Uma reflexão sobre o mal-estar dos professores - algumas causas
“A chave do mal-estar docente está na desvalorização do trabalho do professor, evidente no nosso contexto social, e nas deficientes condições de trabalho do professor na sala de aulas, que o obrigam a uma actuação medíocre, pela qual acaba sempre por ser considerado culpado” (Esteve, in Nóvoa, 1991, p. 120). Para desenvolver o resto do texto é necessário partirmos do facto que a maioria dos professores de agora têm as suas formações académicas obtidas há mais de 20 anos não tendo sido direccionadas para o ensino nem lhes tendo sido proporcionadas as necessárias compensações. Uma percentagem de 15,4% escolheu a profissão, somente por falta de alternativa, podendo significar que também não existia qualquer vocação (referido no relatório de Cruz et al. em 1989, Jesus, 1996). Jesus (idem, p. 51) diz que se o professor “não gosta de ensinar, o aluno percepciona esta sua atitude e, logo, pode diminuir o seu próprio envolvimento”.
Acrescentam-se as actuais reformas, radicais, no que respeita ao tempo de permanência na escola, sem o necessário acompanhamento dos recursos materiais. Mas já em 1989 num estudo de Prick (cit Jesus, idem), concluía-se que os professores portugueses são os mais insatisfeitos profissionalmente relativamente aos outros países da Europa. Na mesma obra, Saúl Jesus diferencia os tempos dizendo que actualmente quem escolhe a profissão é por gostar de ensinar e pela oportunidade de usar as suas qualidades pessoais, enfatizando os factores intrínsecos como responsáveis pela escolha. Extrai-se de Nóvoa (1992) que existe uma crise de identidade nos professores, que se arrasta ao longo dos anos, no seguimento da imposição que se tem verificado para separar a vida pessoal da vida profissional, acrescentando que “não é possível separar o eu pessoal do eu profissional” (idem, p. 7). Baseando-se em vários estudos (nomeadamente de Woods, Ball e Goodson em 1991), o mesmo autor prossegue afirmando que os professores ao longo dos anos foram acusados de reproduzir desigualdades sociais, foram ignorados e recentemente são controlados. Esta desconfiança em relação à competência dos professores é alimentada por todos, onde se incluem os próprios. Os mais velhos criticam os mais novos e vice-versa. Estas visões recíprocas só nos desprestigiam, sendo reconhecido que o prestígio, em qualquer profissão, é necessário à motivação e à satisfação pessoal. A profissão docente parece continuar assim com a crise que sempre a caracterizou. Mas os tempos parecem ser outros no que respeita ao prestígio do professor. Mário Nogueira, actual Secretário Geral do SPRC, numa acção realizada na Esc. Sec. Engº Acácio Calazans Duarte (26-04-2006) intitulada “A (In)decência na Docência”, relatou episódios no mínimo estranhos: algumas autarquias contratam professores com base no menor preço que estes proponham, surgindo números na ordem dos 5,00 €/hora. Fica, deste modo, admitido o professor considerado “mais barato”. Mas há mais: as cartas enviadas pela Escola ao professor são endereçadas ao Senhor Manuel (por exemplo) e não ao Professor Manuel (eu tenho recebido cartas assim, a última foi no dia 1-12-2007); o aluno percepciona também o professor como um elemento do sistema que não possui grandes habilitações ao tratá-lo por “stôr” mas sem saber donde resulta o diminutivo (quando um dia lhes expliquei, disseram-me de imediato que nunca mais tratam os professores assim pois “eles não são nenhuns doutores”); e como ficam abismados quando lhes digo que os seus professores têm cursos de engenharia, por exemplo, que podiam ser engenheiros numa qualquer firma; não resisto ainda a relembrar a publicidade de uma operadora de serviços Internet quando do programa e-escola, retratando de forma clara o desprestígio que actualmente tem o professor, ao perguntar no seu slogan: “Tens o 10º ano? És professor?” (depois, propõem o pior serviço que possuem dando ideia que chega bem tendo em conta os destinatários). Podemos ainda falar das nossas políticas educativas que parecem nunca ser da satisfação dos professores sendo depois, ainda, exacerbadas pelos treze (treze!?) sindicatos existentes da classe.
A acrescentar a estes factos retirei, de Hoyle (1987, cit. Sacristán, in Nóvoa, 1991) e Jesus (1996), vários factores justificativos da falta de prestígio da profissão docente relativamente a outras:
a) Os professores provém da classe média e baixa.
b) São um grande número, dificultando a ascensão salarial. Sabe-se que em todo o mundo existem ±50 milhões e que em 1960/61 em Portugal eram menos de 40.000, tendo quintuplicado em 15 anos.
c) O baixo salário atribuído devido provavelmente ao espírito de missão que caracterizou esta actividade.
d) À desigualdade constatada, alertada pela “Teoria da Equidade” proposta por Adams em 1965 (Jesus, 1996), entre os salários dos mais novos (com mais horas de trabalho lectivo) e dos mais velhos (com menos horas).
e) As mulheres são o maior número; atribuía-se um carácter pejorativo a actividades destinadas só a mulheres, sabendo-se que mesmo agora, por mais estranho que possa parecer, ainda são socialmente descriminadas. Curiosamente, numa das abordagens etnográficas na minha dissertação de mestrado (Ricardo, 2006), dizia-me uma colega, a propósito de diferenças entre escolas, que “metia nervos, na última escola onde estive, as funcionárias tratarem os professores por doutores e as professoras por donas”. É um facto, pois na minha Escola também já notei essa discriminação por parte de alguns funcionários. Braga da Cruz (1989, cit. Brandão, 1999, p. 79) dizia: “(...) o menor prestígio social atribuído a profissões exercidas por mulheres, não só em termos remuneratórios mas também sociais mais vastos, tem afectado o prestígio dos professores em geral”. A este propósito pode-se ler a biografia de Cecília Supico Pinto (Espírito Santo, 2008) onde se destacam frases do tipo: “(…) ela ganhou visibilidade a trabalhar para e entre os homens – um “excesso” socialmente reprovável (…)” (idem, p. 17). Curioso, foi também o que aconteceu numa reunião de CT (2005/2006), quando algumas colegas me pediram, para falar com um aluno indisciplinado, pois a “voz” do homem podia de alguma forma fazê-lo mudar de atitude. Outra história, que vai ao encontro das diferentes percepções que os alunos têm dos professores, surgiu com um determinado aluno que só era incorrecto com as professoras tendo uma atitude de quase submissão com os professores, denotando, provavelmente, outras razões de cariz cultural. Não será também por acaso que os cursos CEF estão a ser entregues, preferencialmente, a professores do sexo masculino.
f) A juvenilização da classe, sobressaindo o facto de que um recém-formado ao entrar para o sistema, ficava no mesmo pé de igualdade que qualquer outro, podendo exercer as mesmas funções. Só agora (2007) é que foi criada a figura dos “professores titulares” escolhidos a partir de uns critérios muito discutíveis.
g) A qualificação académica exigida era insuficiente, só há bem pouco tempo se impõe a licenciatura (muito em breve será o mestrado); no relatório de Braga da Cruz (1989, cit. Brandão, 1999) concluía-se que em 1986 ainda existiam cerca de 20% de professores sem qualquer curso superior.
h) O estrato social dos alunos na escolas públicas é cada vez mais baixo face ao conhecido aumento da separação entre ricos e pobres, sendo os mais pobres que as massificam.
i) A relação com os alunos tem um carácter obrigatório, pois não podem ser seleccionados.
j) Desvalorização do saber escolar, uma vez que as novas tecnologias provocam alguma caducidade de alguns conhecimentos, sobretudo na área tecnológica, e da forma como são adquiridos, ou seja, a escola já não tem o monopólio do saber. Mas esta crescente e saudável “concorrência”, incluindo as inúmeras revistas de divulgação científica, não poderá “(...) substituir-se aos sistemas de ensino na formação de públicos alargados da ciência” (Costa, Ávila e Mateus, 2002, p. 55).
k) A culpa que lhe é imputada pelo insucesso escolar.
l) À ideia generalizada existente relativamente à escolha da profissão, ou seja, só é professor quem não encontrou um emprego melhor. Agora, apesar da escolha se fazer na entrada para o ensino superior, as crenças continuam as mesmas.
Referências bibliográficas
· BRANDÃO, Margarida – Modos de Ser Professor. Lisboa: Educa, 1999
· COSTA, António F.; ÁVILA, Patrícia; MATEUS, Sandra – Públicos da Ciência em Portugal. Lisboa: Gradiva, 2002
· ESPÍRITO SANTO, Sílvia - Cecília Supico Pinto – O rosto do movimento nacional feminino. Póvoa de Santo Adrião: A Esfera dos Livros, 2008, p. 1-36
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· NÓVOA, António (org.) – As Organizações Escolares em Análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· NÓVOA, António (org.) – Vida de Professores. Porto: Porto Editora, 1992
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006
Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)
Acrescentam-se as actuais reformas, radicais, no que respeita ao tempo de permanência na escola, sem o necessário acompanhamento dos recursos materiais. Mas já em 1989 num estudo de Prick (cit Jesus, idem), concluía-se que os professores portugueses são os mais insatisfeitos profissionalmente relativamente aos outros países da Europa. Na mesma obra, Saúl Jesus diferencia os tempos dizendo que actualmente quem escolhe a profissão é por gostar de ensinar e pela oportunidade de usar as suas qualidades pessoais, enfatizando os factores intrínsecos como responsáveis pela escolha. Extrai-se de Nóvoa (1992) que existe uma crise de identidade nos professores, que se arrasta ao longo dos anos, no seguimento da imposição que se tem verificado para separar a vida pessoal da vida profissional, acrescentando que “não é possível separar o eu pessoal do eu profissional” (idem, p. 7). Baseando-se em vários estudos (nomeadamente de Woods, Ball e Goodson em 1991), o mesmo autor prossegue afirmando que os professores ao longo dos anos foram acusados de reproduzir desigualdades sociais, foram ignorados e recentemente são controlados. Esta desconfiança em relação à competência dos professores é alimentada por todos, onde se incluem os próprios. Os mais velhos criticam os mais novos e vice-versa. Estas visões recíprocas só nos desprestigiam, sendo reconhecido que o prestígio, em qualquer profissão, é necessário à motivação e à satisfação pessoal. A profissão docente parece continuar assim com a crise que sempre a caracterizou. Mas os tempos parecem ser outros no que respeita ao prestígio do professor. Mário Nogueira, actual Secretário Geral do SPRC, numa acção realizada na Esc. Sec. Engº Acácio Calazans Duarte (26-04-2006) intitulada “A (In)decência na Docência”, relatou episódios no mínimo estranhos: algumas autarquias contratam professores com base no menor preço que estes proponham, surgindo números na ordem dos 5,00 €/hora. Fica, deste modo, admitido o professor considerado “mais barato”. Mas há mais: as cartas enviadas pela Escola ao professor são endereçadas ao Senhor Manuel (por exemplo) e não ao Professor Manuel (eu tenho recebido cartas assim, a última foi no dia 1-12-2007); o aluno percepciona também o professor como um elemento do sistema que não possui grandes habilitações ao tratá-lo por “stôr” mas sem saber donde resulta o diminutivo (quando um dia lhes expliquei, disseram-me de imediato que nunca mais tratam os professores assim pois “eles não são nenhuns doutores”); e como ficam abismados quando lhes digo que os seus professores têm cursos de engenharia, por exemplo, que podiam ser engenheiros numa qualquer firma; não resisto ainda a relembrar a publicidade de uma operadora de serviços Internet quando do programa e-escola, retratando de forma clara o desprestígio que actualmente tem o professor, ao perguntar no seu slogan: “Tens o 10º ano? És professor?” (depois, propõem o pior serviço que possuem dando ideia que chega bem tendo em conta os destinatários). Podemos ainda falar das nossas políticas educativas que parecem nunca ser da satisfação dos professores sendo depois, ainda, exacerbadas pelos treze (treze!?) sindicatos existentes da classe.
A acrescentar a estes factos retirei, de Hoyle (1987, cit. Sacristán, in Nóvoa, 1991) e Jesus (1996), vários factores justificativos da falta de prestígio da profissão docente relativamente a outras:
a) Os professores provém da classe média e baixa.
b) São um grande número, dificultando a ascensão salarial. Sabe-se que em todo o mundo existem ±50 milhões e que em 1960/61 em Portugal eram menos de 40.000, tendo quintuplicado em 15 anos.
c) O baixo salário atribuído devido provavelmente ao espírito de missão que caracterizou esta actividade.
d) À desigualdade constatada, alertada pela “Teoria da Equidade” proposta por Adams em 1965 (Jesus, 1996), entre os salários dos mais novos (com mais horas de trabalho lectivo) e dos mais velhos (com menos horas).
e) As mulheres são o maior número; atribuía-se um carácter pejorativo a actividades destinadas só a mulheres, sabendo-se que mesmo agora, por mais estranho que possa parecer, ainda são socialmente descriminadas. Curiosamente, numa das abordagens etnográficas na minha dissertação de mestrado (Ricardo, 2006), dizia-me uma colega, a propósito de diferenças entre escolas, que “metia nervos, na última escola onde estive, as funcionárias tratarem os professores por doutores e as professoras por donas”. É um facto, pois na minha Escola também já notei essa discriminação por parte de alguns funcionários. Braga da Cruz (1989, cit. Brandão, 1999, p. 79) dizia: “(...) o menor prestígio social atribuído a profissões exercidas por mulheres, não só em termos remuneratórios mas também sociais mais vastos, tem afectado o prestígio dos professores em geral”. A este propósito pode-se ler a biografia de Cecília Supico Pinto (Espírito Santo, 2008) onde se destacam frases do tipo: “(…) ela ganhou visibilidade a trabalhar para e entre os homens – um “excesso” socialmente reprovável (…)” (idem, p. 17). Curioso, foi também o que aconteceu numa reunião de CT (2005/2006), quando algumas colegas me pediram, para falar com um aluno indisciplinado, pois a “voz” do homem podia de alguma forma fazê-lo mudar de atitude. Outra história, que vai ao encontro das diferentes percepções que os alunos têm dos professores, surgiu com um determinado aluno que só era incorrecto com as professoras tendo uma atitude de quase submissão com os professores, denotando, provavelmente, outras razões de cariz cultural. Não será também por acaso que os cursos CEF estão a ser entregues, preferencialmente, a professores do sexo masculino.
f) A juvenilização da classe, sobressaindo o facto de que um recém-formado ao entrar para o sistema, ficava no mesmo pé de igualdade que qualquer outro, podendo exercer as mesmas funções. Só agora (2007) é que foi criada a figura dos “professores titulares” escolhidos a partir de uns critérios muito discutíveis.
g) A qualificação académica exigida era insuficiente, só há bem pouco tempo se impõe a licenciatura (muito em breve será o mestrado); no relatório de Braga da Cruz (1989, cit. Brandão, 1999) concluía-se que em 1986 ainda existiam cerca de 20% de professores sem qualquer curso superior.
h) O estrato social dos alunos na escolas públicas é cada vez mais baixo face ao conhecido aumento da separação entre ricos e pobres, sendo os mais pobres que as massificam.
i) A relação com os alunos tem um carácter obrigatório, pois não podem ser seleccionados.
j) Desvalorização do saber escolar, uma vez que as novas tecnologias provocam alguma caducidade de alguns conhecimentos, sobretudo na área tecnológica, e da forma como são adquiridos, ou seja, a escola já não tem o monopólio do saber. Mas esta crescente e saudável “concorrência”, incluindo as inúmeras revistas de divulgação científica, não poderá “(...) substituir-se aos sistemas de ensino na formação de públicos alargados da ciência” (Costa, Ávila e Mateus, 2002, p. 55).
k) A culpa que lhe é imputada pelo insucesso escolar.
l) À ideia generalizada existente relativamente à escolha da profissão, ou seja, só é professor quem não encontrou um emprego melhor. Agora, apesar da escolha se fazer na entrada para o ensino superior, as crenças continuam as mesmas.
Referências bibliográficas
· BRANDÃO, Margarida – Modos de Ser Professor. Lisboa: Educa, 1999
· COSTA, António F.; ÁVILA, Patrícia; MATEUS, Sandra – Públicos da Ciência em Portugal. Lisboa: Gradiva, 2002
· ESPÍRITO SANTO, Sílvia - Cecília Supico Pinto – O rosto do movimento nacional feminino. Póvoa de Santo Adrião: A Esfera dos Livros, 2008, p. 1-36
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· NÓVOA, António (org.) – As Organizações Escolares em Análise. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· NÓVOA, António (org.) – Vida de Professores. Porto: Porto Editora, 1992
· RICARDO, Luís - A Participação Obrigatória na Escola – Perspectiva do Professor Não-efectivo. Porto: Universidade Portucalense (diss. mestrado policopiada), 2006
Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)