(AO) Analfabeto? Eu!? (2)

Continuação da colagem à politica educativa no que respeita ao reconhecimento e validação de competências

Tenho recebido vários mail´s com “piadolas” relativamente à facilidade com que se obtém actualmente uma acreditação académica. Ora bem! Comecemos pelos cursos superiores. “Lá fora” também são de 3 anos. Porque razão chegará para “eles” e não chega para nós? Não nos esqueçamos que antes dos 3 anos existem 12 anos de escolaridade perfazendo um total de 15 anos de estudos para se obter uma acreditação superior. Sabemos que há 30 anos (e mais) não seria preciso tanto tempo para se ser “senhor doutor” com a pompa e ostentação que, felizmente, já não existe.
Prosseguindo: parece-me que qualquer cidadão que prove possuir as competências dum determinado currículo lhe deve ser passado, sem qualquer tipo de receio, a correspondente certificação académica mesmo sem frequência de aulas. Todos conhecemos pessoas com uma cultura invejável (sobretudo as mais velhas com uma grande experiência profissional) e que, por razões de vária ordem, não tiveram a frequência escolar correspondente. E todos conhecemos pessoas que tiveram uma regular frequência escolar e pouco demonstram saber (sobretudo os mais novos). Seria uma injustiça as primeiras serem obrigadas a percorrer todos os degraus da escola, com o actual ritmo de vida existente, para obter a certificação que justificam e merecem.
Este sistema de reconhecimento e validação de competência permite também melhorar as estatísticas que são apontadas, injustamente pelos críticos, como sendo a única razão da sua existência. Será de toda a justiça reconhecer que agora existem muitos mais meios de aprendizagem além da escola. A escola já não tem o monopólio do saber e tem também uma concorrência sem paralelo, a começar pela internet e pelo acesso facilitado às publicações científicas. E, sabemos ainda, que temos muitos professores (onde eu me incluo) que não acompanharam esta evolução tecnológica com a formação que seria desejável para poder fazer face a um novo paradigma tecnológico com a correspondente exigência dos alunos e da sua grande receptividade a este modelo. Assim, quando se diz que os “portugueses querem aprender mais”, não é de todo verdade, pois parece-me que não é este o motivo principal que os leva a inscrever-se nestes programas. Neste seguimento, também não concordo com a actual designação de alguns cursos como, por exemplo, Educação e Formação de Adultos (EFA), pois o candidato a uma certificação não vai ser formado (numa perspectiva profissional) nem, muito menos, receber educação (numa perspectiva de um melhor conhecimento das regras gerais de cidadania). Poderá, quando muito, receber alguma instrução escolar e desejar que lhe atribuam o “canudo”.
Como já referi num dos textos anteriores citando António Teodoro, que por sua vez cita Durkheim, a escola tem duas funções gerais: a socialização e a acreditação. Sendo assim um cidadão integrado com um normal sucesso na sociedade e no seu local de trabalho, não necessitará que o socializem. Só precisará que a escola lhe atribua um certificado que comprove os conhecimentos que adquiriu com a sua experiência profissional. E esta certificação tem vantagens a todos os níveis que vão muito para lá da melhoria das estatísticas: mais valorização cultural, mais confiança, mais receptividade à mudança, mais dignidade, mais segurança no que respeita à continuidade cultural dos descendentes, mais estatuto social, mais igualdade, mais destreza, mais desenvolvimento económico, …
Todos, sem excepção, adquirem ao logo de uma vida conhecimentos únicos que poderão e deverão ser validados. E não há mal nenhum em sermos todos “doutores”. Quem se incomodará?

Luís Filipe Firmino Ricardo (2008)