Já alguém lhe chamou a “torrente legislativa” do Ministério da Educação, e como todas as torrentes arrasta consigo tudo em que toca, não sendo aqui os alunos uma excepção! Talvez por se encontrar envolvida nesta volumosa corrente, a Lei 3/2008 - o Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário - não tem suscitado neste momento a atenção dos media e, estranhamente na minha opinião, nem mesmo das associações de pais. É preocupante que dela não se fale, nem que o artigo 22º nela contido não seja alvo de análise!
Diz número 2 do referido artigo que “sempre que um aluno, independentemente da natureza das faltas, atinja um número total de faltas correspondente a três semanas no 1.º ciclo do ensino básico, ou ao triplo de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos no ensino básico, no ensino secundário e no ensino recorrente, ou, tratando-se, exclusivamente, de faltas injustificadas, duas semanas no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos e níveis de ensino, deve realizar, logo que avaliados os efeitos da aplicação das medidas correctivas referidas no número anterior, uma prova de recuperação, na disciplina ou disciplinas em que ultrapassou aquele limite, competindo ao conselho pedagógico fixar os termos dessa realização”.
É certo que neste País quase sempre se aceitavam as justificações dos pais sem grandes questões, que meninos havia que viam os seus longos sonos e faltas de vontade premiados com umas boas justificações de “dores de barriga e afins” e que urgia terminar com tais logros…de que eram cúmplices pais, professores e outros profissionais bem intencionados. Mas, como de boas intenções sempre o inferno esteve cheio…
No entanto este artigo levanta algo mais complexo – por um lado começa por penalizar todos aqueles que faltam justificadamente. Por doença, mesmo que infecto-contagiosa, internamento hospitalar por morte de familiar, enfim…! Mas não percamos a esperança, pois, depois dessas infelizes circunstâncias vai o aluno poder mostrar o que vale numa prova de recuperação.
Mas, o que oferece a escola de forma a proporcionar essa recuperação? Que apoio lhe é fornecido? E isto porque acredito que, ao se verificarem circunstâncias de tal índole, não irá nenhum Conselho de Turma aplicar as medidas correctivas que estão também previstas no artigo 26º. Assim as medidas a aplicar ficarão apenas pela execução da referida prova nas disciplinas em que seja requerida.
A escola não oferece, pouco ou nada tem para oferecer. Apoios para poucos, salas de estudo inexistentes, apenas em algumas disciplinas….todos conhecemos estes factos. Estes alunos não serão também os nossos filhos?...
Mas, o mais inquietante não fica por aqui. Este artigo levanta outras questões, coisinhas de pouca monta como por exemplo as referentes às (esquecidas) áreas curriculares não disciplinares.
Sem programa formal nem conteúdos a leccionar, levanta-se a questão da execução do teste de recuperação a aplicar a estes alunos, “de forma a permitir com a aprovação do aluno na prova prevista no n.º 2 ou naquela a que se refere a alínea a) do n.º 3, que o mesmo retome o seu percurso escolar normal, sem prejuízo do que vier a ser decidido pela escola, em termos estritamente administrativos, relativamente ao número de faltas consideradas injustificadas”. Pois bem nestas áreas a situação a situação está longe de ser resolvida, dada a impossibilidade de realização da dita prova… e, está bem claro que ainda não se percebeu bem o impacto de tais medidas no dia a dia escolar, deixem-me refrasear, no dia e noite escolar. Sim porque depois de substituições, reuniões, planificações e, enfim um período normal de aulas diárias – ainda conseguimos fazer isso – teremos pela frente um sem fim de reuniões para decidir sanções disciplinares, realização de testes, medidas a tomar após os testes, decidir sobre a justificação das referidas faltas….
Enfim, será que alguém pensou se tal seria humanamente exequível?
M. Manuela Gomes
Professora do Grupo 520
(AO) “Artigo 22º ”
Uma análise crítica ao Artº 22 do Estatuto do Aluno