(AC) Processo Educativo e Contextos Culturais

Resumo
Neste texto discute-se basicamente, numa primeira parte, algumas definições de educação e do acto de educar para terminar, numa segunda parte, com a análise do processo educativo em contextos culturais heterogéneos. Reflecte-se, também, sobre se o ensinar a aprender é uma ciência ou, antes, uma arte.


Palavras-chave: Educação, processo educativo, cultura, ensino, aprendizagem, memória cultural.


1. Educação: Ensino e Aprendizagem

De maneira geral, os dicionários não distinguem claramente os conceitos de educação, ensino e aprendizagem. Para o dicionário de Língua Portuguesa [1], por exemplo, educar, ensinar e aprender têm um denominador comum - a ideia de instruir. Assim, em educar temos: ministrar a educação, instruir; em ensinar temos: educar, ministrar conhecimentos, instruir sobre; e em aprender temos: adquirir conhecimento, instruir-se. Há efectivamente algumas diferenças, pelo menos na ênfase colocada diferentemente no sujeito e no objecto mas os conceitos não ficam precisos. Também o ensino pode ser processado segundo várias metodologias: orientação indirecta, no caso de se recomendar ao aluno que leia determinado artigo, ou quando se diz: "leia tudo o que encontrar sobre multiculturalidade"; orientação estruturada e dirigida quando o professor acompanha passo a passo as actividades dos alunos sem lhes dar espaço de manobra (cf. Kuethe, 1978). Mas, [...] toda a criança quer aprender. Até porque ganha com isso a aprovação dos adultos que a rodeiam. Mas, mais importante que isso, porque ao aprender entende o que se passa em torno de si. O processo educativo é, em consequência, mais amplo do que é o ensino em instituições especializadas (Iturra, 1994: 40).
Contudo, embora a aprendizagem esteja presente em todas as culturas, já a relação ensino-aprendizagem, tal qual é vista na sociedade moderna, em que há uma divisão especializada entre quem ensina e quem aprende, não é efectivamente universal (Vieira, 1998). A própria escola, enquanto instituição laica e recomendada para todos, é coisa nova. Claro que desde a idade média que em Portugal e de resto, na Europa, se podia buscar a aprendizagem das letras e do pensamento reflexivo nos conventos e ordens religiosas. E aí, essa relação entre o adulto que orienta e ensina, e o petiz que ouve, segue o mestre e com ele aprende, vendo e fazendo, é já mais antiga. Contudo, os saberes mais valiosos não passavam sempre pela escrita. A aprendizagem fazia-se nos contextos da vida, onde o aprendiz vivia, convivia e aprendia com o mestre, sem que este se preocupasse em sistematicamente passar o conhecimento pelas palavras e pela abstracção (cf. Rousseau, 1990 [1772]). Vivia-se enquanto se aprendia e aprendia-se enquanto se vivia (Freire et alii, 1983).
"É claro que todo o grupo social, como condição da sua continuidade, precisa de transmitir à geração seguinte a experiência acumulada no tempo" (Iturra, 1994: 29). Mas essa reprodução sócio-cultural, parece ser mais baseada na aprendizagem do que no ensino, para usar ainda essa dicotomia que se quer dialéctica, tão bem pensada e explicitada por Raul Iturra (1994). Como o autor refere a propósito da transmissão cultural e do processo educativo entre os primitivos, " a ausência da escrita na vida quotidiana coloca um forte peso no desenvolvimento de estruturas mentais porque não têm depois um texto onde ir lembrar o que fazer quando a memória se esgota ou a conjuntura muda e fornece outros contextos" (Idem: 33). Este exemplo serve para lembrar como há efectivamente diferentes estilos cognitivos.
Regressando um pouco atrás, dizia, se a aprendizagem está de facto presente em todas as sociedades, os estilos de aprendizagem diferem efectivamente. No grupo doméstico, como dizem os antropólogos, ou na família em geral, como preferem os cientistas da educação, o ensino e a aprendizagem ocorrem dentro do contexto. Nas escolas portuguesas, o modo predominantemente usado está fora do contexto. Quando por exemplo a matemática se dedica ao estudo de algoritmos, acontece uma aprendizagem descontextualizada (no caso em que há efectivamente aprendizagem, porque pode também não chegar a haver) com a resolução de cada exercício isolado dos problemas reais.

2. O que é educar?
Paulo Freire (1920-1998) referia-se em Pedagogia da Autonomia à questão da “inconclusão humana”, da sua inserção num permanente movimento de procura que definiu como “curiosidade epistemológica”. E, de facto, analisar e entender os modos como os grupos e indivíduos aprendem e ensinam é a problemática central desta cadeira.
Michel de Montaigne (1533-1592) comparava o que acontecia na agricultura com o processo educativo; semear é fácil, mas a variedade de modos de tratar o que já brotou é a grande dificuldade. Do mesmo modo, com os homens, a tarefa árdua e trabalhosa é a de os educar e instruir. Este autor defendia, porém, que é muito difícil mudar as propensões ou tendências naturais; e critica ainda a postura do professor-perceptor que não entende o aluno, sugerindo a tese de um professor que abra passagens e que deixe o aluno também abri-las.
Kant afirmava que “ a finalidade da educação consiste em desenvolver em cada indivíduo toda a perfeição de que ele é susceptível. “ (cf. Durkeim, 1984: 8)
Stuart Mill reclamava que a educação teria como objectivo “transformar o indivíduo num instrumento de felicidade” e afirmava que em sentido alto a educação “compreende inclusivamente os efeitos indirectos produzidos no carácter e nas faculdades humanas por coisas cujo fim é completamente diferente: pelas leis, formas de governo, profissões e até mesmo factos físicos (…) como sejam o clima, o solo e a situação local” (cf. Durkeim, 1984:7).
Durkeim sugere, porém, que segundo as nossas aptidões temos diferentes funções a cumprir e que “existem homens de sensibilidade e homens de acção”, mas a crítica aos postulados que afirmavam existir uma educação ideal, perfeita, universal e única é um dos combates deste autor. “A educação sofreu variações infinitas, consoante os tempos e os países. (…) Cada sociedade possui um sistema educativo que se impõe aos indivíduos com uma força irresistível” ( Cf. Durkeim, 1984: 10 – 11). Esta concepção sociológica da educação assume-a como facto social, moral e colectivo.
Montaigne nos seus Ensaios sobre educação colocava a questão da importância do saber melhor (civilizacional, comportamental, são) em alternativa ao saber mais (livresco, erudito): “trabalhamos para encher a memória e deixamos vazios o entendimento e a consciência” (Montaigne, 1993:13). Em boa medida, Montaigne elucida a dicotomia de Iturra (ensino/aprendizagem): “ Quem é que jamais perguntou ao seu discípulo que opinião tem da Retórica e da Gramática, de tal ou tal sentença de Cícero? Metem-nas na memória, em bruto, como oráculos em que as letras e as sílabas são da substância do assunto. Saber de cor não é saber: é conservar o que se deu a guardar à memória.” (idem: 46). [Trata-se da crítica ao saber livresco e culto em oposição à apologética do ensino pragmático através do exercício da inteligência e do entendimento pessoal]. É extraordinária a sua reflexão anticipatória sobre a relatividade do pensamento humano e a vantagem do contacto cultural (em termos educativos): “...o comércio dos homens é de maravilhosa utilidade, assim como a visita aos países estrangeiros (...) para trazer o que o espírito e os costumes dessas nações e para limar e polir o nosso cérebro no contacto com o dos outros.” (idem: 47-48).
O processo educativo: envolve duas componentes – a aprendizagem e o ensino (cf. definições de Raul Iturra, 1994).

“Talvez seja necessário lembrar dois pontos que tenho encontrado no trabalho de campo, a este respeito: 1- Que o elemento básico da incorporação de um indivíduo no grupo é a teoria da rede de relações na qual se encontra inserido e que dá os direitos e deveres entre as pessoas. 2 – Que a teoria de como se pode vencer a matéria da qual se depende para subsistir, define o uso do corpo e transmite à jovem camada os usos dos artefactos que existem junto de si. Quando chega à escola, o entendimento do mundo já está feito e preenchido. A criança sabe claramente a função social das pessoas e dos objectos. Assim, quem passa a uma segunda etapa de incorporação, tem já a sua memória cultural estabelecida onde o saber se desenvolve por categorias particulares”. (Iturra, 1990: 52).

Durkheim reclama a necessidade de estudar comparativamente os sistemas educativos e confrontá-los para isolar aspectos comuns: transmissão geracional (adultos/jovens); o sistema educativo simultaneamente múltiplo (conforme os diferentes meios ou grupos sociais, profissões) e uno (existem sentimentos morais comuns: cultura religiosa, espírito nacional, ideal do homem).
Os processos educativos são complexos para os investigadores e exigem o contributo de várias ciências. Sabe-se que os processos educativos são universais, mas variam de cultura para cultura, profissão para profissão, de grupo para grupo, etc., tanto nos conteúdos como nos contextos formais.

Aprender e educar são processos que envolvem a transmissão, a fixação e a produção de saberes, memórias, sentidos e significados, práticas e performances.
Paulo Freire, na sua Pedagogia da Autonomia afirma que: “[...] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas.” (Freire, 1997: 15) e depois mais adiante: “...ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”

3. Relação entre Ensino e Aprendizagem

“Saiu o semeador para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, foi pisada e as aves do céu comerem-na. Outra caiu sobre a rocha e, depois de ter germinado, secou por falta de humidade. Outra caiu no meio dos espinhos, e os espinhos, crescendo com ela, sufocaram-na. Uma outra caiu em boa terra e, uma vez nascida, deu fruto centuplicado”. (São Lucas 8, 5-8).

É relativamente fácil pensar que pode haver ensino sem aprendizagem e aprendizagem sem ensino direccionado por objectivos. O professor é de facto uma pessoa e já o era antes da certificação profissional. A sua prática docente é mista de racionalidade e afecto, de bricolage e planificação. É a prática dum modo de ser tantas vezes desempenhado como um inconsciente prático (cf. Bourdieu, 1997). De facto, nem sempre estamos a racionalizar o que estamos a fazer na prática lectiva (cf. Nóvoa, 1992).
Também os pintores não se limitam a copiar o que observam mas, “seleccionam cuidadosamente, sendo dotados de significado os elementos que seleccionam, e com tanto mais impacto por serem, por vezes, irracionais [...]. Eles próprios têm dificuldade em explicar por que traduzem as suas experiências para formas e cores, e não para palavras.” (Highet, cit. in Woods, 1999: 35).
Este posicionamento parece estar nos antípodas da certeza científica. Há ensino sem aprendizagem, há aprendizagem sem ensino direccionado para tal, há técnicas falhadas de ensinar a ser um profissional e há formas de ser e de agir, ainda não sistematicamente racionalizadas, que levam à aprendizagem. É como se parte do ensino consistisse em “não saber” (cf. Woods (ibidem). Em contraste com a ênfase na racionalidade, o ensino parece ter um lado artístico, uma dimensão irracional, emocional, uma inteligência do coração (cf. Filliozat, 1997).

Ensinar, será uma arte ou uma ciência?
Ensinar, se não é uma arte, então o que é?
Poderíamos contrapor que será antes uma ciência. Ou um conjunto de ciências, como é vulgar perceber-se nas referências feitas às ciências da educação. Arte, ciência, uma ou outra, ou, antes, as duas juntas, e com outras ainda, afinal o que é ensinar?
Por que será que, em determinadas matérias, há alunos que conseguem ensinar outros alunos, seus colegas, melhor que os seus próprios professores? Por que será que há alunos que aprendem bem com alguns professores e não tanto com outros? Por que será que professores da mesma idade, do mesmo género, eventualmente formados na mesma escola, com as mesmas habilitações profissionais, etc. ensinam de forma diferente sendo que uns levam a que quase todos aprendam (os alunos, claro) e outros apenas levam a aprender uma parte reduzida da população escolar que, eventualmente, já sabia até antes do encontro pedagógico? Como se aprende a ser artista? Como se aprende a ser educador?
Muitas perguntas para responder em tão curto espaço!
Com a modernidade rompe-se com o pensamento mágico-religioso, com a intuição, com o improviso, e envereda-se por uma epistemologia “cientificamente comprovada”. O método experimental é sacralizado e elevado à condição máxima da cientificidade. A instrução, o treino, o ensino e a educação relevam então também duma forte racionalidade instrumental regida pelos critérios da objectividade, da quantificação, da regularidade, da reprodutividade e da generalização. O professor e o educador abstraem-se não só da sua subjectividade como, também, das suas emoções e afectos no acto de ensinar. É o tal normativo da neutralidade que se impõe também ao profissional da educação que, salvo raras excepções, poucas vezes viveu a profissão como quem vive e pratica uma arte: de forma sensitiva, criativa, imprevisível, flexível, contextual e emotiva.
Por outro lado, com a pós-modernidade (ou modernidade reconstruída para evitar a posição anti-moderna, como preferem Alain Touraine (1994), Giddens (1994) entre outros) introduz-se uma ruptura na racionalidade instrumental, que coloca o Homem sob o domínio da ciência e da técnica, o que leva ao reconhecimento do carácter mutável, instável e até não previsível de todo o conhecimento.
Na pedagogia emerge o trabalho de projecto contra a certeza do ensino por objectivos. Na educação renasce o sujeito, autónomo, autoreflexivo, criativo, estratega, dotado de consciência, iniciativa e criatividade. O educador já não é um mero actor ou agente do ensino; torna-se ele próprio projecto e autor de projectos: projectos de vida e projectos educativos que se vão construindo, reconstruindo, com saber, arte e engenho, ao longo dos caminhos cujas trajectórias se vão criando também no acto e não mais na certeza antecipada pelo racionalismo científico (cf. Boutinet, 1992).
Daí, talvez, todo o empenho colocado hoje na formação de professores pela via da reflexividade, pela via da autoanálise, pela via da formação em contexto, pela via da autoformação e pela via da formação constante ao longo da vida. E, tudo isto, contra o dogmatismo da formação aditiva por pacotes temáticos ou disciplinares frequentados e empinados para “melhor dominar a arte de ensinar”. Essa arte de ensinar, ou já se tem, mesmo antes da profissionalização, ou, podendo-se melhorar, dificilmente se pode dar. Antes, há que encontrar vias de a adquirir.
Ensina-se a pintar mas não se ensina a ser pintor. Não é possível racionalizar todo o processo para depois se transmitir. Formar copiadores não é, de facto, formar pintores. Ensinar é, assim, uma arte, vivida, exprimida, idiossincraticamente, híbrida dos conhecimentos científicos detidos, de técnicas pedagógicas e de reflexividade permanente (cf. Woods, 1999 e Vieira, 2001).
“A pedagogia, arte e técnica de fazer aprender, perde as suas fronteiras em favor de uma antropologia da aprendizagem na qual os pedagogos deixam as suas marcas” (Jacky Biellerot in Pourtois, 1999).


4. Infância e culturas

Há diferentes tipos e modos de educar:
técnicas – dramatização, instrução verbal directa, recompensa, apoio e responsabilização, imitação / jogo, advertência verbal, ameaça, narração cultural;
conteúdos e expectativas - diversidade cultural e socialmente heterogéneos;
Funções educativas:
Recrutamento - função de recrutar o sujeito como membro de um sistema cultural particular e como participante com um estatuto ou papel nesse sistema (classe, género, etc.,);
Manutenção - processo pelo qual se mantém o sistema e os papéis em funcionamento.
Os processos de transmissão cultural analisados na Antropologia referem-se, muitas vezes, a sociedades aparentemente pouco modeladas pela penetração exterior (ocidental). Todavia, actualmente é difícil encontrar uma sociedade não afectada pela modernização e, nomeadamente, pela universalização da escola.
A transmissão cultural na modernidade introduziu um novo modelo da escolaridade universal.
A escolarização nestes contextos introduz a função de mudança (cultural) uma vez que não reforça, nem recruta jovens para os sistemas tradicionais; o recrutamento escolar visa um sistema futuro e, por isso, pode produzir tensões geracionais e sociais, ou novos padrões de comportamento.
As expectativas e os conteúdos curriculares são exteriores aos modelos culturais dos estudantes. Os grupos escolarizados no 3º mundo, segundo Spindler, Lave ou Bureau, parecem ter como futuro a emigração desqualificada, a migração para centros urbanos, ou permanecerem pobres funcionários públicos locais.
Segundo Jean Lave (cf. Lave, 1991), A aquisição de saberes não é inteiramente subjectiva nem inteiramente tributária das interacções sociais e, sobretudo, não se constitui isoladamente do mundo social. Logo, é necessário examinar a) a localização e b) a significação da aquisição de saberes. Os estudos antropológicos oferecem outros pontos de vista culturais sobre os processos sociais de aquisição de saberes e sugerem um modo de conceptualização dos mesmos, contrário à intuição (por exemplo a aprendizagem do artesanato em África ou do parto entre as mulheres-sábios maias do Yucatan demonstram a ausência de estruturas didácticas e à inseparabilidade da aquisição de uma competência e da criação de uma identidade).
Também Amélia Frazão Moreira (2001) reformula a questão do modelo dicotómico formal / informal que é quase sempre etnocêntrico. Entre os Nalu em contexto de descentração local / global, analisa processos educativos informais, escolares (corânica e oficial), narrativas orais, e sugere o efeito da educação inter-pares ("o que as crianças sabem e classificam que os adultos desconhecem (...) provam que a vida infantil não é uma versão miniatura da vida adulta").
Sarmento, Silva e Costa (1999), a partir de uma pesquisa realizada no Vale do Cávado, observaram a participação das crianças na vida doméstica e concluem que o envolvimento das crianças nas tarefas industriais é feito a partir das culturas da infância “o que leva a que, mudando os tempos, permaneçam os modos de incluir as práticas de trabalho na aceitação solidária do ofício de criança”.
A propósito do contexto social e cultural de aprendizagem, Réné Bureau (1986) diz que nas sociedades agrárias (vs. sociedades urbanas escolarizadas) o conhecimento é transmitido pela oralidade, pela experiência vivida e de forma informal[2]. A única formalização que encontramos consiste em certos estados iniciáticos onde se transmitem sobretudo “saber-viver” e “saber-ser”, saberes míticos, genealógicos ou rituais (mais do que saberes ou “saber-fazer” ou “saber-produzir”). Nestas sociedades, existe uma preocupação geral de fornecer uma aprendizagem colectiva sobre todas as actividades técnicas (podendo existir poucos ou raras especialidades anexas do tipo ferreiros, oleiros, etc...). São sociedades não investem prioritariamente no que podemos chamar de progresso técnico; a sua visão do mundo leva a pensar que a natureza não é propriedade do homem; por contrário, o domínio do homem é por excelência o seu grupo social onde investe continuamente afim de tecer o reservatório comunitário que garante a todos e a cada um a segurança da sobrevivência, o reconhecimento e o afecto mútuo, a organização hierárquica e a necessidade de expressão simbólica e ritual. Assim, o investimento sociológico (expressão de Georges Balandier tem como corolário o primado da aprendizagem das condutas sociais ligadas aos conhecimentos simbólicos sobre a transmissão de saber-fazer técnicos)
A título de exemplo, os povos "ultra-primitivos" estudados por Marshall Sahlins[3], caçadores colectores, utilizam os gestos técnicos que convêm a uma produção perfeitamente suficiente com um equipamento de rendimento óptimo no quadro das suas necessidades (a inovação técnica pode ser mesmo perigosa "os nossos antepassados sobreviveram sem agir assim")
Em jeito de conclusão: a aprendizagem varia nas suas modalidades, nas suas finalidades, nos seus campos de aplicação, mas o processo mental e corporal de aquisição dos actos produtivos parece repousar sobre dados universais, seja o pensamento "selvagem" ou não.


Referências Bibliográficas

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[1] Dicionário da Porto Editora, 5ª edição, um dos que de momento tenho à mão.
[2] Ver também, a este propósito, a tese de doutoramento em Antropologia Social, de Ângela Nunes, ISCTE, 2004: Brincando de Ser Criança, contribuições da etnologia indígena brasileira à antropologia da infância
[3] Age de Pierre, âge d'abondance, I'économie des sociétés primitives, 1976.
Ricardo Vieira,
Doutorado em Antropologia da Educação,
CIID-IPL
www.ciid.ipleiria.pt
Portugal
rvieira@esel.ipleiria.pt

(AC) Ser Professor

Uma reflexão sobre as práticas, tarefas, actividades, papéis, atribuições, … dos professores


“O professor é sobretudo um profissional da relação (...) é uma profissão com enormes possibilidades de realização pessoal e, simultaneamente, é uma profissão em que a frustração quando acontece, pode ter um dos efeitos mais destruidores, uma vez que, quando não me realizo profissionalmente, não me construo como pessoa” (Teixeira, 1995, p. 161).
Sacristán (in Nóvoa, 1991), citando Tom (1984, 1987), sugere quatro formas de encarar o ensino como actividade profissional: (1ª) como ofício através dos saberes adquiridos pela experiência, (2ª) como aplicação de uma ciência, (3ª) como uma arte, e (4ª) como empenhamento moral destacando a odontologia e a ética. Assim, “uma correcta compreensão do profissionalismo docente implica relacioná-lo com todos os contextos que definem a prática educativa” (idem in idem, p. 74). E prossegue: “é preciso enfrentar as questões do poder na educação não aceitando uma limitação do papel dos professores aos aspectos didácticos” (idem in idem, p. 75).
A escola é assim um sistema complexo que apela à constante criatividade do professor, pois existem “(...) factores aleatórios e imprevisíveis no acto educativo” (Nóvoa, 1992, p. 14). Assume-se, deste modo e reiterado por “todos”, uma aproximação entre a actividade docente e a arte. Harris (1976, cit. Woods, in Nóvoa, 1991) dizia mesmo sem receios que o ensino é uma arte. Considerava os professores actores, como aliás são constantemente designados noutra perspectiva, tendo literalmente de representar em vários contextos dentro da escola. Dizia ainda que o professor tem de actuar como comediante ressalvando no entanto que esta questão precisa de ser estudada. Justificando-se, dizia que têm de abrilhantar ou enfeitar os textos, os discursos e as equações, de forma a ficarem mais apetecíveis aos alunos. Facilmente se constata que um sentido de humor oportuno e uma boa disposição pode ser contaminante e ser essencial para a criação de um clima saudável. Aliás Goodson (in Nóvoa, 1992), referindo-se a um colega, deixa escapar as seguintes características de um excelente professor: "(...) muito popular entre os alunos, aberto, com sentido de humor, cativante e motivador” (in idem, p. 65). João Amado, numa acção de formação em 2006 na Escola Secundária Engenheiro Acácio Calazans Duarte, dizia, num contexto de prevenção da indisciplina, que o “professor tem de saber rir”. Mas atenção: as atitudes confrontadoras das rotinas burocratizadas, robotizadas e instaladas, podem alimentar os “vigilantes da legalidade”, os mais “seguidistas”, e iniciar-se mais algum mal-estar provocado por eventuais incompreensões resultando em acusações suportadas por esse alinhamento à retórica.
Na obra de Teixeira (1995), com base em Formosinho (1987), retiram-se as seguintes funções gerais que de uma forma consensual aparecem, implicitamente, na maioria dos textos relacionados: (a) “instruir” no seguimento dos conteúdos programáticos bem com a avaliação da sua aquisição, (b) “educar” valores e atitudes introduzindo o gosto em participar em actividades extra-lectivas de índole educativa, (c) “desenvolver acções educativas no meio” e, (d) “outras funções de natureza instrumental” tal como cuidar da escola, informar e realizar estudos e trabalhos de investigação. No entanto, convém referir que as funções dos professores não deverão ser estáticas, mas antes facilmente moldáveis consoante “as necessidades sociais a que o sistema educativo deve dar resposta (...)” (Sacristán, in Nóvoa, 1991, p. 67) e, prosseguindo, este autor afirma que “a evolução da sociedade tende a afectar à escola um conjunto mais alargado de funções” (idem, in ibidem), dando origem a constantes viragens e indefinições dessas funções. Teodoro (2006) também destaca este raciocínio acrescentando que este aumento de funções se deve a uma resposta aos novos problemas emergentes na sociedade. Mas este mal-estar docente já vem referido em “todos” os manuais sobre a prática docente e não é um problema exclusivo português pois é destacado como um problema geral em todo o mundo. Teodoro (idem, p. 93), parecendo desabafar, diz mesmo que “…os professores nunca trabalharam tanto para ver tão pouco resultados…”. E Maria Filomena Mónica (Jornal “Público”, 1-11-2007) sob o título “Deixem os professores em paz” acrescenta que “um professor precisa de uma sólida preparação de base, prestígio junto da comunidade e autonomia de acção”. Parece-me então que, de facto, este mal-estar existe e não nos livraremos dele tão cedo.
Assim, e resumindo, o professor é um transmissor de conhecimentos, é um criador de conhecimentos (devia ser), é um acreditador de conhecimentos (certifica), é um criativo e artista (engendra e improvisa), é um crente (acredita que todos podem aprender), é um apaixonado pelos alunos (sem excepção), é um justiceiro, é um avaliador/classificador, é um socializador e educador (aqui, idealmente, em estreita colaboração com os encarregados de educação) e, ainda, é um funcionário (embora esta vertente devesse ser reduzida a perto de zero). Estou seguro ao afirmar que ninguém faz tanta falta a um país como o professor. Por isso, apoiem-no e dotem-no.
Referências bibliográficas
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· NÓVOA, António (org.) – Vida de Professores. Porto: Porto Editora, 1992
· TEIXEIRA, Manuela – O Professor e a Escola – Perspectivas Organizacionais. Amadora: McGraw-Hill, 1995
· TEODORO, António – Professores, para quê? Mudanças e Desafios na Profissão Docente. Porto: Profedições, 2006

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)

(AC) O que nos move? (1)

Uma reflexão sobre as teorias motivacionais


“A motivação não é nem uma qualidade individual, nem uma característica do trabalho: não existem indivíduos que estejam sempre motivados nem cargos motivadores para todos (...)” (Lévy-Leboyer, 1999, cit. Jesus, 1996, p. 26).
Verifica-se que os funcionários numa organização têm diferentes resultados apesar de possuírem as mesmas qualificações e as mesmas condições, ou seja, o comportamento humano é movido por determinadas necessidades. Daí a justificação do aparecimento do termo motivação no estudo das organizações. Locke (1976, cit. Seco, 2002) dividiu as teorias da motivação no trabalho em duas grandes categorias. Nas (1as) “Teorias dos Conteúdos” a preocupação é encontrar o objecto da motivação. Procuram especificar os valores e as causas para que o indivíduo se sinta motivado. As (2 as) “Teorias Processuais” estão centradas em saber como se exprime a motivação, assumindo-se que a causa motivadora não é a mesma para todos. Retira-se deste segundo grupo de teorias, que a motivação é directamente proporcional à satisfação no trabalho e “É geralmente aceite que as teorias processuais oferecem uma melhor explicação teórica da motivação para o trabalho, e, consequentemente, da satisfação, do que as teorias de conteúdos” (Seco, idem, p. 28).
Existem, assim, várias teorias sobre a motivação. Só a obra de Soto (2001) aborda quinze grupos de teorias, das quais vou tentar resumir as mais conhecidas e tentar estabelecer uma relação com a organização escolar.
A primeira teoria, dentro das “Teorias dos Conteúdos”, apareceu com Abraham Maslow em 1943, que definiu uma hierarquia de necessidades, adiantando que as pessoas só têm necessidades superiores depois de verem satisfeitas as inferiores.
Locke (1976, cit. Seco, 2002) aponta-lhe algumas limitações dizendo que não se provou se os factores definidos são de facto necessidades. Na mesma obra, Graça Seco, junta também Robbins (1996) nessas dúvidas acrescentando que a pirâmide poderá estar invertida nos contextos em que se poderá valorizar mais as necessidades de segurança. Estabelecendo uma extrapolação para a profissão docente, poderá deduzir-se que a primeira necessidade (fisiológica) está satisfeita, pois não me parece, salvo qualquer patologia em contrário, que os professores passem fome, sede, ou que tenham um horário tão mau que não lhes permita dormir o tempo suficiente. O mesmo se poderia dizer em relação à segunda necessidade (segurança) se não fosse o caso dos professores contratados, pois, segundo Maslow (citado por Sousa, 1990), satisfaz-se recebendo o ordenado e pagando os seus impostos. Retirando as influências exteriores (familiares e/ou outras) que são praticamente inacessíveis à organização, a terceira necessidade (afecto) pode ser tratada na organização com a criação e incentivo ao envolvimento nas actividades de um grupo e consequentemente de relações de amizade. Assim, “a principal conclusão que se pode tirar (...) é a de que, num contexto de bem-estar económico e de pleno emprego, as necessidades mais baixas da hierarquia estão normalmente satisfeitas” (Seco, 2002, p. 18) podendo incluir-se neste desenho a profissão docente pelo menos no que respeita aos professores do quadro. Constata-se que o prestígio (quarta necessidade) dos professores tem vindo a decrescer face aos inúmeros desempregados na área e face às inúmeras profissões emergentes de qualificação superior, bem como “(...) à alteração do papel tradicional dos professores no meio local” (Jesus, 1996, p. 28). Como se pode inverter a situação? O “respeito por si próprio é a chave para a necessidade prestígio” (Sousa, 1990, p. 141), ou seja, para ser respeitado pelos outros, a fim de ser respeitado por si próprio, terá de esforçar-se para conseguir atingir os objectivos determinados pela organização. A última necessidade (quinta: auto-realização) tem a ver com o que cada um de nós quer e consegue ser, sendo então outra necessidade de carácter estritamente pessoal, inacessível à organização. As áreas que os gestores/administradores escolares poderão trabalhar, com base na teoria de Maslow, são, sem dúvida, a terceira necessidade (afecto) e quarta necessidade (prestígio).
Na década de 50 surgiu Frederick Herzberg com a conhecida “Teoria dos Dois Factores” que se resume à relação directa da satisfação com a motivação. Pode verificar-se que o sistema educativo tem uma particular importância no que respeita à insatisfação no trabalho pois, os três primeiros factores (política da empresa e administração, supervisão e, relação com o supervisor), são da sua responsabilidade directa. De notar que nesta teoria o salário, como outros factores, não podem ser vistos como factores de motivação, mas sim como ajuda na diminuição da insatisfação. Também aqui aparecem Locke e Robbins (Seco, 2002) a apontar algumas limitações à generalização dos resultados desse estudo. Apesar de fazerem investigações complementares, resultando em conclusões muito semelhantes, apontam que o estudo se baseou em 200 engenheiros e contabilistas de uma determinada zona industrial de um determinado país rico.
Aparece depois, nos anos 60, McClelland com a “Teoria dos Tipos de Personalidades” onde diz que os indivíduos se motivam segundo a personalidade adquirida socialmente, dando uma particular atenção ao recrutamento de quadros. Para a compreender, a motivação para o desempenho é vista segundo três impulsos, ou três necessidades: (1) realização (querer ser bem sucedido), (2) poder (influenciar e controlar os outros) e (3) afiliação (desejo de ter amizades e ser aceite pelos outros). Parece-me que os traços de personalidade podem assim ser construídos de acordo com o ambiente social que nos rodeia e poderão ser melhorados com a entrega de cargos e com depósitos de confiança.
Vroom em 1964 “procurou estudar as relações entre traços de personalidade e participação” (Lima, 1998, p. 123). Esta “Teoria das Expectativas” (posteriormente Lawler em 1986 também contribuiu para esta teoria) ao dizer que a força motivacional se deve às expectativas que temos do sucesso previsto, acrescenta mais uma responsabilidade à necessidade de existirem objectivos claros na organização e uma previsão dos resultados. Pode-se dizer que a base desta teoria assenta em três relações, que são, (1) esforço vs desempenho, (2) desempenho vs recompensa e (3) recompensa vs objectivos pessoais. Para a suportar surgem cinco conceitos principais: (1) resultados (metas esperadas da organização), (2) valência (interesse que se tem pelo trabalho, ou expectativa sobre o resultado), (3) instrumentalidade (relação entre o desempenho e meta alcançada), (4) expectativa (antevisão do resultado em função do seu desempenho) e (5) força (característica pessoal capaz de provocar a motivação). Neste seguimento, Seco (2002) faz uma previsão de que seria um fracasso aplicar a teoria de Vroom ao contexto docente, baseando-se no desajustamento entre os pressupostos da teoria e o modelo de avaliação de desempenho do pessoal docente. Acrescentaria que, apesar das melhorias existentes na avaliação de desempenho docente vindas com o novo Estatuto (2007), continuaria a ser um fracasso dado que seria muito difícil detectar quem teria participado mais num determinado sucesso e provavelmente traria uma competição desenfreada entre colegas. No entanto, um ideário de escola claro, curto e prático onde se expressem os objectivos específicos, parece-me fundamental em qualquer organização.
Ainda uma referência à chamada “Teoria da Equidade” proposta por Adams em 1965. Assenta os seus pilares na desigualdade que as pessoas constatam quando comparam o seu ganho com o dos outros, onde se inclui o resultado dos trabalho feitos em diferentes condições, níveis de escolaridade, promoções, privilégios, etc. Esta teoria faz sobressair a impotência do administrador escolar a este nível, pois na escola verifica-se entre os professores, por diversas razões, diferenciação entre as cargas horárias, remunerações e mesmo condições de trabalho constatando-se também diferentes resultados, não existindo qualquer relação lógica entre regalias e resultados. Como se sabe os que têm um menor horário, em virtude dos anos de serviço, são os que ganham mais, podendo parecer um paradoxo pois “quanto mais experiente é um professor menos é utilizado” (idem, p. 77). Vários estudos, destacados em Jesus (1996), apontam que este aumento salarial com base na antiguidade não é um bom incentivo para a motivação dos professores. Estes preferiam um pagamento por mérito baseado no esforço na sala de aulas. Mas, à semelhança da teoria anterior, o cálculo também não seria pacífico e a meritocracia poderia não trazer os resultados esperados ao provocar uma competitividade desmedida e um maior individualismo.

Bibliografia referenciada
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· LIMA, Licínio – A Escola como Organização e a Participação na Organização Escolar. Braga, Universidade do Minho, 1998
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· SECO, Graça M. S. Batista – A Satisfação dos Professores – Teorias, Modelos e Evidências. Porto: Edições Asa, 2002
· SOTO, Eduardo – Comportamento Organizacional – o Impacto das Emoções. São Paulo: Internacional Thomson Editores, 2001
· SOUSA, António de – Introdução à Gestão – Uma Abordagem Sistémica. Lisboa – São Paulo: Editorial Verbo, 1990

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)

(AC) O que nos move? (2)

Uma reflexão sobre o factor mais determinante: responsabilidade vs dinheiro

Este texto ficaria desconforme se não se incluíssem referências à “Teoria da Motivação Intrínseca de Deci”. Também aqui aparecem as normais contestações por parte de outros autores chegando mesmo a propor-se o abandono desta teoria (Cameron e Pierce em 1996, e Locke e Henne em 1986, referidos em Seco, 2002). Considera que existem dois tipos de motivação: a (1) “extrínseca” onde o salário, valores e as recompensas (não incluídas na seguinte) são as suas fontes orientadores e a (2) “intrínseca” guiando-se pelo reconhecimento, louvores, autonomia e realização pessoal e profissional (também estas consideradas como uma forma de recompensa). Esta teoria permitiu que se constatasse que as motivações extrínsecas têm efeitos a curto prazo levando o trabalhador a desvalorizar as intrínsecas. Jesus (idem), com base em investigações feitas neste âmbito, refere que os trabalhadores preferem as segundas. E prossegue acentuando que o salário não é o factor mais determinante na motivação dos trabalhadores, pois será sempre necessário o correspondente aumento. Dá, assim, mais importância a factores intrínsecos como autonomia, reconhecimento, participação nas tomadas de decisão, relações de trabalho, etc., e alerta para o mal-estar que podem criar os pagamentos por mérito. Este autor defende que para incentivar os “melhores” a escolherem uma determinada profissão, os salários têm de ser aumentados no início da carreira. A Eurydice (www.eurydice.org) revelou, num estudo comparativo realizado em 2003/2004, os salários dos professores na União Europeia onde se nota que os portugueses são os que ganham menos no início da carreira. No final só a Dinamarca, França e Itália é que apresentam menores valores. Sobressai ainda a amplitude de valores entre o salário no início e no final da carreira, onde os portugueses são os que apresentam um maior leque salarial. Esteve (in Nóvoa, 1991, p. 105) atribui uma importância repartida pelos dois tipos de motivação, embora não o refira com essa intenção, quando diz que: “se não se promoverem, em termos de salários (...) e se não se melhorar a sua imagem social, a batalha das reformas (...) será perdida por um exército desmoralizado”. Reforçando a tese da motivação extrínseca, Robbins (1996, cit. Seco, 2002, p. 56), diz que “o dinheiro é o (..) incentivo crucial para a motivação no trabalho”. Mas não nos podemos esquecer que o dinheiro não é percepcionado por todos da mesma forma, pois para uns pode significar segurança, para outros status social, etc. Lévy-Leboyer (cit. Jesus, 1996), dando uma imagem de cautelas quanto a generalizações, indica que a motivação é muito dependente do contexto socioeconómico. Um estudo comparativo entre professores japoneses e americanos (idem) revelou visões diferentes sobre a profissão: “viver para trabalhar” e “trabalhar para viver”, respectivamente. E continuando acrescenta que o desempenho nas actividades profissionais deixou de ter o valor que se lhe atribuía. Por outro lado, as actividades de lazer são crescentes. Deste modo, valoriza-se de sobremaneira este aspecto e tende-se a considerar a profissão como um meio de subsistência e de suporte para esse conforto. Warr (1982, cit. idem), num estudo que fez em Inglaterra, verificou que 67% dos professores deixariam de trabalhar se tivessem dinheiro que lhes assegurasse o resto da vida.
Antes de concluir, gostaria de salientar que “(...) um potencial professor mais motivado para a profissão docente é aquele que, já antes de ingressar no ensino superior, manifestava o desejo de ser professor” (idem, p. 360), acrescentando que “a falta de motivação (...) é um problema complexo, não existindo apenas uma solução genérica” (idem, p. 451).

Bibliografia referenciada
· JESUS, Saúl N. – Motivação e Formação de Professores. Coimbra: Quarteto Editora, 1996
· NÓVOA, António (org.) – Profissão Professores. Porto: Porto Editora, 1991
· SECO, Graça M. S. Batista – A Satisfação dos Professores – Teorias, Modelos e Evidências. Porto: Edições Asa, 2002

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)