(AO) “Professores para quê?”

Um relato sobre a “gramática” dos cursos profissionais (1)

A motivação para a elaboração deste texto surgiu numa das reuniões semanais da equipa pedagógica de um curso educação formação (CEF) onde se escreveu pouco na acta mas muito se falou sobre a problemática destes trajectos. Surgiram propostas e ideias muito válidas por parte dos membros da assembleia (pena que não sejam ouvidas pelos legisladores e/ou inventores destes cursos dando ideia que só são escutadas as vindas dos que nunca os leccionaram).
Os cursos profissionais da escola pública, onde os alunos não podem ser seleccionados, pelo contrário, são convidados a inscreverem-se pelos professores (que só deste modo, estes, asseguram o seu emprego), são frequentados por aqueles que não têm aproveitamento no ensino dito normal e não pelos que têm vocação para a área profissional a que se “candidataram”. Os formandos vêem assim uma escapatória para obter uma acreditação que dificilmente a conseguiriam de outro modo. Entendendo-se esta saída como necessária, e até útil dado o actual panorama da nossa atribulada sociedade, deveria ser, pelo menos, sujeita a uma seriação através de testes psicotécnicos reais (notem: psico+técnicos e reais) de acordo com a especificidade do curso, pois podem até existir incompatibilidades de vária ordem incluindo as físicas (por exemplo: um daltónico não pode ser electricista – parece-me). Estes alunos com graves carências, seja porque motivo for, a nível cognitivo provocando, sobretudo por esta razão, maus comportamentos na sala de aula, deveriam frequentar um curso muito mais prático num contexto real de trabalho com as sessões lectivas a serem reduzidas a não mais do que metade do tempo disponível. Apesar de tudo, e não havendo outra solução, reconheço que a “cultura de escola” que esses alunos adquirem é mais válida e necessária do que a “cultura de rua” a que estariam destinados. Mas esta mais valia não pode ser criada à custa da colocação dos professores no pelourinho, como muitos têm comparado.
Considerando-se que a “formação” vive da experiência profissional do formador, a “educação” das relações sociais dominantes e a “instrução” do currículo académico do professor, pergunta-se então: “professores para quê” nos cursos profissionais? Parece-me que estes alunos deveriam ser formados por profissionais no activo, educados por psicólogos/sociólogos e reservar a parte da componente instrução para os professores. É que estamos a falar de “cursos educação formação” e de “cursos profissionais” (releiam por favor o nome dos cursos: “educação formação” e “profissionais”). O professor, limitadíssimo que está na acumulação de trabalhos na sua especialidade em outros locais, fica, deste modo, com fraco know how sobre a realidade das empresas e não será a pessoa mais indicada para formar alunos deste tipo(2).
Os critérios de avaliação usados são aparentemente rígidos mas duma volatilidade enervante. As grelhas preenchem-se com um rigor subtil de forma a que, no final, façamos todos um bom trabalho, sem chatices. Parece que pairam no ar pressões e indicações vindas de muitos lados quase que nos obrigando a seguir um caminho facilitista sobrevalorizando-se a componente sócio-afectiva em detrimento da técnico-científica. E se “cairmos na asneira” de seguir outro trilho, só nos resta uma alternativa: problemas e trabalhos não reconhecidos fora do nosso horário normal, ou seja, reposição de aulas e elaboração/correcção/vigilância de “exames” sem qualquer compensação. A profissionalidade, que tanto se fala, deve passar pela validação, pela responsabilidade e pelo respectivo pagamento do correspondente trabalho (extra, neste caso). Dá ideia que continuamos com um espírito missionário que caracterizou esta profissão mas que não se adequa, de modo algum, aos tempos competitivos de hoje.
O que nós temos andado a fazer com este exagerado paradigma educacional não é mais do que perpetuar as diferenças. Provavelmente iremos ter resultados “fantásticos” daqui a uns anos, ou seja, teremos um número elevado de diplomados mas um número irrisório destes profissionais certificados no activo.

(1) O título e o termo “gramática” foram “roubados” a António Teodoro em “Professores, para quê? Mudanças e Desafios na Profissão Docente” (Profedições, 2006).
(2) Aconteceu por exemplo, numa recente visita de estudo a uma fábrica, ficar admirado com uns quadros eléctricos que tinham um aspecto moderníssimo (sou professor de electrotecnia). Verifiquei, depois de cometer uma monumental gaffe, que se tratavam de armários para os operários colocarem os seus haveres.

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)