(AC) Processo Educativo e Contextos Culturais

Resumo
Neste texto discute-se basicamente, numa primeira parte, algumas definições de educação e do acto de educar para terminar, numa segunda parte, com a análise do processo educativo em contextos culturais heterogéneos. Reflecte-se, também, sobre se o ensinar a aprender é uma ciência ou, antes, uma arte.


Palavras-chave: Educação, processo educativo, cultura, ensino, aprendizagem, memória cultural.


1. Educação: Ensino e Aprendizagem

De maneira geral, os dicionários não distinguem claramente os conceitos de educação, ensino e aprendizagem. Para o dicionário de Língua Portuguesa [1], por exemplo, educar, ensinar e aprender têm um denominador comum - a ideia de instruir. Assim, em educar temos: ministrar a educação, instruir; em ensinar temos: educar, ministrar conhecimentos, instruir sobre; e em aprender temos: adquirir conhecimento, instruir-se. Há efectivamente algumas diferenças, pelo menos na ênfase colocada diferentemente no sujeito e no objecto mas os conceitos não ficam precisos. Também o ensino pode ser processado segundo várias metodologias: orientação indirecta, no caso de se recomendar ao aluno que leia determinado artigo, ou quando se diz: "leia tudo o que encontrar sobre multiculturalidade"; orientação estruturada e dirigida quando o professor acompanha passo a passo as actividades dos alunos sem lhes dar espaço de manobra (cf. Kuethe, 1978). Mas, [...] toda a criança quer aprender. Até porque ganha com isso a aprovação dos adultos que a rodeiam. Mas, mais importante que isso, porque ao aprender entende o que se passa em torno de si. O processo educativo é, em consequência, mais amplo do que é o ensino em instituições especializadas (Iturra, 1994: 40).
Contudo, embora a aprendizagem esteja presente em todas as culturas, já a relação ensino-aprendizagem, tal qual é vista na sociedade moderna, em que há uma divisão especializada entre quem ensina e quem aprende, não é efectivamente universal (Vieira, 1998). A própria escola, enquanto instituição laica e recomendada para todos, é coisa nova. Claro que desde a idade média que em Portugal e de resto, na Europa, se podia buscar a aprendizagem das letras e do pensamento reflexivo nos conventos e ordens religiosas. E aí, essa relação entre o adulto que orienta e ensina, e o petiz que ouve, segue o mestre e com ele aprende, vendo e fazendo, é já mais antiga. Contudo, os saberes mais valiosos não passavam sempre pela escrita. A aprendizagem fazia-se nos contextos da vida, onde o aprendiz vivia, convivia e aprendia com o mestre, sem que este se preocupasse em sistematicamente passar o conhecimento pelas palavras e pela abstracção (cf. Rousseau, 1990 [1772]). Vivia-se enquanto se aprendia e aprendia-se enquanto se vivia (Freire et alii, 1983).
"É claro que todo o grupo social, como condição da sua continuidade, precisa de transmitir à geração seguinte a experiência acumulada no tempo" (Iturra, 1994: 29). Mas essa reprodução sócio-cultural, parece ser mais baseada na aprendizagem do que no ensino, para usar ainda essa dicotomia que se quer dialéctica, tão bem pensada e explicitada por Raul Iturra (1994). Como o autor refere a propósito da transmissão cultural e do processo educativo entre os primitivos, " a ausência da escrita na vida quotidiana coloca um forte peso no desenvolvimento de estruturas mentais porque não têm depois um texto onde ir lembrar o que fazer quando a memória se esgota ou a conjuntura muda e fornece outros contextos" (Idem: 33). Este exemplo serve para lembrar como há efectivamente diferentes estilos cognitivos.
Regressando um pouco atrás, dizia, se a aprendizagem está de facto presente em todas as sociedades, os estilos de aprendizagem diferem efectivamente. No grupo doméstico, como dizem os antropólogos, ou na família em geral, como preferem os cientistas da educação, o ensino e a aprendizagem ocorrem dentro do contexto. Nas escolas portuguesas, o modo predominantemente usado está fora do contexto. Quando por exemplo a matemática se dedica ao estudo de algoritmos, acontece uma aprendizagem descontextualizada (no caso em que há efectivamente aprendizagem, porque pode também não chegar a haver) com a resolução de cada exercício isolado dos problemas reais.

2. O que é educar?
Paulo Freire (1920-1998) referia-se em Pedagogia da Autonomia à questão da “inconclusão humana”, da sua inserção num permanente movimento de procura que definiu como “curiosidade epistemológica”. E, de facto, analisar e entender os modos como os grupos e indivíduos aprendem e ensinam é a problemática central desta cadeira.
Michel de Montaigne (1533-1592) comparava o que acontecia na agricultura com o processo educativo; semear é fácil, mas a variedade de modos de tratar o que já brotou é a grande dificuldade. Do mesmo modo, com os homens, a tarefa árdua e trabalhosa é a de os educar e instruir. Este autor defendia, porém, que é muito difícil mudar as propensões ou tendências naturais; e critica ainda a postura do professor-perceptor que não entende o aluno, sugerindo a tese de um professor que abra passagens e que deixe o aluno também abri-las.
Kant afirmava que “ a finalidade da educação consiste em desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que ele é susceptível. “ (cf. Durkeim, 1984: 8)
Stuart Mill reclamava que a educação teria como objectivo “transformar o indivíduo num instrumento de felicidade” e afirmava que em sentido alto a educação “compreende inclusivamente os efeitos indirectos produzidos no carácter e nas faculdades humanas por coisas cujo fim é completamente diferente: pelas leis, formas de governo, profissões e até mesmo factos físicos (…) como sejam o clima, o solo e a situação local” (cf. Durkeim, 1984:7).
Durkeim sugere, porém, que segundo as nossas aptidões temos diferentes funções a cumprir e que “existem homens de sensibilidade e homens de acção”, mas a crítica aos postulados que afirmavam existir uma educação ideal, perfeita, universal e única é um dos combates deste autor. “A educação sofreu variações infinitas, consoante os tempos e os países. (…) Cada sociedade possui um sistema educativo que se impõe aos indivíduos com uma força irresistível” ( Cf. Durkeim, 1984: 10 – 11). Esta concepção sociológica da educação assume-a como facto social, moral e colectivo.
Montaigne nos seus Ensaios sobre educação colocava a questão da importância do saber melhor (civilizacional, comportamental, são) em alternativa ao saber mais (livresco, erudito): “trabalhamos para encher a memória e deixamos vazios o entendimento e a consciência” (Montaigne, 1993:13). Em boa medida, Montaigne elucida a dicotomia de Iturra (ensino/aprendizagem): “ Quem é que jamais perguntou ao seu discípulo que opinião tem da Retórica e da Gramática, de tal ou tal sentença de Cícero? Metem-nas na memória, em bruto, como oráculos em que as letras e as sílabas são da substância do assunto. Saber de cor não é saber: é conservar o que se deu a guardar à memória.” (idem: 46). [Trata-se da crítica ao saber livresco e culto em oposição à apologética do ensino pragmático através do exercício da inteligência e do entendimento pessoal]. É extraordinária a sua reflexão anticipatória sobre a relatividade do pensamento humano e a vantagem do contacto cultural (em termos educativos): “...o comércio dos homens é de maravilhosa utilidade, assim como a visita aos países estrangeiros (...) para trazer o que o espírito e os costumes dessas nações e para limar e polir o nosso cérebro no contacto com o dos outros.” (idem: 47-48).
O processo educativo: envolve duas componentes – a aprendizagem e o ensino (cf. definições de Raul Iturra, 1994).

“Talvez seja necessário lembrar dois pontos que tenho encontrado no trabalho de campo, a este respeito: 1- Que o elemento básico da incorporação de um indivíduo no grupo é a teoria da rede de relações na qual se encontra inserido e que dá os direitos e deveres entre as pessoas. 2 – Que a teoria de como se pode vencer a matéria da qual se depende para subsistir, define o uso do corpo e transmite à jovem camada os usos dos artefactos que existem junto de si. Quando chega à escola, o entendimento do mundo já está feito e preenchido. A criança sabe claramente a função social das pessoas e dos objectos. Assim, quem passa a uma segunda etapa de incorporação, tem já a sua memória cultural estabelecida onde o saber se desenvolve por categorias particulares”. (Iturra, 1990: 52).

Durkheim reclama a necessidade de estudar comparativamente os sistemas educativos e confrontá-los para isolar aspectos comuns: transmissão geracional (adultos/jovens); o sistema educativo simultaneamente múltiplo (conforme os diferentes meios ou grupos sociais, profissões) e uno (existem sentimentos morais comuns: cultura religiosa, espírito nacional, ideal do homem).
Os processos educativos são complexos para os investigadores e exigem o contributo de várias ciências. Sabe-se que os processos educativos são universais, mas variam de cultura para cultura, profissão para profissão, de grupo para grupo, etc., tanto nos conteúdos como nos contextos formais.

Aprender e educar são processos que envolvem a transmissão, a fixação e a produção de saberes, memórias, sentidos e significados, práticas e performances.
Paulo Freire, na sua Pedagogia da Autonomia afirma que: “[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas.” (Freire, 1997: 15) e depois mais adiante: “...ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”

3. Relação entre Ensino e Aprendizagem

“Saiu o semeador para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu comerem-na. Outra caiu sobre a rocha e, depois de ter germinado, secou por falta de humidade. Outra caiu no meio dos espinhos, e os espinhos, crescendo com ela, sufocaram-na. Uma outra caiu em boa terra e, uma vez nascida, deu fruto centuplicado”. (São Lucas 8, 5-8).

É relativamente fácil pensar que pode haver ensino sem aprendizagem e aprendizagem sem ensino direccionado por objectivos. O professor é de facto uma pessoa e já o era antes da certificação profissional. A sua prática docente é mista de racionalidade e afecto, de bricolage e planificação. É a prática dum modo de ser tantas vezes desempenhado como um inconsciente prático (cf. Bourdieu, 1997). De facto, nem sempre estamos a racionalizar o que estamos a fazer na prática lectiva (cf. Nóvoa, 1992).
Também os pintores não se limitam a copiar o que observam mas, “seleccionam cuidadosamente, sendo dotados de significado os elementos que seleccionam, e com tanto mais impacto por serem, por vezes, irracionais [...]. Eles próprios têm dificuldade em explicar por que traduzem as suas experiências para formas e cores, e não para palavras.” (Highet, cit. in Woods, 1999: 35).
Este posicionamento parece estar nos antípodas da certeza científica. Há ensino sem aprendizagem, há aprendizagem sem ensino direccionado para tal, há técnicas falhadas de ensinar a ser um profissional e há formas de ser e de agir, ainda não sistematicamente racionalizadas, que levam à aprendizagem. É como se parte do ensino consistisse em “não saber” (cf. Woods (ibidem). Em contraste com a ênfase na racionalidade, o ensino parece ter um lado artístico, uma dimensão irracional, emocional, uma inteligência do coração (cf. Filliozat, 1997).

Ensinar, será uma arte ou uma ciência?
Ensinar, se não é uma arte, então o que é?
Poderíamos contrapor que será antes uma ciência. Ou um conjunto de ciências, como é vulgar perceber-se nas referências feitas às ciências da educação. Arte, ciência, uma ou outra, ou, antes, as duas juntas, e com outras ainda, afinal o que é ensinar?
Por que será que, em determinadas matérias, há alunos que conseguem ensinar outros alunos, seus colegas, melhor que os seus próprios professores? Por que será que há alunos que aprendem bem com alguns professores e não tanto com outros? Por que será que professores da mesma idade, do mesmo género, eventualmente formados na mesma escola, com as mesmas habilitações profissionais, etc. ensinam de forma diferente sendo que uns levam a que quase todos aprendam (os alunos, claro) e outros apenas levam a aprender uma parte reduzida da população escolar que, eventualmente, já sabia até antes do encontro pedagógico? Como se aprende a ser artista? Como se aprende a ser educador?
Muitas perguntas para responder em tão curto espaço!
Com a modernidade rompe-se com o pensamento mágico-religioso, com a intuição, com o improviso, e envereda-se por uma epistemologia “cientificamente comprovada”. O método experimental é sacralizado e elevado à condição máxima da cientificidade. A instrução, o treino, o ensino e a educação relevam então também duma forte racionalidade instrumental regida pelos critérios da objectividade, da quantificação, da regularidade, da reprodutividade e da generalização. O professor e o educador abstraem-se não só da sua subjectividade como, também, das suas emoções e afectos no acto de ensinar. É o tal normativo da neutralidade que se impõe também ao profissional da educação que, salvo raras excepções, poucas vezes viveu a profissão como quem vive e pratica uma arte: de forma sensitiva, criativa, imprevisível, flexível, contextual e emotiva.
Por outro lado, com a pós-modernidade (ou modernidade reconstruída para evitar a posição anti-moderna, como preferem Alain Touraine (1994), Giddens (1994) entre outros) introduz-se uma ruptura na racionalidade instrumental, que coloca o Homem sob o domínio da ciência e da técnica, o que leva ao reconhecimento do carácter mutável, instável e até não previsível de todo o conhecimento.
Na pedagogia emerge o trabalho de projecto contra a certeza do ensino por objectivos. Na educação renasce o sujeito, autónomo, autoreflexivo, criativo, estratega, dotado de consciência, iniciativa e criatividade. O educador já não é um mero actor ou agente do ensino; torna-se ele próprio projecto e autor de projectos: projectos de vida e projectos educativos que se vão construindo, reconstruindo, com saber, arte e engenho, ao longo dos caminhos cujas trajectórias se vão criando também no acto e não mais na certeza antecipada pelo racionalismo científico (cf. Boutinet, 1992).
Daí, talvez, todo o empenho colocado hoje na formação de professores pela via da reflexividade, pela via da autoanálise, pela via da formação em contexto, pela via da autoformação e pela via da formação constante ao longo da vida. E, tudo isto, contra o dogmatismo da formação aditiva por pacotes temáticos ou disciplinares frequentados e empinados para “melhor dominar a arte de ensinar”. Essa arte de ensinar, ou já se tem, mesmo antes da profissionalização, ou, podendo-se melhorar, dificilmente se pode dar. Antes, há que encontrar vias de a adquirir.
Ensina-se a pintar mas não se ensina a ser pintor. Não é possível racionalizar todo o processo para depois se transmitir. Formar copiadores não é, de facto, formar pintores. Ensinar é, assim, uma arte, vivida, exprimida, idiossincraticamente, híbrida dos conhecimentos científicos detidos, de técnicas pedagógicas e de reflexividade permanente (cf. Woods, 1999 e Vieira, 2001).
“A pedagogia, arte e técnica de fazer aprender, perde as suas fronteiras em favor de uma antropologia da aprendizagem na qual os pedagogos deixam as suas marcas” (Jacky Biellerot in Pourtois, 1999).


4. Infância e culturas

Há diferentes tipos e modos de educar:
técnicas – dramatização, instrução verbal directa, recompensa, apoio e responsabilização, imitação / jogo, advertência verbal, ameaça, narração cultural;
conteúdos e expectativas - diversidade cultural e socialmente heterogéneos;
Funções educativas:
Recrutamento - função de recrutar o sujeito como membro de um sistema cultural particular e como participante com um estatuto ou papel nesse sistema (classe, género, etc.,);
Manutenção - processo pelo qual se mantém o sistema e os papéis em funcionamento.
Os processos de transmissão cultural analisados na Antropologia referem-se, muitas vezes, a sociedades aparentemente pouco modeladas pela penetração exterior (ocidental). Todavia, actualmente é difícil encontrar uma sociedade não afectada pela modernização e, nomeadamente, pela universalização da escola.
A transmissão cultural na modernidade introduziu um novo modelo da escolaridade universal.
A escolarização nestes contextos introduz a função de mudança (cultural) uma vez que não reforça, nem recruta jovens para os sistemas tradicionais; o recrutamento escolar visa um sistema futuro e, por isso, pode produzir tensões geracionais e sociais, ou novos padrões de comportamento.
As expectativas e os conteúdos curriculares são exteriores aos modelos culturais dos estudantes. Os grupos escolarizados no 3º mundo, segundo Spindler, Lave ou Bureau, parecem ter como futuro a emigração desqualificada, a migração para centros urbanos, ou permanecerem pobres funcionários públicos locais.
Segundo Jean Lave (cf. Lave, 1991), A aquisição de saberes não é inteiramente subjectiva nem inteiramente tributária das interacções sociais e, sobretudo, não se constitui isoladamente do mundo social. Logo, é necessário examinar a) a localização e b) a significação da aquisição de saberes. Os estudos antropológicos oferecem outros pontos de vista culturais sobre os processos sociais de aquisição de saberes e sugerem um modo de conceptualização dos mesmos, contrário à intuição (por exemplo a aprendizagem do artesanato em África ou do parto entre as mulheres-sábios maias do Yucatan demonstram a ausência de estruturas didácticas e à inseparabilidade da aquisição de uma competência e da criação de uma identidade).
Também Amélia Frazão Moreira (2001) reformula a questão do modelo dicotómico formal / informal que é quase sempre etnocêntrico. Entre os Nalu em contexto de descentração local / global, analisa processos educativos informais, escolares (corânica e oficial), narrativas orais, e sugere o efeito da educação inter-pares ("o que as crianças sabem e classificam que os adultos desconhecem (...) provam que a vida infantil não é uma versão miniatura da vida adulta").
Sarmento, Silva e Costa (1999), a partir de uma pesquisa realizada no Vale do Cávado, observaram a participação das crianças na vida doméstica e concluem que o envolvimento das crianças nas tarefas industriais é feito a partir das culturas da infância “o que leva a que, mudando os tempos, permaneçam os modos de incluir as práticas de trabalho na aceitação solidária do ofício de criança”.
A propósito do contexto social e cultural de aprendizagem, Réné Bureau (1986) diz que nas sociedades agrárias (vs. sociedades urbanas escolarizadas) o conhecimento é transmitido pela oralidade, pela experiência vivida e de forma informal[2]. A única formalização que encontramos consiste em certos estados iniciáticos onde se transmitem sobretudo “saber-viver” e “saber-ser”, saberes míticos, genealógicos ou rituais (mais do que saberes ou “saber-fazer” ou “saber-produzir”). Nestas sociedades, existe uma preocupação geral de fornecer uma aprendizagem colectiva sobre todas as actividades técnicas (podendo existir poucos ou raras especialidades anexas do tipo ferreiros, oleiros, etc...). São sociedades não investem prioritariamente no que podemos chamar de progresso técnico; a sua visão do mundo leva a pensar que a natureza não é propriedade do homem; por contrário, o domínio do homem é por excelência o seu grupo social onde investe continuamente afim de tecer o reservatório comunitário que garante a todos e a cada um a segurança da sobrevivência, o reconhecimento e o afecto mútuo, a organização hierárquica e a necessidade de expressão simbólica e ritual. Assim, o investimento sociológico (expressão de Georges Balandier tem como corolário o primado da aprendizagem das condutas sociais ligadas aos conhecimentos simbólicos sobre a transmissão de saber-fazer técnicos)
A título de exemplo, os povos "ultra-primitivos" estudados por Marshall Sahlins[3], caçadores colectores, utilizam os gestos técnicos que convêm a uma produção perfeitamente suficiente com um equipamento de rendimento óptimo no quadro das suas necessidades (a inovação técnica pode ser mesmo perigosa "os nossos antepassados sobreviveram sem agir assim")
Em jeito de conclusão: a aprendizagem varia nas suas modalidades, nas suas finalidades, nos seus campos de aplicação, mas o processo mental e corporal de aquisição dos actos produtivos parece repousar sobre dados universais, seja o pensamento "selvagem" ou não.


Referências Bibliográficas

BOURDIEU, Pierre (1997). [1994]. Razões Práticas : Sobre a Teoria da Acção, Oeiras: Celta.
BOUTINET, Jean - Pierre (1992). Anthropologie du Projet, Paris: PUF.
BUREAU, René (1986). “Apprentissage et cultures" in BUREAU, R. et SAIVRE, D. (1986). Apprentissage et cultures : les manières d’apprendre, Colloque de Cerisy, Paris : Karthala, pp. 17-34.
CARRAHER, Terezinha N. (1991). Na vida Dez, Na Escola Zero, São Paulo: Cortez Editora.
DURKHEIM, Emile (1984) [1922]. “Educação e Sociedade” in Sociologia, Educação e Moral, Porto: ed. Rés. (pp.7-35).
FRAZÃO-MOREIRA, Amélia (1994). “Entre favas e ovelhas: categorias do mundo do adulto apreendidas pelas crianças numa aldeia do Alto Douro”, in Educação, Sociedade e Culturas, n.º 2, Porto: Afrontamento, (pp.39-57).
FERREIRA, Paulo da Trindade (1994). Reinventar a Criatividade, Lisboa: Presença.
FILLIOZAT, Isabelle (1997). [1997]. A Inteligência do Coração, Lisboa: Editora Pergaminho.
FREIRE, Paulo (1997) [1996]. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à Prática Educativa, S. Paulo: Paz e Terra.
FREIRE, Paulo et alii (1983). Vivendo e Aprendendo, Experiências do IDAC em Educação Popular, São Paulo: Ed. Brasiliense.
GIDDENS, Anthony (1994). [1991]. Modernidade e Identidade Pessoal, Oeiras: Celta.
ITURRA, Raul (1990) Fugirás à Escola para Trabalhar a Terra: Ensaios de Antropologia Social sobre o Insucesso Escolar, Lisboa: Escher.
ITURRA, Raul (1994) “O processo educativo: ensino e aprendizagem?” in Revista Educação, Sociedade & Culturas, nº1, Afrontamento, Porto, (pp.29-50).
KUETHE, James L. (1978). O Processo Ensino-Aprendizagem, Porto Alegre: Ed. Globo.
LAVE, Jean (1991). "Acquisition des savoirs et pratiques de groupe" in Sociologie et Sociétés, Vol. XXIII, nº 1, printemps 1991, (pp.145-162).
MONTAIGNE, Michel de (1993) [1580-88]. Três ensaios. Do professorado. Da Educação das Crianças. Da Arte de Discutir. (trad. Agostinho da Silva), ed. Veja, Lisboa.
NICOLESCU, Basarab (2000). [1996]. O Manifesto da Transdisciplinaridade, Lisboa: Hugin.
NÓVOA, António (Org.). (1992). Vidas de Professores, Porto: Porto Editora.
POURTOIS, Jean-Pierre e DESMET Huguette (1999). [1997]. A Educação Pós-Moderna, Lisboa: Piaget.
ROUSSEAU, Jean Jacques, (1990). [1772]. O Emílio, Lisboa: Pub. Europa-América.
SARMENTO, M.; SILVA, R. COSTA, S. (1999). “As penas do galo de Barcelos: infância, trabalho e lazer no vale do Cavado”, in Arquivos da Memória, n.º 6/7, pp. 47-64.
TOURAINE, A. (1994). [1992]. Crítica da Modernidade, Lisboa: Instituto Piaget.
VIEIRA, Ricardo (2001). “Ser Professor: Ensino ou Aprendizagem da Profissão” in Educação e Comunicação n.º 5, Leiria: E.S.E.L, (pp. 9-27).
VIEIRA, Ricardo (1998). Entre a Escola e o Lar: O currículo e os saberes da infância, Lisboa: Fim de Século.
WOODS, Peter (1999). [1996]. Investigar a Arte de Ensinar, Porto: Porto Editora.

[1] Dicionário da Porto Editora, 5ª edição, um dos que de momento tenho à mão.
[2] Ver também, a este propósito, a tese de doutoramento em Antropologia Social, de Ângela Nunes, ISCTE, 2004: Brincando de Ser Criança, contribuições da etnologia indígena brasileira à antropologia da infância
[3] Age de Pierre, âge d'abondance, I'économie des sociétés primitives, 1976.
Ricardo Vieira,
Doutorado em Antropologia da Educação,
CIID-IPL
www.ciid.ipleiria.pt
Portugal
rvieira@esel.ipleiria.pt