[Aprendizagem pela descoberta vs instrução directa]
Nas últimas semanas, tive de ir algumas vezes a uma rua esconsa do Bairro Alto. Na primeira vez que atravessei a pé o emaranhado de ruas, fiz vários erros. Fui tacteando, e só após algumas voltas dei com o lugar. Da segunda, mal confiado na minha experiência e na minha intuição de lisboeta, voltei a errar e só dei com o sítio após várias tentativas inúteis. À terceira, explicaram-me o caminho das pedras: à esquerda aqui e à direita ali. Não voltei a enganar-me.
As minhas primeiras voltas constituíram uma aprendizagem pela descoberta. Não foram muito eficazes. No final, por instrução directa, memorizei um caminho óptimo e não voltei a falhar. Talvez, se tivesse continuado a procurar às apalpadelas, tivesse conseguido encontrar esse caminho óptimo. Mas o processo teria sido muito ineficiente.
Lembrei-me das minhas deambulações pelo Bairro Alto ao ler um artigo científico acabado de sair na revista 'Cognitive Development' (nº 23, págs. 488-511). Os investigadores que assinam o trabalho, Mari Strand-Cary e David Klahr, do Departamento de Psicologia da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, comparam a eficácia de dois processos de aprendizagem que estão no cerne de uma velha polémica pedagógica: a aprendizagem pela descoberta e a instrução directa.
O filósofo suíço Jean Piaget, um dos defensores da aprendizagem pela descoberta, dizia, por exemplo, que, "cada vez que se ensina prematuramente a uma criança algo que ela poderia ter descoberto por si, ela fica impedida de a inventar e, por isso, de a compreender completamente". Várias teorias pedagógicas levaram ao extremo esta ideia, condenando a instrução directa como nociva para a verdadeira aprendizagem e para a criatividade infantil. Mais modernamente, muitos estudos vieram moderar este ponto de vista, preconizando uma mistura da redescoberta activa, guiada pelo professor, com a instrução directa.
Os investigadores de Carnegie Mellon atacaram o problema de frente. Estudaram os efeitos dos dois métodos pedagógicos em algumas dezenas de estudantes dos primeiros anos de escolaridade. O objectivo foi ensinar um processo de controlo de variáveis em experimentação científica elementar, portanto algo central ao desenvolvimento do espírito crítico. Em causa estava a capacidade de distinguir duas variáveis (tipo de superfície e inclinação) no estudo da aceleração de esferas num plano inclinado.
As conclusões do estudo, que vêm confirmar estudos semelhantes feitos nos últimos anos, são reveladoras. A percentagem de sucesso das crianças sujeitas a instrução directa é muito maior que a das crianças entregues a um processo de aprendizagem pela descoberta. Essa percentagem, que depende das medidas utilizadas, chega a ser três vezes superior no primeiro grupo.
Os investigadores procuraram ainda saber como as crianças tinham assimilado a técnica de separação de variáveis e reavaliaram-nas várias vezes mais tarde (uma semana, três meses e três anos). A conclusão é de novo curiosa: não importa o método de ensino, as crianças que apreenderam o método por instrução directa são tão capazes de o aplicar em situações novas como as que o descobriram por si. O ensino directo não parece ser inimigo da criatividade nem do pensamento independente.
Da próxima vez que procurar uma rua no Bairro Alto, vou pedir que me ensinem o caminho.
Nuno Crato (Dez-2008)