A aventura da espécie humana deve-se em grande parte, à sua extraordinária capacidade de avaliação das situações, fazendo uso não só dos seus primitivos instintos de sobrevivência, mas também de outros equipamentos neurais ligados ao sistema límbico e neocortex. É neste sentido que interpreto a afirmação de Barbier (1999) quando este refere o carácter omnipresente da avaliação no campo da acção humana. Embora não constitua objectivo deste trabalho, seria interessante equacionar a capacidade avaliativa que o ser humano tem a nível das emoções (Goleman, 1995; Damásio, 1999, 2003) e o papel que desempenha sua formação como sapiens sapiens.
Com efeito, o homem, na sua relação com o universo das pessoas, coisas, situações, procura situar–se, compreender, optar, porque esta não é uma relação de indiferença (Morin, 1995). E é dessa relação que surge o mundo, uma construção interactiva e em permanente mudança que o homem frequentemente equaciona e interpela com o objectivo de melhor compreender a informação que pauta a sua existência; procura assim organizar o mundo, transformar a informação em conhecimento, a quantidade em qualidade; a riqueza e coerência deste (s) mundo (s) depende do processo avaliativo que lhe subjaz e essa coerência permitir-lhe-á elaborar um mundo - narrativa que se constitui como suporte de toda a sua acção transformadora.
Procedendo agora a uma aproximação metafórica ao conceito de avaliação (Tozzi, 1992), podemos afirmar que este está sobretudo associado às seguintes metáforas,
§ Lupa, enquanto busca (em profundidade) de evidências;
§ Lanterna uma vez que a avaliação permite trazer à consciência (iluminar) aspectos até então eventualmente ignorados;
§ Bússola, enquanto 'ferramenta' de orientação para a tomada de decisões.
Segundo Barbier (1999) devemos considerar a existência de três tipos de avaliação: a) avaliações implícitas, presentes em qualquer acto de percepção do outro; b) avaliações espontâneas sempre que emitimos uma mera opinião acerca de uma pessoa, coisa ou situação; c) avaliações instituídas ou intencionais, sempre que essa avaliação decorra de um plano previamente traçado de forma racional e do qual decorra uma observação sistemática de uma realidade, para daí produzir um juízo valorativo. Destas três formas de avaliação, apenas a última obedece a metodologias rigorosas de recolha e análise da informação, pelo que assumimos desde já que apenas esta - a avaliação instituída, nos interessa, considerando naturalmente a natureza do nosso trabalho. A avaliação assim entendida, supõe não só uma descrição de um estado ou propriedade daquilo que queremos avaliar (Elola, 2001), mas também uma interpretação valorativa, por parte do(s) interveniente(s) da avaliação, ou dos agentes que contratualizaram a avaliação.
Procurando precisar um pouco mais as ideias apresentadas e tendo em vista uma mais profunda compreensão deste conceito, podemos afirmar que o conceito de avaliação, ora é utilizado de forma tão ampla que é sinónimo de juízo de valor, cobrindo assim um vasto leque de acções humana, ora é reservado para designar uma operação muito específica com recurso a técnicas igualmente específicas; neste sentido, o juízo de valor que a caracteriza poderia dar lugar a formas de explicação relativamente variadas, fundamentando outras tantas formas de manifestação da avaliação em formação (Barbier, 1999):
1. Avaliação implícita: quando o juízo de valor se explicita através dos seus efeitos. Acto social universal (sempre que um sujeito reflecte acerca do valor daquilo que está a fazer; a resposta modifica cada uma das suas decisões. De forma geral a avaliação está implícita em qualquer acto ou percepção do outro, assim como em qualquer processo de acção; sinais de nojo ou interesse, de afecto ou medo, são por exemplo, sinais da capacidade avaliadora humana. Neste sentido a avaliação é omnipresente no campo da acção humana.
2. Avaliação espontânea: Quando o juízo de valor apenas é explicitado através do seu enunciado, da sua formulação, como é o caso quando manifestamos a nossa opinião acerca de uma actividade ou pessoa. Trata-se de uma forma de avaliação frequente, direccionada para dizer coisas boas ou más em relação a critérios raramente explicitados. Normalmente, não estão socialmente organizadas e aqueles que as emitem não estão avalizados para o fazer. Não são informais, mas parecem manifestar-se sem intermediário metodológico: conjunto de elementos fragmentários, incoerentes, eventualmente contraditórios, feitas a partir de múltiplos agentes. São consideradas subjectivas, mas desempenham um papel importante na determinação das políticas de formação: as decisões são muitas vezes tomadas depois de ouvidas opiniões diversas.
3. Avaliação instituída: Quando o juízo de valor se explicita em relação ao tipo de processo implementado, ou como resultado de um processo social específico e cujas primeiras etapas são susceptíveis de observação. Pode assim definir-se a sua produção como um acto deliberado e socialmente organizado dirigido a gerar juízos de valor e cujas características são:
§ Utiliza diversos instrumentos e metodologias cujo desenvolvimento é variável, embora sempre presente
§ Quem as promove são indivíduos socialmente aptos para a levar cabo e o seu papel está explicitamente reconhecido
§ Os resultados aos quais se chega são claramente explicitados na maioria dos casos a fim de poderem ser eventualmente utilizados noutros contextos. Em alguns casos esta avaliação reivindica um status científico, sobretudo com base na tecnologia que utiliza e cujos objectivos são: Objectivar e tomar como neutra essa avaliação, embora tal seja discutível, por assentar em critérios e objectivos eleitos.
A avaliação, enquadrada neste contexto sistémico, desempenha um papel fundamental; no entanto, se parece clara a existência de avaliações, quer implícitas e espontâneas, quer institucionais, também é possível perceber como grande parte dessas construções carecem de solidez avaliativa a um nível mais exigente (porque planificado e intencional) de uma avaliação instituída; no mundo da escola ainda não passámos pelo teste da avaliação da sua cultura avaliativa e esse é, do meu ponto de vista o desafio das próximas gerações: formar cidadão passa pela institucionalização de uma cultura consciente e ponderada de avaliação, pois só desta forma o cidadão pode fundamentar estratégias de mudança qualitativamente melhores, exigir dos decisores políticos essas mudanças, participar nelas, num verdadeiro exercício de cidadania. Parece então que a avaliação está ao serviço de uma melhor adaptação a um espaço cada vez mais planificado e urbano.
Podemos então concluir que:
§ Na vida quotidiana, avaliamos e somos avaliados em permanência; avaliar supõe portanto um processo;
§ Ao longo da vida, ou melhor, na nossa interacção avaliativa, somos levados a ajuizar, a emitir pareceres, a ponderar prós e contras, a decidir;
§ A avaliação é então um processo em que, face a situações diversas do dia-a-dia, valoramos e tomamos decisões a partir de uma ponderação de razões;
§ Avaliar é também sinónimo de preferir; de facto, as nossas decisões têm por base preferências racionais;
§ Parece claro também que ao preferir racionalmente, estamos a inferir, isto é, a estabelecer uma relação entre juízos e a concluir racionalmente (formulando assim um raciocínio).
§ Assim, de um ponto de vista mais técnico, avaliar também significa também aferir, certificar;
§ Está ainda associada a uma busca de evidências que sustentem um argumento, num contexto dialógico e relacional;
§ De um ponto de vista antropológico, avaliar ou valorar significa apreciar de forma holística;
Bibliografia:
Barbier, J-C (1999). Inter-Governmental Evaluation: Balancing Stakeholders’ Expectations with Enlightenment Objectives. www.evi.sagepub.com
Damásio , A (1999). O Sentimento de Si. Publicações Europa –América. Lisboa
Damásio , A (2003) . Ao Encontro de Espinoza. Publicações Europa –América. Lisboa
Elola, N. ( 2001). Évaluación Educativa: uma aproximación conceptual. Material policopiado
Goleman, D. (1995). Inteligência Emocional. Temas e Debates. Lisboa
Morin, E (1995). Um Ano de Sísifo. Publicações Europa –América. Lisboa
Tozzi, M (1992). Apprendre à Philosopher dans les lycées d’aujourd’hui. Hachette Education. Paris
Isilda Silva (Maio-2008)