizagem em contexto educativo formal, instituindo a pedagogia como o seu objecto” (idem, p. 199). Soares (2009) sugere ainda, baseada na evolução da legislação e do estudo de diversos autores, como função de supervisão, uma orientação no sentido de ajudar o professor supervisionado a desenvolver a sua carreira, estimulando o seu desempenho também através de uma forma reflexiva, exercendo, deste modo, uma influência indirecta na aprendizagem dos alunos e consequentemente na qualidade da educação – pois, parecerá bem a todos que deverá ser este o cerne principal de toda a dinâmica das inovações criadas nos sistemas educativos.
Sem qualquer receio de serem criticadas, Leal e Henning (2009) aplicam termos na supervisão pedagógica (ou escolar, como lhe chamam) como vigiar, examinar, fiscalizar, corrigir, indagar, comparar e duvidar, contrariando a evolução do conceito como até elas referem ao dizerem que existiu uma primeira fase mais autoritária e uma segunda fase (a atual) mais humanizada. Mas na defesa destes termos que reconhecem poderem ser vistos como “profundamente negativos” recorrem a Foulcault (aliás, recorrem a este filósofo várias vezes) ao citá-lo desta forma:
“temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele exclui, reprime, recalca, censura, abstrai, mascara, esconde. Na verdade o poder produz; ele produz realidade, produz campos de objetos e rituais de verdade” (Foulcault, 2006, cit. Leal e Henning, 2009, p. 253).

Com o suporte da minha prática enquanto professor (mais de 20 anos) e ajudado por Bourdieu (1992, cit. Vieira, 1999, p. 79)[2] que diz,
“(...) nunca parei de me tomar como objecto, não no sentido narcísico, mas enquanto representante de uma categoria (…) na medida em que analiso categorias às quais eu pertenço; logo, falando de mim mesmo, eu digo a verdade dos outros por procuração”,

associo as funções de supervisão, considerando os diversos cargos existentes na unidade Escola, ao sentido mais imediato do termo, ou seja, às incluídas nas funções dos coordenadores de departamentos curriculares e dos coordenadores pedagógicos dos grupos (como já referi em cima). Podemos chamar-lhe supervisão hierárquica, ou coordenação, para um melhor entendimento, mas sem o ser, pois, na verdade, quem tem exercido esses cargos na escola é um qualquer professor duma forma rotativa com tendências a todos fugirem dessas tarefas pela obrigatoriedade de terem assento em vários órgãos comprometendo-lhes, por exemplo, as quartas-feiras de tarde livres. Ou seja, não podemos, aqui, falar de qualquer estilo ou forma de supervisão, nem da maneira como era vista nem da maneira como queremos que seja vista. Agora, no entanto, o DL nº75/2008, de 22 de Abril, atribui essas competências aos coordenadores (além de dar poderes ao Director da Escola na escolha desses lideres intermédios – chamemos-lhe assim). E aqui a influência destes responsáveis, se assumirem as tarefas supervisivas que lhe estão agora inerentes, já poderá de algum modo alterar este vislumbre. É esta a perspectiva que percepciono também nos restantes professores no ensino do 3º ciclo e secundário no que respeita a este conceito em estudo, ou seja, não existe supervisão como é apresentada na diversa literatura.
Como já referi, as dimensões da supervisão pedagógica são as que fornecem uma orientação da prática docente ao professor através de uma monitorização contínua e a que fornece uma orientação na formação ao candidato a professor na sua formação de base (como terá surgido o conceito) numa perspectiva de “ensinar os professores a ensinar” (Alarcão e Tavares, 1987, p. 34). A maioria dos autores estudados não fazem uma diferenciação muito clara nas diferenças de estilo dessas duas dimensões e aplicam na sua caracterização geral termos mais consensuais e abrangentes como, por exemplo, que a ação supervisiva deverá ser reguladora e formativa, fazendo deste modo com que, em qualquer das dimensões, se adeqúem perfeitamente a essas características. No entanto, por exemplo, Vieira (2009) e Alarcão e Tavares (1987) incidem claramente as suas análises à supervisão que é feita ao candidato a professor, pois é onde se sentem mais à vontade por terem já tido a experiência de formar professores.
Existem assim definições muito alargadas como a que define Alarcão (2009, p. 121) ao dizer que “todos na escola são supervisores” no sentido que todos têm o dever de se “inter-ajudarem e de contribuírem para uma escola melhor” definindo, neste contexto, vários tipos de supervisão como, por exemplo, auto-supervisão e hetero-supervisão, ou considerando “a supervisão como um processo de criação de contextos de aprendizagem” (idem, 125) sem definirem quem são, ou quem deverão ser, de facto, os supervisores institucionais, embora, Alarcão (in Rangel, 2001), destaque a “inserção desse profissional no colectivo dos professores” (conforme refere Rangel na apresentação da autora) sugerindo, deste modo, a necessidade da existência de uma figura devidamente profissionalizada. Alarcão e Tavares (1987) também destacam o perfil do supervisor finalizando essa obra fazendo uma ligação da supervisão pedagógica a uma prática continuada de entre-ajuda nos professores sem a existência de uma avaliação no intuito de se proporcionar uma hetero e uma auto-supervisão.
É esta supervisão pedagógica contínua no trabalho do professor já formado do 3º ciclo e secundário nas escolas públicas portuguesas que pretendo desenvolver aqui neste trabalho.

2- Emergência
A ideia da supervisão partiu certamente da necessidade de um melhor acompanhamento de estágio aos novos professores ou a candidatos a professores. Alarcão (in Rangel, 2001) confirma esse início nos anos 70 acrescentando que se necessitava, nesse contexto, de uma fiscalização, controlo e avaliação. Evoluiu provavelmente para uma tentativa de retirar o professor da “caixa negra” que muitos chamam à sala de aulas de modo a que haja uma interacção colaborativa e transparente em toda a Escola. Parece ter havido uma necessidade do professor se libertar do seu isolamento através desta nova estratégia com as acções relacionadas com a supervisão pedagógica contínua não permitindo que o professor se conforme com o seu trabalho obrigando-o a prestar contas duma forma assídua e, duma forma partilhada, melhorando constantemente o seu desempenho. Seria esta a pretensão. Mas o termo surge na era da industrialização numa perspectiva do melhoramento qualitativo e quantitativo da produção (Lima, in Rangel, 2001).

3- Tipos e enfoques
Alarcão (1999, cit. Santos et al, 2008) sugere quatro enfoques: enfoque formativo, enfoque operativo (proporciona melhor instrução), enfoque investigativo (promove a reflexão), enfoque consultivo (o que orienta e aconselha).
Duffy (1998, cit. idem) apresenta quatro ideologias representando a evolução da supervisão mas tendo sempre em vista a promoção e melhoria do desempenho profissional do professor, que apesar de não possuir semelhanças com a realidade portuguesa pode-se retirar dessa análise outras reflexões sobre outros tipos e modos de fazer supervisão: período de inspecção administrativa (onde os supervisores eram autoritários e pertencentes a entidades morais que faziam um papel de fiscalização ao trabalho do professor), período de orientação para a eficiência (orientava-se para uma melhor eficácia da organização), período de esforço cooperativo de grupo (incentivava-se a cooperação entre todos) e período de orientação para a pesquisa/investigação (com os mesmos preceitos de uma supervisão clínica).
Alarcão (in Rangel, 2001), por sua vez, faz referências a 6 abordagens: (1) artesanal - numa perspectiva mestre aprendiz, (2) comportamentalista - de natureza mecanicista e racional, (3) clínica - a sala de aulas é vista a principal ferramenta de observação, ou seja, visto como um laboratório, portanto muito redutora, (4) reflexiva com intenções formativa e dinâmica, (5) ecológica - que considera “as dinâmicas sociais e, sobretudo a dinâmica do processo sinergético da interação entre o sujeito e o meio que o envolve” (idem, p.19) e a (6) dialógica – valorizando-se o
“papel da linguagem no diálogo comunicativo, na construção da cultura profissional e no respeito pela alteralidade assumida na atenção a conceder à voz do outro e na consideração de supervisores e professores como parceiros na comunidade profissional” (ibidem, p. 19).

Este último estilo de supervisão pedagógica parece ser a que absorve o que de melhor as outras abordagens possuem e a que melhor se adaptará à organização Escola (unidade) tendo em conta a sua natureza democrática e colegial.

4- Regulação
O artigo de Leal e Henning (2009) é sem dúvida um bom contributo para se poder entender a supervisão pedagógica num contexto de regulação. Apesar de usarem termos fortes que poderão de certa forma chocar algumas sensibilidades como, por exemplo, afirmarem que “ao manter os professores regulados, a Supervisão Escolar contribui e reforça a fabricação de sujeitos dóceis e úteis” (idem, p. 253). Fica-se no entanto com a noção, na leitura desse artigo, da óbvia relação entre supervisão e regulação. Exaltam constantemente o necessário “poder disciplinar” que tem de existir na supervisão para se poder obter os resultados desejados onde se incluem as análises e as eventuais correções dos procedimentos realizados. Neste sentido falamos, então, de regulação. Vieira (2009, p. 200) também faz essa relação ao afirmar “que a supervisão permite a regulação da qualidade da pedagogia”.
Esse poder disciplinar, e aqui disciplinar tem o significado de método/controlo/ordem, promove também a autorregulação uma vez que a ação supervisora é interiorizada pelos sujeitos supervisionados produzindo esse efeito auto-regulador através da apreensão do discurso incitando-os duma forma automática a corrigirem-se e a manterem uma conduta profissional. As autoras chamam a estas sequências como sendo resultado dos “maravilhosos efeitos do poder disciplinar” (ibidem, p. 256). Seguindo este raciocínio, podemos no entanto afirmar que, com tantas maravilhas, a supervisão tem também um efeito suicida pois se bem implementada contribui para a sua inutilidade já que promove a auto-regulação sendo esta característica (a da regulação), provavelmente, a vertente com mais significado no que respeita aos resultados esperados (qualidade na educação) da ação supervisiva. No entanto as autoras chamam-lhe, habilmente, “economia do poder disciplinar” (ibidem, p. 261) e acrescentam que essas transformações no professor supervisionado não se dão repentinamente mas sim “sob a vigilância compreensiva e amorosa de um mestre” (Garcia, 2002, cit. ibidem, p. 258). Vieira (2009, p. 201) também enfatiza que a finalidade principal da supervisão acompanhada será ajudar os formandos [leia-se: candidatos a professores] a tornarem-se supervisores da sua própria prática e que, se isso não acontecer, falhou no essencial” - o parênteses é meu.
Não podia deixar de acrescentar, depois da análise ao engraçado mas reflexivo texto de Leal e Henning (2009), a citação que transcrevo a seguir e que penso que reflecte o pensamento das autoras com assumidas influências de Foulcault:
“Do sujeito livre ao indivíduo que se sujeita, somos como objeto desse poder do qual dependemos e nos sujeitamos à vigilância de alguém. Não há como escapar do poder das disciplinas que individualizam, regulam e modelam nosso jeito de ser humano, atingindo nossa interioridade e nossa conduta social. A sociedade tratou de criar instituições para os que apresentam comportamentos desviantes: prisões e manicómios são exemplos disso” (idem, p.262).

5- Características
No seguimento do raciocínio de todos os autores referenciados depreende-se que a supervisão traga aos elementos do centro operacional[3] da Escola desenvolvimento, partilha de conhecimentos e dúvidas, democraticidade, reflexão, investigação, aprendizagem, formação, aceitação da mudança, em suma, melhorias na prática docente. Pode, deste modo, afirmar-se que ser supervisor agora se confunde com um estilo de liderança partilhada através de empowerment, proporcionando poder e conhecimento, no que respeita às características do líder necessárias e certamente apreciadas numa Escola tendo em conta o seu regime democrático e colegial, pois, os órgãos existentes são todos colegiais (excepto o órgão singular, activo/controlo e representativo do Director que só por si constitui um órgão independente), ou seja, o presidente/líder/supervisor de uma assembleia, seja ela de turma, de departamento, ou outra, não tem qualquer poder deliberativo sobre os outros membros excepto no voto de qualidade.
Sugestionado por Glathorn (1984, cit. Santos e Brandão, 2006) que considera que a supervisão pode ser implementada sob 4 aspectos (clínica, desenvolvimento pessoal cooperativo, desenvolvimento auto direccionado e monitorização administrativa) diria que a supervisão deveria ter características de monitorização nas seguintes áreas:
(1) científica;
(2) pedagógica;
(3) administrativa/organizativa;
(4) humana/social/participativa.
Rangel (2001, p. 57) define três acções: “pedagógica, administrativa e de inspeção”, contrariando um pouco a evolução do conceito que retira o carácter inspectivo à prática supervisiva. Provavelmente a autora conhecedora da realidade brasileira quererá igualar o significado de inspecção a monitorização. Ou a inspecção aqui não terá a carga conectiva de avaliação/repressão como comummente se supõe. Mas os termos confundem-se e os conceitos diferem consoante o país. Nos EUA, por exemplo, aplica-se mais dirigida ao professor já no desenvolvimento da sua carreira do que ao candidato a professor e tem um carácter mais fiscalizador ao nível administrativo e de aplicações das inovações (Alarcão e Tavares, 1987) do que propriamente pedagógico.
Assim, concluiria este capítulo com o seguinte esquema resumo das tarefas da supervisão pedagógica e os itens a trabalhar:
De qualquer modo ressaltam imediatamente as dificuldades em se conseguir formar um supervisor que seja especialista em todos estes domínios e cujas competências não se encontrem diminuídas em relação às dos supervisionados. Parece-me ser este o grande problema da implementação da supervisão pedagógica nas escolas portuguesas.

6- Supervisor
No Instituto Nacional de Estatística existe um cargo cujos profissionais são chamados de supervisores. São os segundos responsáveis pela recolha da informação obtida pelos entrevistadores. Orientam, acompanham, ajudam e monitorizam (no sentido de também fiscalizar) os profissionais do campo. Têm formação específica para esse cargo e pode considerar-se como estando situados num patamar acima na linha hierárquica da instituição depois desses entrevistadores. Não existe qualquer tipo de atropelos nas funções, nem qualquer dúvida sobre as suas competências, uma vez que as linhas de actuação estão claramente definidas. De certo modo este supervisor é visto como um chefe, numa perspectiva Taylorista, pelos entrevistadores pois os primeiros têm o poder de dispensar os segundos se o trabalho não for apresentado dentro dos critérios exigidos.
Parece ser de consenso geral que o professor supervisor deverá ser mais experiente e mais bem formado nas áreas, já referidas, que envolvem a supervisão: científica, pedagógica, administrativa/organizativa e humana/social/participativa. Poderá existir aqui uma contradição uma vez que, na realidade, são os menos experientes que possuem melhor formação ao nível pedagógico, melhor formação ao nível administrativo (salvo alguma área cientifica mais específica), igual formação ao nível científico e dificilmente se escrutina quem será o melhor ser humano no que respeita à sociabilidade e à humanidade. E como alerta Arendt (1978, cit. Rangel, 2001), a falta de formação para se exercer um cargo pode provocar um autoritarismo que nada tem a ver com a autoridade (necessária) baseada na competência e na confiança. Já Esteve (1984) dizia que
“Muitos dos esquemas autoritários que existem na escola não são mais do que uma forma de autodefesa para encobrir a insegurança gerada pela consciência de uma deficiente preparação” (cit. Teixeira, 1995, p. 155)[4].

Também Leal e Henning (2009) enfatizam constantemente a necessidade do “poder disciplinar” para se poder levar avante todo o processo. E este poder não se consegue, certamente, sem a respectiva formação do supervisor e consequentemente sem a aceitação dos supervisionados.
Nesta perspectiva e considerando a unidade Escola, na sua organização, como enquadrada num modelo organizativo do tipo “burocracia profissional” tal como Mintzberg (1999) a define (ou seja, o próprio profissional controla o seu trabalho), ficam sempre as dúvidas sobre a utilidade do trabalho supervisivo tendo em conta que os novos professores tiveram uma acreditação nas escolas superiores através de uma formação específica para desempenhar a sua profissão de docente ao contrário dos mais velhos (experientes) que tiveram somente a formação cientifica e um estágio pedagógico integrado mas de uma ligeireza que os seus próprios frequentadores duvidam a sua eficácia[5].
Mas, dum modo geral insiste-se no ponto que o supervisor deve ser mais experiente que o supervisionado e deve ter as funções principais de regulador e de prestar ajuda ao supervisionado. Falta, provavelmente, definir as regras de nomeação do supervisor tendo em conta a posse dos atributos anteriormente discutidos a fim de ser aceite pelo supervisionado sem qualquer tipo de desconfianças, pois, parece inegável, que este tipo de relação, este tipo de ação, só pode trazer vantagens para todos. Idealmente sugere-se que o supervisor tenha características de um líder com uma visão estratégica. Alarcão (in Rangel, 2001, p. 50) vai mais longe e afirma mesmo que o supervisor é um “líder de comunidades formativas” ou de “comunidades aprendentes” (idem, 2009, p.126). Possuir pensamento estratégico, poderá entender-se como ter uma perspectiva de futuro baseada nos acontecimentos do passado fazendo-se um acompanhamento assíduo do plano elaborado.
Alarcão e Tavares (1987) confessam uma predilecção pelo estilo de supervisão duma forma colaborativa. Nessa obra apresentam mais dois estilos: não-directivo e directivo. Estes estilos são rotulados ao supervisor que opta, duma forma consciente ou não, pela incidência que faz a uma série de comportamentos, dez no total, propostos por Glickman (1985, cit. idem) tais como: “prestar atenção”, “clarificar”, “encorajar”, “servir de espelho”, “dar opinião”, “ajudar a encontrar soluções para os problemas”, “negociar”, “orientar”, “estabelecer critérios” e “condicionar”.
Para uma melhor compreensão de relacionar os estilos do supervisor aos estilos de lideranças, pretendo a seguir, tentar fazer essa comparação tendo em consideração o carácter imprevisível da organização escolar e da colegialidade dos seus órgãos. Neste sentido, será mais indicado falar-se em “(...) lideranças do que liderança, mais nos lideres do que no líder” (Costa, in Costa, Mendes e Ventura, 2000, p. 26). Rego (1998) define alguns estilos de liderança, identificando muitas das suas características humanas, técnicas, interpessoais e conceptuais. Retirei dessa análise dois estilos que convém referir, dado serem os mais abrangentes e os mais elucidativos e acrescentei mais um terceiro, cuja existência me parece de aceitação consensual, retirado da diversa literatura:
1. Autoritário - aquele que no grupo/equipa exerce o papel de líder assumido, onde os seus seguidores[6] lhe obedecem, tendo um papel de “comandante” que inclui responsabilidades e funções que não podem ser partilhadas por outros sob pena de prejudicar a eficácia do grupo – liderança tradicional semelhante a uma chefia;
2. Participativo - aquele que tem uma liderança partilhada (ou participativa, como refere o autor) não havendo uma distinção clara entre líder e seguidores – liderança centrada no grupo;
3. Laisser-faire – aquele que não se intromete, orienta e só interfere se solicitado.
Assim, o quadro pretende resumir as ligações correspondentes:



De referir ainda os resultados dos estudos sobre as preferências por parte dos professores supervisionados por cada estilo apresentado (Alarcão e Tavares, 1987). Se se tratar de candidatos a professores, a preferência recai maioritariamente sobre o estilo directivo, se for o professor já na carreira a preferência incide sobre o estilo colaborativo. As razões parecem-me óbvias e prender-se-ão com a insegurança dos primeiros e a confiança, que convém assumir, dos segundos.

7- Problemas no relacionamento entre o supervisor e supervisionado
Entramos num campo de análise consequente que nem sempre se verifica nas melhores condições na Escola: relações humanas com os respectivos conflitos daí recorrentes. Aliás, a professora do ensino secundário Fernanda Lamy (2009) na sua reflexão sobre o tema também alerta para estes conflitos evidenciando as suas dúvidas sobre a correta definição dos critérios na escolha do supervisor. Parece-me então que esta ação reflexiva conjunta, esta ação colaborativa onde a linha hierárquica se achata (bem na definição da organização do tipo burocracia profissional referida por Mintzberg, 1999), que se pretende entre o supervisor e o professor não terá qualquer efeito se as relações pessoais não forem de total cumplicidade. Curiosa é a referência que Alarcão e Tavares (cit. Alarcão, 2009), e Soares (2009) na mesmíssima linha de pensamento (parecendo até que cita os anteriores), fazem, sem se alongarem, ao “desenvolvimento humano” do professor por parte do supervisor ficando a ideia que o supervisor deverá ser o mais sociável e o mais humano. Reconhece-se, no entanto e como já foi referido, que o termo supervisão não se livra de uma conotação autoritária podendo ser percepcionada duma forma intimidatória e rejeitada pelo supervisionado se se reconhecer que o supervisor não possui essas características sociais e humanas essenciais para essa relação, sem descuidar, obviamente, as outras (científicas, pedagógicas e administrativas). Parece-me então que deveriam ser claramente exigidas habilitações específicas para exercer o cargo, uma comprovada experiência profissional e uma leitura correta do Director da Escola numa tentativa de procurar verificar a existência de qualquer tensão existente entre os protagonistas.
Dum modo geral tenho verificado na Escola que não são aproveitadas convenientemente as novas habilitações dos professores que estes adquiririam para além da sua formação inicial. Outro dos aspectos que podem promover a fragmentação das relações humanas/sociais é a falta de transparência das medidas bem como a clarificação das competências de cada um na sua função.

8- Implementação
Santos e Brandão (2006, inspiradas em Pascal e Bertram, 2000) sugerem uma “escala de empenhamento do adulto como apoio à função supervisiva” através dos seguintes indicadores: sensibilidade, estimulação e autonomia. Referem-se somente à observação de aulas (diria, numa perspectiva clínica) e à relação que o supervisionado tem com os seus alunos. Ora, a supervisão pedagógica pretende ser muito mais abrangente tornando essa escala muito redutora. No entanto, e pretendendo ser objectivo, poder-se-ia elaborar um instrumento de observação que avaliasse formativamente o supervisionado nas dimensões que tenho vindo a destacar: científica, pedagógica, administrativa/organizativa e humana/social/participativa.
Ao ler Rangel (2001) apercebem-se bem as diferenças culturais, organizativas, sociais, etc. entre Portugal e Brasil. Assim, a supervisão pedagógica no Brasil na sua aplicabilidade terá forçosamente que ser diferente bem como nos diversos níveis de ensino, daí a análise que se segue focar somente a escola do 3ºciclo e do secundário, pois é essa realidade que conheço. Quero dizer com este meu raciocínio, claramente, que, embora os conceitos gerais e a sua interiorização possam ser os mesmos, não me parece que a supervisão pedagógica na educação pré-escolar (5 anos) se possa implementar da mesma forma que na educação a alunos do 12º ano (18 anos).

Conclusão
Ao lerem-se os artigos publicados nesta área e as obras de referência fica-se com a ideia que se batalha em torno das mesmas ideias com pequenas nuances entre elas. Ou seja, parece-me que ao invés de procurarmos clarificar o conceito, dizer objectivamente o que se pretende com ele definindo o modo da sua implementação, definir os critérios de quem pode vestir a farda de supervisor, enfim, promovê-lo, continuamos a rodeá-lo com flores[7] acrescentando variantes algo confusas como “supervisão reflexiva” (qualquer procedimento consciente, pedagógico ou não, leva-nos, certamente, a reflexões), “supervisão democrática” (não se compreende que possa ser de outra forma sob pena de falhar redondamente uma vez que estamos a discutir a Escola pública), “auto-supervisão” (só tem lógica se for promovida pela supervisão, tal como Leal e Henning, 2009, referem), “hetero-supervisão” (deixa de ter as características intrínsecas da supervisão e sugere uma exagerada cumplicidade entre confrades), etc. O termo carece de delimitação se olharmos para ele num contexto educacional mais concretamente na relação entre professores. Parece-me, por exemplo, que não devemos confundir supervisão pedagógica que se faz de uma forma continuada ao profissional docente com supervisão pedagógica realizada na formação inicial do candidato a professor como a diversa literatura tende a misturar (já referido anteriormente). Expressões como “ensinar o professor a ensinar” (Alarcão e Tavares, 1987, p. 34) não tem muito sentido se aplicado ao professor sénior consciente da sua formação contínua, mas poderá tê-lo se considerarmos o candidato a professor. Deveríamos, se quisermos ser mais precisos, separar até os níveis de ensino pois as realidades numa escola/sala de aulas são muito diferentes se se tratar do 1º ciclo ou do 12ºano. Mas, atendendo ao que nos dizem Alarcão e Tavares (1987), podemos estudar a supervisão duma forma alargada, pois, numa análise geral, “os elementos comuns ao exercício da supervisão nos diferentes níveis são em maior número do que os elementos que lhe são específicos” (idem, p. 18). No entanto, deveremos reconhecer que, por exemplo, dois professores (ou dois agentes com características semelhantes na perspectiva dos alunos) numa sala de aulas podem trazer alguns problemas de eficácia e alguns constrangimentos à dinâmica e às “imprevisibilidades previstas” numa aula delegando o resultado da sessão supervisiva para mais uma experiência sem qualquer resultado prático no que respeita à aprendizagem dos alunos, pelo menos no decurso dessas observações.
Continuamos também a encher-nos de teorias sobre o que temos de fazer mas poucas se debruçam sobre a forma como o deveremos fazer. Esta opinião é generalizada ao dizer-se que os estudiosos das Ciências da Educação pouco produzem no sentido de melhorar a situação[8]. Arriscarei a seguir propor algumas soluções para que os professores na sua prática docente fiquem a saber com o que podem esperar se forem supervisionados.
Carmo e Ferreira (1998) chamam a atenção sobre os constrangimentos que poderão existir quando o investigador está muito próximo do objecto de estudo. Mas também referem as vantagens. Parece-me que revisões da literatura e fundamentações teóricas não são difíceis de serem feitas por um estudante ao nível de um mestrado/doutoramento. O que me parece que está a faltar é a perspectiva dos professores, enquanto agentes do processo, que prolongam os seus estudos nesta área, ou seja, a ligação da fundamentação teórica com a prática de trabalho enquanto profissionais. Neste sentido, passarei a expor aqui o meu contributo. Assim algumas das minhas perguntas e as respectivas respostas, dirigindo a supervisão pedagógica para as escolas publicas portuguesas do 3º ciclo e secundário aplicada a professores em carreira, e tendo em atenção a minha envolvência nas escolas, são as seguintes:
- O supervisor (a figura) pode ser alguém que não tenha tido a experiência de professor?
Não.
- Quantos anos no mínimo devem ter de experiência o supervisor?
Dez (mais ano menos ano).
- O supervisor pode exercer o cargo sem ter tido formação especializada?
Deve ter formação em supervisão pedagógica ao nível de mestrado e/ou áreas afins.
- Que estilo de supervisão o supervisor pedagógico deve adoptar?
Deve ser, com predominância quase total, o estilo “colaborativo” já referido e caracterizado por Alarcão (1987).
- Que áreas devem ser supervisionadas?
Devem ser as cientificas, as pedagógicas, as administrativas/organizacionais e as sócio-afectivas/participativas.
- Deve a supervisão ter como resultado, também, uma avaliação docente?
Sim, pois os supervisores pedagógicos seriam os profissionais mais bem formados para a fazer. E não me parece que se consiga desassociar supervisão pedagógica de avaliação docente.

- O que se pretende com a supervisão pedagógica?
A ideia da supervisão pedagógica tende a imaginar um professor controlador e avaliador das nossas acções. Deve então começar por aqui o início da desmistificação contrariando o que pensam Leal e Henning (2009). Talvez começar por mudar o nome ao conceito e ao cargo acabando também com a ligação que ainda tem à sua génese da produção industrial e repressiva em geral. Chamar-lhe, talvez, “orientação da prática pedagógica” conforme o entendimento de supervisão pedagógica que têm Alarcão e Tavares (1987, p. 47) ou “desenvolvimento docente” e aos professores supervisores chamar-lhes “professores de cooperação”. No Brasil, segundo Ferreira (in Rangel, 2001), não correu muito bem a tentativa de aligeirar os termos, mas, realce-se que os motivos dessa alteração foram outros. Na realidade o que se pretende com a actividade supervisiva passa por uma orientação solidária num trabalho colaborativo, por uma procura de encontrar soluções, enfim, por melhorar a prática pedagógica. Pretende-se que seja visto numa “abordagem dialógica” conforme Alarcão (in Rangel, 2003) a define e como a mesma autora expressa claramente que não deve ser vista “no contexto sala de aulas, mas no contexto mais abrangente da escola” (idem, p. 31). A respeito da supervisão pedagógica (ou científica) na sala de aulas, e como agente observador participante, não vejo qualquer mais valia a observação de aulas nos níveis 3º ciclo e secundário. A um nível mais baixo poder-se-á encontrar vantagens mas a um outro nível facilmente se prepara uma encenação relegando a supervisão in loco nesse espaço de trabalho para mais uma inutilidade sem qualquer efeito positivo[9]. É necessário, no entanto, uma figura, que poderia ser chamado qualquer coisa menos supervisor, que fosse orientador e conhecedor dessas premissas de forma a não levantar qualquer suspeita ao supervisionado em relação às suas competências.
- Como deve ser implementada?
Esta cooperação deve ser realizada a partir dos Grupos disciplinares (mais específicos) e não a partir de Departamentos Curriculares (mais gerais) e devem abranger áreas como a científica, a pedagógica, a administrativa/organizacional e a humana/social/participativa. Dever-se-ia elaborar uma tabela para cada uma das áreas a serem observadas, do género, mas melhorada/adaptada, “escala de empenhamento do adulto como apoio à função supervisiva” (Santos e Brandão, 2006). Cada área/dimensão, os mesmos para todo o sistema educativo português, subdividir-se-ia em outros itens. E estes deveriam ser discutidos/negociados entre o supervisor e supervisionado. Deveriam, numa fase inicial, ser propostos duma forma geral pelo regulador Estatal e depois adaptados/escolhidos/corrigidos/negociados à realidade da Escola e toda a sua envolvência, ou seja, à realidade da sociedade/comunidade, à realidade da especificidade da disciplina e à realidade da faixa etária dos alunos onde se realizaria o processo supervisivo.
- Quem deve assumir o cargo de supervisor?
De forma a que não se levantasse qualquer problema na aceitação do supervisor, este deveria ter pelo menos 10 anos de experiência como professor, possuir um curso pós-graduado na área das ciências da educação (idealmente na especialidade supervisão pedagógica) e, depois de verificadas estas duas premissas, o director da Escola deveria ter a sensibilidade que se espera de um líder escolar para nomear um ser humano com características humanas, socais e democráticas. Não me parece que um professor sénior, consciente da sua formação e da sua experiência, aceite pacificamente (pode ler-se: perspectivando alguma utilidade no processo, pois é disto que se trata) ser supervisionado, nos moldes que se define na diversa literatura, por um colega de profissão com menos formação académica nas diversas áreas e, até, podendo facilmente acontecer, menos experiência.
- Que resultados esperar?
Qualquer actividade que se realize na escola deve levar a uma melhor qualidade na educação. Sendo que esta qualidade não tem efeitos imediatos (dificilmente se consegue provar) e sendo também da concordância da opinião pública em geral que os professores devem ser avaliados no seu desempenho, sou de opinião que a supervisão pedagógica deveria resultar numa avaliação (aliás, Rangel, 2001, também a enfatiza) com a respectiva classificação tendo em vista a sua progressão na carreira. Os aspectos a avaliar incidiriam nas actividades administrativas realizadas pelo próprio (resultando numa classificação depois de verificada a grelha de observação da área administrativa falada atrás, pois fazem parte da actividade do profissional docente numa organização do tipo burocracia profissional – Mintzberg, 1999), na actualização dos seus conhecimentos (este item faria parte integrante da grelha de observação nas áreas científicas e pedagógicas, referidas atrás) e nas actividades do Plano Anual de Actividades dinamizadas pelo supervisionado (e este item faria parte integrante da áreas supervisionada das relações humanas/social/participativa). Para já estou a falar de factos facilmente percepcionáveis em termos de registo em grelhas de observação. Para os outros, mais subjectivos, sou de opinião que com alguma facilidade se chegaria a um acordo entre o supervisor, supervisado e direcção da Escola.
Finalizo dizendo que na minha prática profissional como docente do 3º ciclo, secundário e do ensino profissional numa escola profissional, nunca me senti ou julguei supervisor, apesar de passar pelos diversos cargos que julgamos que deveriam ter essas funções, nem nunca me senti supervisionado do modo como se refere a literatura estudada. Mas, curiosamente, os autores estudados referem-se a estes conceitos como se fosse uma prática rotineira utilizada nas escolas. Precisa-se por isso de devolver a teoria à prática, diria, precisa-se mesmo que aconteça a segunda ruptura epistemológica[10]. Em Costa, Ávila e Mateus[11] esta segunda ruptura é chamada de “duplo paradoxo”, justificado com a existência de um “paradoxo cognitivo” (dar a conhecer a ciência a quem não a pratica) e com um “paradoxo democrático” (mais informação das decisões através da participação das populações contrastando com a falta de conhecimentos destas).

Bibliografia
· ALARCÃO, Isabel – Formação e supervisão de professores: uma nova abrangência. Lisboa: FPCEUL Sísifo Revista de Ciência da Educação nº 8, 2009
· ALARCÃO, Isabel; TAVARES, José – Supervisão da Prática Pedagógica – Uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Livraria Almedina, 1987
· CARMO, Hermano; FERREIRA, Manuela M. - Metodologia da Investigação - Guia para Auto-aprendizagem. Lisboa: Universidade Aberta, 1998
· COSTA, Jorge A.; MENDES António N.; VENTURA, Alexandre (orgs.) – Liderança e Estratégia nas Organizações Escolares. Aveiro: Universidade Aveiro, 2000
· LAMY, Fernanda – Supervisão Pedagógica. Vila Nova de Gaia: Edições Asa, Revista Correio da Educação nº 339, 2009
· LEAL, Adriana; HENNING, Paula – Do Exame da Supervisão ao Autoexame dos Professores: estratégias de regulação do trabalho docente na Supervisão Escolar. Brasil: Revista Currículo sem Fronteiras, v.9, n.1, pp.251-266, 2009
· MINTZBERG, Henry – Estrutura e Dinâmica das Organizações. Alfragide: Publicações D. Quixote, 1999
· PRATES, Maria L.; ARANHA, Ágata; LOUREIRO, Aramando – Liderança: supervisão e aprendizagem partilhada na escola actual. Bragança: Instituto Politécnica de Bragança, Revista Eduser: revista de educação, Vol 2(1), 2010
· RANGEL, Mary (org.) – Supervisão Pedagógica – princípios e práticas. Campinas SP: Papirus Editora, 2001
· REGO, Arménio – Liderança nas Organizações – Teoria e Prática. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1998
· SANTOS, Cristina [et al.] – Escola como Sistema, Mundo de Vida e (re)organização: reptos à Supervisão Pedagógica. Porto: ESSE de Paula Frassinet, Repositório Caderno de Estudos nº 9, 2008
· SANTOS, M. Alice; BRNDÃO, M. Isabel – A supervisão pedagógica numa articulação entre a preparação do educador, a formação do aluno e a qualidade da educação das crianças – a função da escala de empenho do adulto na concretização deste processo. Porto: ESE de Paula Frassinet, Repositório Caderno de Estudos nº 7, 2006
· SOARES, Margarida – Supervisão Pedagógica - Para uma prática de ensino mais eficaz, mais comprometida, mais pessoal e mais autêntica. Matosinhos: CFAE Ozarfaxinars E-revista nº 12, 2009
· VIEIRA, Flávia – Para uma visão transformadora da supervisão pedagógica. Campinas (Brasil): Revista Educação & Sociedade, vol. 29, n 105, pp. 197-217, 2009

[1] Docente do Seminário Teorias e Modelos de Supervisão Pedagógica no 3º ciclo de estudos em Educação na especialidade Liderança Educacional na Universidade Aberta.
[2] VIEIRA, Ricardo – Histórias de Vida e Identidades. Professores e Interculturalidades. Porto: Ed. Afrontamento, 1999
[3] De Mintzberg (1999) retira-se que são os professores a fazer parte deste centro operacional.
[4] TEIXEIRA, Manuela – O Professor e a Escola – Perspectivas Organizacionais. Amadora: McGraw-Hill, 1995.
[5] Sem querer ferir susceptibilidades, eu sou um deles e ainda não conheci nenhum colega que não pense do mesmo modo.
[6] “Sem seguidores não há lideres” (Rego, 1998, p. 423)
[7] Esta metáfora foi-me sugerida por Bourdieu (1989) ao comparar os “termos empolados da grande teoria” (idem, p. 28) como um tipo de prazer em “colar rótulos novos em frascos velhos” (ibidem) - BOURDIEU, Pierre – O Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
[8] Quem o diz, por exemplo é professor António Teodoro (TEODORO, António – Professores para quê? Mudanças e desafios na profissão docente. Porto: Profedições, 2006).
[9] Curiosas são as frequentes preparações prévias das aulas quando são observadas. Nesses dias o professor que vai ser observado entra mais cedo para a sala de aulas e prepara os recursos antecipadamente, desde videoprojector a outros materiais. Ora, não é isso que fazemos em dias normais. Estamos assim a teatralizar desvirtuando a avaliação. No entanto consigo facilmente prever sessões assistidas na educação pré-escolar mas, também aqui, não consigo vislumbrar muitas vantagens nessa forma de observação.
[10] Boaventura de Sousa Santos chama a este corte com o senso comum de “primeira ruptura epistemológica”. A passagem, do conhecimento adquirido com a investigação, para a restante comunidade com o objectivo de contribuir para a sua formação, apelida-a de “segunda ruptura epistemológica”.
[11] COSTA, António F.; ÁVILA, Patrícia; MATEUS, Sandra – Públicos da Ciência em Portugal. Lisboa: Gradiva, 2002



Luis F. F. Ricardo (2010)

(AO) O que gostaria de saber (I)

Uma reflexão sobre a importância dos projectos na Escola

Existem alguns problemas na escola que me incomodam e que gostaria de contribuir para a sua resolução. Por exemplo, relativamente a um projecto que quase nunca está presente no vocabulário dos professores, que assumidamente pouquíssimos o analisam (ou mesmo lêem), mas que surge sempre quando, de alguma forma, pretendemos redigir um qualquer documento oficial. Refiro-me ao Projecto Educativo de Escola (PEE). Parece-me que ninguém acredita na sua importância, parece que ninguém tem tempo para a sua elaboração do modo que se exige, parece que os Encarregados de Educação (EE) não sabem que existe, parece que os seus conceitos se atropelam e misturam com os conceitos de outros projectos obrigatórios da escola. Esbarra também noutro obstáculo: a verdadeira comunidade educativa (a base da sua edificação), como a idealizam, não existe de facto uma vez que as “aldeias deixaram de existir” (não somente agora com o fecho destas centenas de escolas por todo o País). Por exemplo (não sou certamente um caso raro, pelo contrário), resido no Nadadouro, lecciono na Marinha Grande e a minha educanda frequenta uma Escola em Santo Onofre. Estas três freguesias ligadas por um segmento de recta fazem um perímetro de mais de 100 km. Qual será a minha comunidade educativa? A qual me devo dedicar no sentido da participação (outro conceito base, e folclórico, para a elaboração do PEE)? Além do contexto urbano não ajudar à implementação da chamada comunidade educativa, temos também de ter em conta o crescente aumento do ritmo de vida com o consequente e natural alheamento dos EE e, ainda, com a obrigatória soma relativa à mobilidade a que os professores estão sujeitos. Dá ideia que os termos surgem somente num sentido vago e florido necessário ao embelezamento de documentos.
Gostaria de saber, se fosse de algum modo possível, a real percepção e o real grau de importância que os professores e restante comunidade educativa (tal como é vista) têm da utilidade dos inúmeros projectos e documentos “orientadores” que uma escola é obrigada a possuir como por exemplo e sobretudo: Projecto Educativo de Escola, Projecto Curricular de Escola e Projecto Curricular de Turma. Gostaria de saber se, de facto, estes projectos são na realidade importantes e contribuem significativamente para a progressão e desenvolvimento escolar do aluno ajudando-o na sua formação, se ajudam os professores a desenvolver a sua carreira (uma vez que são eles os seus principais, provavelmente até os únicos, idealizadores e concretizadores), se promovem a participação da comunidade educativa nas actividades da escola, ou se, pelo contrário, não passam de trabalhos burocráticos sem (ou com pouca) utilidade não justificando o tempo e energia despendido. A percepção que tenho, como agente observador participante (nunca me excluí, naturalmente, deste estatuto), e atendendo à existência de um currículo nacional obrigatório com inúmeras orientações a que nenhuma escola pública se pode alhear, levar-me-ia a validar a última hipótese. Mas, dado a limitação que tenho no que respeita à observação de outras escolas e sobretudo tendo em atenção à insistência por parte dos responsáveis educativos na obrigatoriedade da elaboração desses documentos também me leva a ter algum cuidado nessa validação.
O interesse e curiosidade em procurar obter estas respostas são um dos combustíveis da minha motivação para a minha prática docente.

Luís Ricardo (2010)

(AO) Funções diferenciadas na escola para carreiras semelhantes ou o que fazer com os cansados, desadaptados, desactualizados, desmotivados,…?

Uma proposta para a criação de cargos extra-lectivos e exclusivos na escola dentro da carreira docente

Não me estou a imaginar com 64 anos a tentar dar aulas a alunos CEF. Por vários motivos ente os quais: natural falta de paciência, falta de poder/autoridade, falta de actualização dos conhecimentos na minha área específica devido à inexistência de cursos de formação e falta de educação dos alunos com o consequente aumento da incontrolável indisciplina. Pelo que tenho observado na escola (refiro-me à geral e não à minha em particular), existem professores que estão fartos, desadaptados, cansados,… da relação pedagógica com os alunos, pelas razões que aponto em cima e por outras que desconheço mas que poderei supor com alguma facilidade. Eu, como referi, serei um deles. Neste sentido, parece-me que seria interessante criar alternativas para estes casos. Todos os professores que ainda (aqui o ainda tem algum sentido irónico) gostassem/aguentassem/preferissem a actividade relacionada com a sala de aulas, ou seja ensinar, continuariam mas “só” deveriam fazer isso. Fundamentalmente dedicarem-se à melhor forma de transmitir conhecimentos aos alunos, ou seja, ser professor em toda a sua essência. Os que preferissem mudar deveriam poder fazê-lo para uma das inúmeras tarefas/funções que agora (e cada vez mais necessárias) existem na escola. A saber (falta arranjar-lhes nomes mais apelativos/apropriados): apoio às turmas, professor de substituição, apoio ao serviço de psicologia, técnico CNO (como de resto já existe), coordenador de departamento, relações publicas, bibliotecário, director de escola (como também já existe), director do centro formação (outro cargo que também já foi criado com funções exclusivas), técnico segurança, actualizador dos documentos internos face à imensa produção de legislação, relações públicas, etc. Pretendo transmitir, com esta minha sugestão, que deveriam ser criados vários cargos com carácter definitivo e exclusivos na escola separando claramente as funções do verdadeiro professor das restantes.
Numa perspectiva de qualidade no ensino, parece-me que alguns professores não deveriam ser obrigados a arrastarem-se numa mistura de funções até à reforma mas sim terem a possibilidade de ser transferidos a seu pedido para os tais cargos libertando o verdadeiro professor para a sua principal função, muitas vezes repetida pelos actuais responsáveis da política educativa, que é ensinar. Claro está que uma separação total nunca será de todo aconselhável, ou seja, para ocupar essas funções alternativas teriam primeiro de passar pela actividade de professor (relação pedagógica com alunos) e terem posteriormente acesso à necessária e obrigatória formação específica.

Luís F. F. Ricardo (2010)

NOTÍCIAS

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“A ministra da Educação anunciou hoje que o pessoal não docente vai poder aplicar medidas correctivas e rejeitou a possibilidade de expulsão do aluno, no âmbito das alterações ao Estatuto do Aluno”.
DN (31-Mar-2010)
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Professora vitima de agressão por parte de uma aluna enfurecida,
(?? – Mar-2010)
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Alterado o ECD. Sindicatos contestam.
(?? – Mar-2010)
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“O deputado socialista Ricardo Rodrigues diz não entender a proposta da Fenprof de considerar crime público a violência contra professores, garantindo que essa tipificação já está consagrada na lei, mas o sindicato mantém a posição.”
Público (23-Mar-2010)
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Os professores em França estão de greve reivindicando melhores condições de trabalho.
RTP 1 – 12-Mar-2010
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“Professor vítima de bullying preferiu morrer a voltar ao 9º B” - Um professor em Sintra suicidou-se alegadamente por não aguentar os maus tratos por parte dos seus alunos.
Público (12-Mar-2010)
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(AO) Dislexia

(artigo retirado em 15-Set-2010 por existirem dúvidas sobre a sua autoria)

NOTÍCIAS

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“É mais um passo na captura da escola pela ideologia modernaça dos direitos sem responsabilidades. A Universidade de Sevilha incluiu o direito ao copianço nas "Normas Reguladoras da Avaliação e Qualificação das Assinaturas". Com as novas regras, os professores perdem o direito de expulsar da sala um aluno que esteja a copiar num teste ou exame e o aluno ganha o direito de concluir o teste ou exame e de submeter o acto à apreciação de uma comissão de justiça composta por 3 professores e 3 alunos. É essa comissão e não o professor que apanhou o aluno a copiar que tem poderes decisórios sobre a questão.”
Profblog (Fev-2010)
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““Acho que (os professores do ensino básico) devem ser os mais bem pagos e reconhecidos socialmente porque são aqueles que verdadeiramente, num estado elementar, substituem os pais na educação dos filhos”, afirmou Artur Santos Silva [presidente da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República] durante uma conferência sobre ‘A Educação na I República’ que decorreu hoje, no Porto, no âmbito das comemorações do centenário da República. (…) No âmbito das políticas educativas, Santos Silva salientou também que uma maior exigência a esse nível deve ser “a grande prioridade nacional” e que “toda a sociedade se tem de sentir muito mais envolvida”, congregando pais, professores, alunos e políticos.”
Destak (03-Fev-2010)
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(AC) Possibilidades, equívocos e limites no trabalho do professor/pesquisador - enfoque em ciências

São apresentados recortes da pesquisa "Supletivo Individualizado: Possibilidades, Equívocos e Limites no Ensino de Ciências", centralizada nas relações aluno/professor, aluno/recursos didáticos e na análise de mudanças no trabalho pedagógico, na área de Ciências, num curso para educação de adultos. O foco desta apresentação é a trajetória da professora/pesquisadoraproponente e executora da investigação.
Introdução
Na área de ciências nas últimas décadas, as inovações com caráter duradouro ocorridas no ensino escolar no Brasil, não têm correspondido ao número considerável de propostas/projetos de ensino produzidos/divulgados nessa área. E nem mesmo os resultados, já significativos, de pesquisas específicas sobre ensino têm, aparentemente, provocado alterações na prática pedagógica qualitativa e quantitativamente correspondentes.
Diante dessa constatação e percebendo a grande importância da mediação do professor nos processos que ocorrem em sala de aula, vários pesquisadores têm abandonado a perspectiva de um trabalho imediatamente generalizável, por estudos voltados para contextos delimitados, numa linha de investigação em que o professor pesquisa seu próprio trabalho, modificando-se enquanto modifica sua prática.
Neste artigo apresentamos alguns recortes do estudo de uma professora/pesquisadora, que realizou sua investigação junto à área de ciências, num curso individualizado, destinado à educação de adultos. Nele enfocamos prioritariamente a trajetória da professora.
A investigação teve origem quando ela se propôs a analisar algumas mudanças que havia provocado no trabalho da equipe a que pertencia. Pretendia buscar elementos, que lhe permitissem refletir sobre o ensino de ciências possível na escola onde lecionava, com o intuito de provocar outras alterações. Para tanto, investigou a dinâmica das relações aluno/professor e aluno/material didático, sendo grande parte do seu esforço voltado para o (re)conhecimento de suas próprias concepções.

Tipo de curso e as primeiras mudanças
O curso, supletivo de 1o e 2o graus, se destina a funcionários de uma universidade e a trabalhadores da região onde a escola se localiza. Nele não há aulas regulares, como em outras escolas. Os professores indicam os conteúdos que os alunos devem estudar e esses conteúdos são cobrados em provas sucessivas, várias para cada disciplina, com possibilidade do aluno se matricular em duas disciplinas de cada vez. É previsto também que os alunos podem tirar dúvidas com os professores, os quais ficam disponíveis para esse atendimento. É tarefa também dos professores aplicar e comentar a correção das provas.
O momento que isso deve ocorrer, no entanto, é definido pelo aluno. Este cumpre os conteúdos determinados utilizando o tempo que lhe for necessário.
A professora, membro da equipe docente de ciências, trabalha na escola desde sua implantação, em 1987, e, já no início questionou a proposta de ensino adotada nas ciências, módulos pautados na instrução programada. Na realidade, ela passou a vivenciar reflexões contraditórias, pois se de um lado tinha grandes restrições ao trabalho realizado nessa escola, de outro entendia que, assim organizada, ela propiciava uma opção de estudo para trabalhadores em sistema de turnos, os quais dificilmente poderiam freqüentar diariamente outra escola, sendo essa sua única oportunidade de estudo.
Dado seu descontentamento com o trabalho docente realizado, a professora também considerou que, apesar das restrições que são feitas ao ensino supletivo, e, em particular ao ensino individualizado, não poderia ficar apenas na crítica. Era preciso intervir, mesmo que essa intervenção tivesse uma abrangência limitada. Ao se propor a trabalhar de forma diferente, junto com mais três professoras de ciências, pretendia melhorar a qualidade do ensino e superar a característica comportamentalista dos módulos adotados. E mais tarde, quando começou a notar o grande número de alunos que não concluíam o curso, considerou a necessidade de contribuir para a diminuição da evasão.
Nesse sentido, foram propostas mudanças que compreenderam a reformulação de provas e a inclusão na programação curricular de textos com assuntos, que a equipe de ciências considerava mais atualizados, para serem trabalhados com os módulos, além de aulas práticas para serem realizadas em grupo. Essas alterações foram fruto de muitas discussões entre as professoras, tendo em vista as inúmeras divergências iniciais entre elas, quanto à necessidade de mudanças, e as dúvidas que tinham, relativas à viabilidade de poderem interferir na organização da escola.
Quando a professora se propôs a analisar o trabalho realizado, as dúvidas ainda pairavam sobre os avanços que as mudanças já efetuadas haviam possibilitado. E ela tinha até incerteza se havia ocorrido alguma modificação consistente com os propósitos iniciais.
A investigação deveria portanto, mostrar se haviam ocorrido avanços e quais eram esses avanços , além de evidenciar quais os limites e os equívocos cometidos.

Pressupostos, noções teóricas e metodologia da pesquisa
Não existe um único caminho para se desvelar a dinâmica escolar, e, qualquer que seja o escolhido, é fundamental que o investigador se perceba como construtor de um conhecimento, como alguém que evidencia uma realidade antes encoberta. Se essa realidade inclui as próprias ações, como no caso do professor/pesquisador, os resultados da investigação são, quase sempre, geradores de uma reflexão que pode alterar não apenas as ações, mas também as suas concepções.
No caminho percorrido, investigando seu trabalho docente, a professora/pesquisadora (re)conheceu a importância de entender as concepções que orientavam seu trabalho e selecionou/incorporou algumas noções teóricas, que contribuíram para um novo olhar sobre as evidências empíricas. Essas noções estavam em consonância com, pelo menos, alguns dos pressupostos que a pesquisadora tinha ao iniciar a investigação, ainda que, muitas vezes, esses pressupostos não estivessem imediatamente transparentes.
O caminho escolhido na pesquisa aqui enfocada admitiu a importância, para o entendimento da instituição escolar, desta ser localizada no todo social, buscando-se as origens históricas para ocorrências que ali se manifestam. E supôs também a relevância das análises de natureza psicológica, ou propriamente pedagógica, que tornam possível uma compreensão dos indivíduos e suas diversidades, presentes na sala de aula. Decorreu dessa perspectiva de abrangência o estudo e ancoragem em noções teóricas incluídas em diferentes campos de conhecimento. Entre elas, as principais foram: as noções de Reprodução e Resistência (Bourdieu e Passeron, 1975; Apple, 1982; Giroux, 1983; Enguita, 1989), que mostram como a escola reproduz a sociedade de classes e também ressaltam mecanismos de resistência contra essa reprodução; a dupla noção de Continuidade/Ruptura (Snyders, 1978; 1988) que esclarece como a aprendizagem baseada na vivência do aluno, inclui e ultrapassa essa vivência e pode romper com antigas idéias; as noções de Currículo Oculto e Tradição Seletiva dos Conteúdos (Apple, 1982; 1985) que evidenciam como a escola pode passar a cultura da obediência e como os conteúdos fragmentados mostram uma história da ciência linear, não contribuindo para uma visão mais totalizante do conteúdo aprendido.
Essas e outras noções do estudo teórico foram fundamentais para a reflexão da professora sobre a especificidade da escola em que estava atuando, e para que ela revisse algumas de suas idéias iniciais sobre ocorrências nessa escola. Foi, no entanto, preciso também um referencial que lhe permitisse olhar mais diretamente para o modo como ocorria a mediação dos conteúdos de ciências na relação com cada aluno, além de lhe possibilitar criar alternativas à visão comportamentalista, de forma coerente com as idéias desenvolvidas segundo os demais referenciais selecionados. Esse suporte ela encontrou em noções do Sócio-Interacionismo, principalmente em Vygotsky (1984, 1987, 1988). Com as idéias de auto-construção do conhecimento pelo aluno, e da contribuição da interação social para essa construção, estava dada uma alternativa evidente para o tipo de ensino praticado no supletivo individualizado, um ensino pautado na idéia de que o aluno é modelado apenas pelo meio.
Quanto à metodologia de pesquisa utilizada, esta tem pontos em comum com a pesquisa de natureza etnográfica: a professora/pesquisadora manteve contato direto e prolongado com o grupo pesquisado e, em seu trabalho, transitou constantemente entre as observações empíricas e as noções teóricas em que se apoiou. Como principais instrumentos para coleta de informações utilizou: questionários com perguntas de natureza sócio-econômica e que abordavam preferências dos alunos; entrevistas informais com estudantes; registros escritos diários de ocorrências na escola, incluindo suas interações com os alunos; reflexões escritas por ela sobre essas ocorrências e entrevista semi-estruturada com um dos autores dos módulos de ensino. Foram também objeto de análise, todos os recursos didáticos utilizados pelos alunos, produzidos ou não pelas professoras de ciências, : módulos, textos complementares, instruções e anotações das aulas práticas de laboratório e as provas.
O procedimento para extração de resultados do material coletado consistiu na leitura e releituras sucessivas das informações obtidas, à luz dos suportes teóricos que iam possibilitando um olhar diferenciado das primeiras impressões, resultantes estas da simples observação empírica e de concepções pré-existentes.
Os resultados obtidos são basicamente descritivos, e, se não configuram toda a dinâmica pedagógica da escola, evidenciam, de forma abrangente, os problemas ali vivenciados na área de ciências no período estudado. Acreditamos no valor da divulgação deste estudo, tendo em vista a contribuição que pode dar para o entendimento da instituição escolar, através dos diferentes aspectos que podem ser ressaltados em situações específicas.
Nos itens seguintes são apresentados alguns recortes da pesquisa, procurando-se neles ressaltar as ações e possíveis mudanças nessas ações e nas concepções da professora/pesquisadora.

Limites nos módulos de ciências
Um dos resultados do envolvimento da professora/pesquisadora no processo de investigação foi a substituição de algumas opiniões, inicialmente apenas genéricas, por um detalhamento sobre conteúdos específicos. Ao invés de ficar apenas na crítica aos módulos usados em ciências, por serem comportamentalistas, a professora passou a identificar fatores de fragmentação em conteúdos específicos.
Num dos exemplos apresentados, ela se refere aos conteúdos organizados para que os alunos aprendam as funções dos sistemas que formam o corpo humano. Notou que com a leitura do módulo a maioria dos alunos não incorpora a idéia de que esses sistemas são interligados. Os alunos ficam com a idéia de que os sistemas têm funções distintas e que não se relacionam. Ou seja, eles não chegam a ter visões de conjunto, como a de que o aparelho respiratório serve para trocar o gás carbônico pelo oxigênio, que é levado pelo aparelho circulatório, através do sangue impulsionado pelo coração, até as células.
Para notar essas ocorrências a professora não se deteve apenas nos módulos; analisou verbalizações (escritas e faladas) dos alunos que os haviam estudado, pautada em reflexões sobre os referenciais teóricos. No exemplo apresentado, relativo à fragmentação encontrada no modo como os sistemas do corpo humano são apresentados nos módulos de ciências, sua análise se orientou em noções como a de Lefebvre quando afirma que:
"Nada é isolado. Isolar um fato, um fenômeno, e depois conservá-lo pelo entendimento nesse isolamento, é privá-lo de sentido, de explicação, de conteúdo. É imobilizá-lo artificialmente, matá-lo. É transformar a natureza - através do entendimento metafísico - num acúmulo de objetos exteriores uns aos outros, num caos de fenômenos" (p 238, 1979).
E ao analisar as verbalizações dos alunos, enquanto detectava problemas nos módulos, a pesquisadora também notou que na leitura feita por eles muitas questões podem surgir, algumas das quais revelam além de dúvidas propriamente ditas, uma efetiva reflexão sobre o texto lido. Veja-se, por exemplo, o seguinte conjunto de questões, entregue às professoras por uma aluna, após ter estudado o módulo sobre pressão atmosférica:
"1 - Foram construídos dois hemisférios de meio metro de diâmetro, adaptados um ao outro, eles formaram uma esfera oca, perfeitamente fechada, juntou os hemisférios e extraiu o ar da esfera. Como esse ar foi extraído?
2 - Se a pressão atmosférica foi demonstrada pela primeira vez em 1854 por Otto Von Guericke, como o barômetro aparelho para medir o mesmo foi construído em 1643, por Torricelli?
3 - Como interpretar expressões como 1cm/Hg?
4 - O que são sifão, pipetas, altímetros?"
A entrega das questões pela aluna às professoras, em si, já representa uma mudança num curso supletivo que na sua organização prevê uma interação professor/aluno praticamente optativa. E ao notarmos como a aluna se deteve numa aparente contradição como a expressa na questão dois, não podemos deixar de observar que as questões foram geradas na leitura dos módulos. Há neles, portanto, apesar de toda a sua precariedade, um potencial para gerarem uma interação social construtiva, dependendo do leitor, das condições de produção da leitura e principalmente do encaminhamento dado às questões geradas nessa leitura.

Conteúdos com enfoques sociais
Uma das mudanças produzidas no curso pela equipe de ciências foi a introdução no currículo, junto com os módulos, de textos com enfoques sociais. As professoras pretendiam ampliar a visão de mundo dos alunos.
Antes de iniciar a pesquisa, com uma noção ainda não sistematizada de currículo oculto, mas com a intuição do poder que ele pode ter no desenvolvimento das concepções dos alunos, a professora aqui focalizada contribuiu para essa inclusão de textos adicionais na programação do curso supletivo. Estava preocupada com as relações que os alunos poderiam fazer entre ciência e sociedade, e considerou que poderia orientar essas relações enfocando assuntos como, por exemplo, as relações existentes entre a pobreza e o índice de verminose, ou o uso da tecnologia nuclear para aumentar o arsenal bélico.
E, já como pesquisadora, detendo-se no que efetivamente ocorreu quando os alunos interagiram com os novos recursos pedagógicos, notou a importância de se levar em consideração que o aluno traz suas próprias concepções para a sala de aula. Questões como fome, violência, aborto, e outras, foram consideradas, por muitos alunos, como sendo problemas individuais - a culpa era de quem vivia o problema, não se relacionando ao tipo de sociedade em que vivem esses indivíduos. Na mesma perspectiva, os alunos atribuíam a si próprios a culpa por não terem estudado no devido tempo, por não terem podido estudar e trabalhar simultaneamente. Idéias, como a de que o brasileiro é vagabundo, idéias favoráveis à pena de morte, e outras, foram manifestadas pelos alunos sem muita reflexão. A pesquisadora notou também que numa pesquisa, como a que realizou, não é fácil associar tendências e encontrar causas. Ao tentar relacionar informações de natureza sócio-econômica com falas dos alunos em entrevistas, ela percebeu, por exemplo, que apesar dos alunos serem bastante heterogêneos quanto à situação financeira, não foi possível relacionar sua situação econômica com as suas opiniões.
E, a interferência das concepções trazidas pelos alunos, relativas a assuntos de outra natureza, na postura em relação aos conteúdos da Ciência, tornou-se evidente em alguns casos. A professora/pesquisadora notou, por exemplo, que existe um confronto entre algumas religiões das quais os alunos são adeptos e certos assuntos tratados na escola. Essa questão ficou bem marcante quando trabalhou a teoria da evolução. Enquanto alguns alunos pareciam se questionar - "Essa evolução mexeu com a minha cabeça" - "É professora desse jeito não dá mais para acreditar em Adão e Eva"-, outros foram até conversar com outras pessoas, como os pastores de suas igrejas, para poderem argumentar com as professoras.
As ações e concepções reveladas pela pesquisadora (professora) foram aproximando cada vez mais a professora (pesquisadora) dos limites da interação escolar e influenciando as concepções, que tinha inicialmente, sobre como deveria ser sua atuação docente. Com a investigação, evidenciou o equívoco que é o professor tentar fazer com que o aluno supere uma ideologia - por exemplo, quanto à concepção de Ciência - por outra mais adequada, sem levar em conta a profundidade das concepções anteriormente incorporadas pelo estudante. Se o professor coloca a teoria de forma autoritária, sem levar em conta o que pensam os alunos, estes podem dissimular escondendo o que realmente pensam. Percebeu, na prática, a importância da noção de continuidade e ruptura como é discutida por Snyders (1978). Num ensino pautado nessa noção deve ser considerada a realidade do aluno, para que seus conhecimentos se modifiquem de forma progressiva no sentido do conhecimento científico, para que ele passe a observar sob nova ótica o mundo que o cerca, em processos permanentes de continuidade e ruptura.

Equívocos da avaliação
Uma outra mudança pensada pelas professoras de ciências do supletivo individualizado, com o objetivo de ampliar a visão de mundo dos alunos, foi a transformação das provas teste em provas dissertativas. Nestas últimas, elas viram um ótimo meio para introduzirem questões de natureza social e polêmica, pois certamente os alunos viriam discuti-las após a prova. Registros de ocorrências durante a investigação iriam mostrar equívocos nessa idéia. Não estava sendo considerada a grande influência que o ato de avaliar tem sobre as manisfestações dos alunos.
A investigação mostrou que as mudanças introduzidas nas provas não haviam mudado essencialmente a maneira de avaliar os alunos. A pesquisadora se deu conta que apenas tinham sido utilizadas novas técnicas, sem que fossem considerados o poder e a carga ideológica, que a avaliação encerra, aspectos estes analisados por Freitas (1991), e cujas manifestações ela pode notar detendo-se na análise da maneira como os alunos do supletivo respondiam as questões introduzidas nas provas.
Se, como ocorre usualmente na escola, a professora apenas tivesse corrigido as provas com intuito de dar uma nota poderia ter a impressão, em várias ocasiões, que os alunos haviam aprendido o conteúdo, por responderem "certinho" às questões. Mas, a pesquisa mostrou outros aspectos, pois exigiu o acompanhamento do aluno mais de perto, revelando relações antes não percebidas, e mostrando que algumas perguntas podem dar mais informações sobre quem pergunta a quem vai responder, do que as respostas darão a quem está perguntando.
A pesquisadora obteve respostas diretas de alunos evidenciando o que acabamos de afirmar. Um exemplo foi numa pergunta sobre evolução. Como os alunos já haviam lido sobre o assunto no módulo correspondente, na prova a equipe de ciências formulou uma questão tentando relacionar a teoria da evolução com a possibilidade de vida em outro planeta - era pedida a opinião do aluno sobre essa possibilidade. Tendo perguntado, informalmente após a prova, a um estudante que havia respondido "não" na prova, se realmente ele achava isso, ele respondeu:
"Ah, professora! Eu acredito em ser de outro planeta, mas se eu respondesse o que eu achava realmente, vocês iam me achar louco, e aí eu não ganho nota".
Ficou assim evidente que o espaço aberto na prova para que o aluno pudesse se expressar era fictício, pois estava sob o olhar do professor, que é quem determina a nota, e esta sim continuava controlando o aluno.
E, tentando entender o que ocorria nas provas a professora/pesquisadora evidenciou também, que o poder da avaliação estava presente em muitos outros momentos da interação professor/aluno no dia a dia da escola estudada. Notou que comentários como "Você não sabe ? É fácil", ou "Como é que você acerta esta questão e essa não? Não foi falta de atenção?" podem contribuir para que o aluno se submeta cada vez mais à cultura de obediência e do consenso, o que certamente, não contribui para que ele desenvolva nem uma ampla visão de mundo, nem um aprendizado efetivo da ciência.
Observações desse tipo, contribuíram para que algumas vezes a pesquisadora assumisse um posicionamento pessimista em relação à escola. Mas, a dinâmica do próprio trabalho fez prevalecer uma visão que pode ser resumida na opinião de Giroux (1983), quando lembra que é preciso ver a escola não apenas através de seus mecanismos de dominação, mas também desvelar como tais mecanismos se processam na sociedade, e como os diferentes grupos sociais aceitam e também rejeitam as mediações complexas da cultura.

Possibilidade e limites do trabalho pedagógico
Ao mesmo tempo que procurava desvelar manifestações do currículo oculto e questionava a lógica de que para uma pergunta só existe uma resposta certa, a pesquisadora se deteve principalmente na análise das suposições "embutidas" nas questões dos alunos.
No desenvolvimento da investigação, notou como efetivamente, ao se abrir espaço para o estudante perguntar e colocar suas opiniões, ele expõe sua maneira de pensar, possibilitando ao professor conhecê-lo melhor, o que contribui para a efetiva interação em aula. E isto pode ocorrer em provas, em orientações individuais ou em aulas práticas, ou ainda, na abordagem de conteúdos, que usualmente não fazem parte dos currículos oficiais, como aqueles com enfoques sociais, já citados.
É importante que a reflexão sobre a fala do aluno permita que sejam identificadas algumas de suas concepções. Vejamos os seguintes exemplos na fala de um aluno:
"Se uma cobra não venenosa se alimenta de outra venenosa, como fica a situação em relação a outra devorada?" Suposição de que já que a cobra venenosa possui veneno, a outra poderia ser envenenada?
"Se a vacina é fabricada para proteção contra microrganismos por que contém microrganismos?" Concepção de que todo microrganismo faz mal à saúde? Idéia muito comum entre os alunos.
Mas uma fala do mesmo aluno exemplifica também limites para a interação escolar que é importante identificar no trabalho pedagógico: "Como que uma intelectual como a senhora pode se interessar por um trabalho de um ignorante como eu?"
Esta fala dá idéia das restrições, que o estudante pode ter se imposto em suas relações sociais e na própria convivência escolar, e essas restrições não são fáceis de superar.
Um trabalho como o da professora/pesquisadora é apenas uma alternativa com potencial para se chegar à superação de alguns limites que são criados em contextos mais abrangentes do que o próprio ambiente e condições da instituição escolar.

Teoria e evidência empírica
Em investigações como a aqui descrita o estudo do cotidiano escolar é "...fundamental para se compreender como a escola desempenha o seu papel socializador, seja na transmissão dos conteúdos acadêmicos, seja na veiculação das crenças e valores que aparecem nas ações, interações, nas rotinas e nas relações sociais que caracterizam o cotidiano da experiência escolar" (André, 1989, p.39).
E no trabalho aqui descrito o estudo do cotidiano não se pautou nem só na evidência empírica nem apenas nos subsídios do estudo teórico. Podemos dizer que houve, sem dúvida, a interligação dos dois aspectos, pois enquanto algumas noções incorporadas pela professora/pesquisadora iam orientando seus recortes do conjunto possível de análise, a própria empiria ia determinando o sentido do estudo teórico.
Assim, já com seus primeiros registros de ocorrências no supletivo, a professora/pesquisadora, preocupada em compreender como eram incorporados os conteúdos de ensino, e querendo saber se havia um período ótimo para a aprendizagem, e se o adulto já teria passado desse período, encontrou no estudo de L. S. Vygotsky subsídios que a ajudaram a refletir sobre ocorrências importantes do cotidiano escolar, mesmo tendo esse autor se dedicado basicamente ao estudo de crianças. Apresentamos a seguir algumas de suas reflexões.
Segundo Vygotsky (1988) os adultos " ...dispõem de grande capacidade de aprendizagem" (p. 115) e "Existe uma dependência recíproca, extremamente complexa e dinâmica, entre o processo de desenvolvimento e o da aprendizagem, dependência que não pode ser explicada por uma única fórmula especulativa apriorística" (p.116-117).
Mas, se é verdade que "O que a criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos poderá fazê-lo amanhã por si só" (p.113), isto também ocorre com o adulto, em fase de escolarização, quando este é auxiliado por outro adulto? No caso do adulto, seria válida a afirmação de Oliveira (1993, p.60), de que "o aprendizado desperta processos de desenvolvimento que, aos poucos, vão tornar-se parte das funções psicológicas consolidadas do indivíduo"?
Tentando responder estas questões a professora/pesquisadora levou em conta que um fato observado por Vygotsky foi que o homem vivencia muita coisa sem estar consciente. Com relação à língua, ele aprende a de seus pares e durante toda a sua vida o significado que atribui às palavras vai se modificando, sendo ampliado. E essa ampliação nos conceitos e a tomada de consciência sobre certos conhecimentos adquiridos puderam ser notadas por ela em suas observações. Várias vezes ouviu comentários como : "Ah! Eu vi isso na TV e não entendi, agora ficou claro para mim", ou "Mas que interessante, eu nunca parei para pensar nisso, apesar de conviver com isso". E, com base no registro de falas desse tipo aumentou sua convicção de que a escola estava contribuindo para a sistematização de conhecimentos dos adultos que assim se manifestavam.
Um outro exemplo da influência de noções teóricas orientando observações empíricas foi em relação às concepções espontâneas. Concepções estas consideradas no sentido daqueles conceitos que foram elaborados com base nas interações do aluno no seu meio, antes de vir para a escola. Segundo Vygotsky, os conceitos espontâneos e não espontâneos se influenciam e se relacionam, e quanto mais amplo um conceito ficar, mais nos afastamos do início de sua formação, sem que, no entanto, o conceito inicial deixe de existir. Em situações novas o indivíduo pode recorrer a esse conceito mais simples. E como exemplo de uma situação desse tipo a pesquisadora cita o aprendizado dos estudantes sobre a mudança de carapaça dos insetos. Foi-lhes dito que essa mudança ocorre para que o inseto possa crescer. Mas, diante de uma carapaça de cigarra, muitos alunos comentaram "Ah! Mas isso acontece porque a cigarra canta tanto que arrebenta". As informações escolares apenas fizeram, neste caso, com que manifestassem o que haviam aprendido ainda quando crianças. Estavam apenas evidenciando seu "senso comum".
E analisando globalmente conjuntos de interações entre as professoras e os alunos, notou que quanto mais as professoras se serviam do concreto melhor era a interação e mais os alunos pareciam ampliar os seus conceitos, servindo-se das mediações organizadas por elas. Num exemplo dessa constatação, a pesquisadora cita a necessidade dos alunos observarem um terrário (um vidro transparente completamente fechado com plantas, terra, água e ar) por algum tempo, para "acreditarem" que as plantas vão sobreviver. Quase todos, mesmo já tendo estudado fotossíntese afirmaram, de imediato, "a planta vai ficar sufocada".
Constatações como essa, já bastante divulgadas quando se trata de crianças, evidenciam que em alguns aspectos o ensino do adulto deve ser semelhante ao da criança. O que de forma alguma pode ser interpretado no sentido de se pensar o ensino para diferentes idades de forma igual. Os exemplos tratam apenas de alguns aspectos localizados.
Em mais um exemplo, recorrendo ainda a Vygotsky (1987), a professora/pesquisadora notou possíveis pensamentos por complexos nos adultos da escola estudada. Para o autor, no pensamento por complexos
"...os objetos isolados associam-se na mente da criança não apenas às impressões subjetivas da criança mas também devido às relações que de fato existem entre esses objetos. Trata-se de uma nova aquisição...” (pp.52-53).
Registrando, que o pensamento por complexos possui idéias coerentes e objetivas, mas diferentes se comparadas ao pensamento mais elaborado, - são idéias que não dependem de ligações abstratas e lógicas, e sim de ligações concretas, factuais - a pesquisadora cita o exemplo, obtido em entrevista com uma aluna. Esta, que tinha dificuldade em calcular a velocidade num exercício em que era preciso transformar horas em segundos, depois da professora ter feito o cálculo e dado algumas explicações , revelou que não sabia quantos segundos tinha uma hora. E, em seguida, questionada se achava que era um número grande ou pequeno, respondeu "Deve ser um número pequeno, pois o segundo passa tão rápido". Embora não tivesse chegado à relação inversa, evidenciou o estabelecimento de uma relação, ainda que inadequada.
Com exemplos desse tipo, parece natural que a pesquisadora tenha concluído pela importância de se notar que, como acontece com as crianças, os adultos continuam passando por processos de formação de conceitos, e ampliando sua visão de mundo, através de inúmeras generalizações. E, gostaríamos de ressaltar que conclusões/convicções dessa natureza são consequências possíveis da reflexão necessária no caminhar do professor, amplamente facilitadas quando ele se transforma num professor/pesquisador.

Para concluirmos...
Como resultados da investigação, a professora/pesquisadora encontrou no supletivo individualizado, praticado na escola estudada, algumas interações que tinham promovido situações de evidente aprendizagem. Registrou também limites, como a flexibilidade de horário, que torna possível o acesso do trabalhador ao curso, mas pode também contribuir para sua presença apenas ocasional na escola. E alguns equívocos foram ressaltados, como as tentativas de utilização das provas pelos professores para promoverem mudanças de caráter ideológico nas concepções dos alunos, sem levarem em conta todo o poder que uma prova subentende.
Neste artigo foram destacados alguns recortes da pesquisa. Considerando-a no todo, e focalizando-se a trajetória da pesquisadora/professora, o mais relevante nos parece ser a ênfase na importância de, no processo de interação escolar, se procurar reconstituir o pensamento do aluno, tentando compreender as diferentes dimensões que este pensamento pode abranger.
Consideramos que estudos deste tipo, de natureza qualitativa e descritivos, oferecem contribuições para a investigação científica, principalmente na medida em que evidenciam aspectos usualmente não considerados da prática pedagógica, neste caso, no ensino das ciências. Mas talvez o principal papel destes estudos, quando são pesquisadas as próprias ações, seja o de promoverem a efetiva reflexão do professor sobre o seu trabalho.

Bibliografia
André, M.E.D.A.(1989). A pesquisa no cotidiano escolar, in Fazenda, I.(org.) Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez Editora, 33-45.
Apple, M.W. (1982) Ideologia e Currículo. São Paulo, Ed. Brasiliense, 9-42 e 125-157.
_________ (1985).Educação e Poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 55-107.
Bourdieu, P. & Passeron, J.S.(1975). "Eliminação e seleção" in A reprodução: elementos para uma teoria de ensino. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 151-185.
Enguita, M.F. (1989). A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas.
Freitas, L.C. (1991) A dialética da eliminação no processo seletivo. Revista Educação & Sociedade, 39, Campinas: Papirus, pp.265-285.
Giroux, H. (1983). Teoria crítica e resistência em educação. Petrópolis: Ed. Vozes.
Lefebvre, H. (1979). Lógica Formal/Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira S.A.
Oliveira, M.K. (1993). Vygotsky - Aprendizado e desenvolvimento - Um processo histórico. São Paulo: Editora Scipione.
Snyders, G. (1978). Para onde vão as pedagogias não diretivas? Lisboa: Ed.Moraes, 309-365.
__________ (1988). A alegria na escola. São Paulo: Ed. Manole Ltda.
Souza, S.C. (1995). Supletivo individualizado: possibilidades, equívocos e limites no ensino de ciências. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas.
Vygotsky, L.S. (1984) A formação social da mente. São Paulo. Ed. Martins Fontes.
___________(1987). Pensamento e linguagem. São Paulo: Ed. Martins Fontes.
___________(1988). Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar, in Vygotsky, L.S. Luria, A.R. & Leontiev, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ed. Ícone - Ed. Usp, 114-117.
Maria José P.M.de Almeida & Suzani Cassiani de Souza

NOTÍCIAS

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“Mudanças no ensino básico e secundário foram financiadas com dinheiro poupado nos salários” do professores.
Visão nº 880 (Jan-2010)
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“O acordo assinado entre o Ministério da Educação e os sindicatos do sector promete abrir uma nova frente de guerra na Função Pública. As organizações sindicais da UGT e da CGTP vão aproveitar as cedências na educação para tentarem flexibilizar a avaliação e a progressão da generalidade dos funcionários públicos.”
Jornal de Negócios on-line (13-Jan-2010)
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Segundo a FENPROF as negociações com o ME resultaram no seguinte:
“a) Que os bons professores, identificados como tal em sede de avaliação de desempenho, chegam ao topo da carreira.
b) Que, finalmente e de facto, acabou a divisão da carreira em categorias: 2/3 dos professores terminavam a sua carreira a meio. Com este acordo chegam todos ao topo da carreira.
c) Que a nenhum professor que se encontra em exercício se aplica a prova de ingresso (incluindo os professores do ensino particular, IPSS's e do Ensino de Português no Estrangeiro).
d) Que os professores que se aposentem até 2015 serão reposicionados num novo índice salarial de topo (índice 370), mesmo que não se encontrem nesse índice no momento da aposentação.”
FENPROF on-line 08-Jan-2010
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(AO) Ligado ou desligado?

Uma crítica à adopção de um campo de medida reduzido na avaliação dos alunos juntamente com uma escala igualmente limitada


A tendência parece ser neste sentido: reduzir o campo de medida (valor máximo) e a escala classificativa (só números inteiros) na avaliação. Limitar os dois parâmetros não me parece nada bem. Tudo leva a crer que os professores terão menos trabalho. De facto, é mais difícil errar no que respeita ao balizamento do aluno numa tabela classificativa deste tipo (não se choquem, pois é disso mesmo que se trata).
Na escala de “1” a “5”, usando somente números inteiros, muito dificilmente se encontram “uns” e quase com a mesma dificuldade conseguimos encontrar “cincos”. Deste modo, podemos afirmar que a escala se resume a três níveis: “2”, “3” e “4”. Se tivermos em conta que o “2” poderá valer de 20 a 49% , o “3” de 50 a 69% e o “4” de 70 a 89% (nem sequer os níveis estão repartidos igualmente, ou seja, a correspondência não é linear não se podendo usar a regra de três simples – “a recta assemelha-se a umas curvas” – ver figura), facilmente se constata o constrangimento do professor em classificar convenientemente os alunos. O que fazer então? Bem… eu costumo dizer aos meus, como forma de consolação em alguns casos, que “é um 3 perto do 4”, ou que “é um 3 mais”. Mas fica sempre a sensação que o sentimento não é de conforto mas de alguma revolta (é que eles fazem as suas legitimas comparações com os colegas). Este sistema premeia, assim, os maus uma vez que o aluno de “2” passa facilmente a “3” ficando no “mesmo saco” do tal que está perto do “4” (é conveniente para as estatísticas e para a nossa avaliação docente). É que nem o meio da escala existe. Existem somente dois níveis para as (chamadas) negativas e três níveis para as positivas. Mais: tendo em conta que os critérios de avaliação se repartem pela componente sócio-afectiva (em alguns casos chega a atingir 30%) e pela componente cognitiva, facilmente um aluno obtém a classificação “3” mesmo não “pescando” nada da matéria (basta ser “arrumadinho”). Sou mesmo de opinião que deveriam ser atribuídas duas classificações separando claramente essas duas componentes. Por vários motivos, entre os quais os seguintes:
- nos exames não se avalia a componente sócio-afectiva dando azo a disparidades absurdas entre as classificações de frequência e exames;
- existem profissões em que uma das componentes é mais preponderante do que a outra e, com o sistema actual, fica-se sem saber a quanto corresponde cada uma, dificultando a escolha para a respectiva profissão;
- actualmente, numa única classificação final englobando as duas componentes, ficamos sem saber se o aluno adquiriu os conhecimentos científicos do currículo ou se é simplesmente bem educadinho.
O mais engraçado nesta história, e retomando o raciocínio inicial, é a sensação de que os professores têm menos trabalho. Claro que têm exactamente o mesmo já que as grelhas são preenchidas num campo de medida muito diferente (100%) e a escala alarga-se às décimas com percentagens nas mais diversas componentes avaliativas. Na verdade não precisaríamos. Fiz, no período passado, uma experiência colocando numa folha à parte as classificações que atribuiria aos alunos sem fazer qualquer cálculo, nem ver qualquer dos meus apontamentos, como se lesse as classificações nas suas testas. Depois da minha “poderosa folha do Excel entrar em acção” e colocar lá todas as classificações parciais referentes às avaliações em todas as suas componentes e variantes (teoria 30%, prática 70%, dentro de cada uma destas variantes dividi, de acordo com as regras, 30% para a parte sócio-afectiva que por sua vez também esta parte se divide em oito itens, o mesmo para a componente cognitiva, que vale 70%, dividida igualmente em vários itens,… bem, nunca mais acabava a explicação – a folha de cálculo é extensíssima), constatei, no final do Período, que tinha acertado nas classificações todas que iria atribuir a cada aluno. Pois, com uma escala e um campo de medida assim, tão limitados, não precisava de tantas grelhas nem de tantos apontamentos.
O que me parece que ainda iremos fazer (nós professores) é atribuir o estado “desligado” a quem não tem aproveitamento e o estado “ligado” no caso contrário, ou seja, por este andar, a escala ainda há-de ser “0” ou “1”.

Luís F. F. Ricardo (2010)