Recensão do artigo "Supervisão como um “TEAR”: Estratégias emergentes de “andaimação” definidas por supervisoras e supervisionadas" de Teresa Vasconcelos, publicado na Revista da Educação, Vol. XV, nº 2, 2007 5-26
(i) Objecto Central
Este artigo de Vasconcelos (2007) apresenta como objecto central a descrição dos modos de exercer a prática da Supervisão Pedagógica em três centros para a infância da zona de Lisboa. Define e aprofunda o conceito de “scaffolding” ligando-o à emergência de novas estratégias perante a praxis, ou seja, perante a prática supervisiva. Através das perspetivas dos diretamente envolvidos no processo supervisivo a autora recorre também à evolução e à emergência das teorias da supervisão podendo-se considerar este trabalho como um útil apontamento sobre o tema geral da Supervisão Pedagógica, pois atravessa os seus campos (administração, educação e suporte) e contempla as suas três principais ações (observar, orientar e avaliar) encaminhando-nos assim para diferentes cenários perante a praxis.
(ii) Organização e estrutura
O artigo inicia-se com uma introdução onde aborda o objectivo principal do trabalho. Parece-me claramente que o transcende uma vez que apresenta várias análises sobre o tema geral da Supervisão Pedagógica consubstanciado por uma fundamentação teórica muito forte. Explica também, nesta introdução, a metodologia usada no estudo, aliás, reforçada mais à frente com um capítulo intitulado “O estudo” onde desenvolve mais pormenorizadamente a forma como foi realizado.
Recorre constantemente à delimitação de conceitos duma forma simples e objectiva como, por exemplo, “scaffolding”, “andaimação”, “moldagem de comportamento”, “focus group”, “estruturas profundas”, “meta-burocracia”, “supervisor reflexivo”, entre outros.
Estruturalmente não existe uma divisão clara entre a fundamentação teórica e o estudo realizado. Estes decorrem em simultâneo notando-se que a análise de conteúdo das entrevistas realizadas misturam-se com inúmeras citações dos diversos autores. Neste campo a autora parece-me que está muito bem suportada pela apresentação da sua extensa bibliografia com referência a 53 obras e 38 autores (não contando com os autores de algumas inspirações/citações de caráter poético) como, por exemplo, Alarcão & Tavares (1987, 2003), Bolívar (1997), Cortesão (1991), Sá-Chaves (2007, 2000, 2002, 2003), Silva & Dana (2001), Smith (2004), Tavares (1993) ou Zeichner (1993).
Depois de ter dedicado um capítulo às “Perspectivas Teóricas” surge um intitulado “Os Grandes Princípios Emergentes de Supervisão” que domina praticamente todo o trabalho com alusões constantes à análise das entrevistas realizadas. Pode dizer-se que o resultado da análise de conteúdo das entrevistas realizadas foi a inspiração para o surgimento destes princípios.
No final surgem as “Considerações Finais” que me pareceram um pouco pobres face à importância e aos relevos do trabalho apresentado. A conclusão foi reduzida praticamente a uma única frase levando-nos no entanto, através das inúmeras metáforas (uma constante em todo o trabalho), a refletir sobre toda a problemática da Supervisão Pedagógica e concretamente sobre os diferentes modos de exercer a praxis.
O “Resumo” apresentado no final (depois da bibliografia) também me pareceu um pouco desadequado incidindo somente sobre o objetivo principal do trabalho mas que nitidamente, como já referi, se retiram outros no decorrer do texto.
(iii) Linha orientadora de desenvolvimento
As inúmeras metáforas dominam o estilo linguístico. É realçado o “poder iluminante da metáfora” (p.9) além de outras considerações chamando-lhes até “estrutura conceptual” (p.9) e “instrumento de análise no paradigma qualitativo de investigação” (p.9). O próprio título do artigo carrega uma metáfora ao comparar-se a complexidade do processo supervisivo aos enredos de um tear.
A autora usou uma técnica de entrevistas em grupo às supervisionadas (ou supervisandas, como lhes chama) chamada “focus group”. Utilizou também entrevistas semi-diretivas duma forma separada às supervisoras (3 diretoras dos centros) e supervisionadas (um número não referido de educadoras). A posição do investigador, como refere, é dentro duma postura etnográfica mas não me parece que se possa chamar ao estudo como sendo uma investigação etnográfica uma vez que ficou muito aquém do que se entende por estudos etnográficos aplicados à investigação em educação[1].
O artigo aborda os vários conceitos relacionados com Supervisão Pedagógica tendo como suporte vários autores reconhecidos. Aliás, dentro dos artigos que li sobre o tema, este é o que recorre mais à consolidação das bases teóricas através de inúmeras citações que me parecem muito a propósito com a matéria desenvolvida.
(iv) Contributos recebidos e transmitidos (ou projetados)
Neste artigo pode-se constatar a “grandeza” do conceito Supervisão Pedagógica ao enquadrar-se perfeitamente também à profissão de educador. Este estudo aos centros de infância é visto assim como um contexto normal para a aplicação da teoria e prática da Supervisão Pedagógica. Neste sentido parece-me que numa perspetiva geral o conceito poder-se-á aplicar a todos os trabalhos/profissões inseridos num modelo organizativo do tipo burocrático profissional[2].
O termo “scaffolding”, dentro da importância atribuída às metáforas, surge como uma útil ferramenta para se entender melhor o processo supervisivo uma vez que reflete muito bem a necessidade de se irem colocando suportes (andaimes) aos supervisionados. Este conceito contrapõe-se ao de “moldagem do comportamento” uma vez que este sugere uma simplificação das tarefas ao contrário do primeiro que aponta no sentido de ajudar o supervisionado na construção de suportes para, numa atitude construtivista, ir construindo o seu próprio caminho. A estratégia de scaffolding procura assim levar os supervisionados a auto supervisionarem-se através da procura do conhecimento e consequentemente de um melhor desempenho. Estamos então aqui a falar de áreas inseridas no campo da supervisão do “suporte”.
Reconhece-se que na estrutura de uma organização escolar a linha hierárquica é composta por membros que a solidificam. Nas funções do supervisor exaltadas no artigo incluem-se essas “agarras” remetendo-nos para campos da supervisão como o da “administração” e do “suporte”.
Na sequência da investigação a autora reconhece que surgiram novos “termos emergentes (…) com base na evidência dos discursos das entrevistas” (p.6). Nas conversas com os entrevistados surgiram assim contributos para os trabalhos futuros da autora através de notas vocabulares relacionados com Supervisão Pedagógica como, por exemplo, liderança, relações humanas, e administração resultando, como refere a autora, em “grandes princípios de supervisão” (p.8).
(v) Legado deixado
Além de sobressair a utilidade da Supervisão Pedagógica, assumida pelos diretamente ligados ao processo supervisivo e pelos autores que consubstanciam o artigo, destaca-se também o interesse da aplicação do scaffolding tendo como consequência o surgimento da auto-supervisão após todos os andaimes estarem montados. A autora introduz esta metáfora no sentido de suporte do supervisionado (como foi referido) acrescentando que poderão ser retirados gradualmente após a interiorização dos procedimentos por parte do supervisionado. Parece-me assim que na escola em geral, os professores no topo de carreira que tivessem sido alvo de um processo supervisivo poderiam ser dispensados das ajudas (andaimes), uma vez que já percorreram todo o processo, devendo-se aproveitar a sua experiência com a devida formação para ajudar a montar andaimes a colegas menos experientes. Neste seguimento, poderemos concluir que não será muito apropriado aplicar o processo supervisivo a um professor no topo da carreira.
Curiosa é a expressão apresentada pela autora, bem na linha do que se entende com o “ser professor” e de toda a problemática educativa, ao chamar “arte” à função supervisiva. Diria que de facto a Supervisão terá uma componente nessa área mas não me parece que seja de todo a mais preponderante. Alerta no entanto para a natureza humana que a Supervisão Pedagógica deve conter a par de uma especificidade técnica.
Do estudo em análise surgem assim vários “princípios emergentes de supervisão” enfatizando-se a importância das pessoas no processo, da qualidade pedagógica e do projeto e alerta-se para a irracionalidade que a burocracia carrega na perspetiva dos supervisionados.
(vi) Importância (significado) para as teorias da Supervisão
Importa definir aqui um conceito abrangente de “teoria”. Não o escalpelizar mas sim apresentar uma breve definição de modo a clarificar o desenvolvimento deste capítulo. Assim, “teoria integra um conjunto de ideias que referenciam um suporte e se tornam numa âncora especulativa, visando sustentar a prática”[3]. Diria, então, que teoria poderá ser considerada como o conhecimento que serve de base às previsões sendo composta por factos comprovados aceites pela comunidade científica. Poderíamos definir também “conhecimento” e alertar que não deveremos confundi-lo com “conhecer”, ou com “reconhecer”, ou com “reconhecimento”, ou analisar a sua fenomenologia, ou as suas formas,… mas penso não ser este o objecto deste trabalho[4]. De qualquer forma a autora também apresenta uma delimitação muito clara definindo conhecimento como “uma actividade social gerada através de um processo de negociação e consenso” (p.7).
Segundo o artigo, o conceito de Supervisão Pedagógica foi introduzido na educação em Portugal por Alarcão & Tavares em 1987 numa perspetiva clínica[5] e debruçava-se sobretudo sobre o desenvolvimento humano e profissional. Seguidamente Cortesão (1991), apoiado em Smith (1988), salienta a necessidade da partilha de experiências e reflexos entre os professores, mudando assim, de certa forma, o entendimento da Supervisão Pedagógica aplicada às escolas portuguesas. Surge depois Sá-Chaves (2000) alargando a teoria anterior ao incluir outros contributos no conceito não se resignando à simples ideia da transmissão dos conhecimentos entre o supervisor e supervisionado. Alarcão & Tavares (2003) aparecem de novo com uma revisão da sua primeira obra (1987) estendendo mais o conceito a toda a dinâmica da Escola criando-se novos termos como “escola reflexiva” e “instituição aprendente”.
Deste modo parecem-me evidentes as semelhanças destas teorias perante a praxis já que na sua essência os autores estão de acordo mas as diferenças também ressaltam através da evolução do conceito ao acrescentarem-se novas ideias fazendo com que a área das acções supervisivas perante a praxis tenha aumentado ao longo dos anos tornando-se mais abrangente, mais complexa e também mais humana. Ou seja, o conjunto de ideias sobre a supervisão pedagógica foi-se modificando, devido, também e provavelmente, às alterações dos paradigmas educacionais e consequentemente socioculturais (ou vice-versa), sustentando vários cenários de exercer a prática. Estamos assim perante várias teorias com muitas semelhanças mas também com muitas diferenças.
Dentro dos “grandes princípios emergentes de supervisão” que a autora enfatiza denota-se que a teoria tem evoluído num sentido mais humano, ao salientar, por exemplo, dois dos princípios que refere: “pessoas no centro” e “gerir com as pessoas”. A perspetiva de empowerment e a preocupação em saber como as pessoas se sentem em vez de se tentar saber o que as pessoas fazem estão bem presentes nestes dois cenários. A par destas áreas nota-se também a influência do campo da administração ao identificar princípios como “meta-gerir a burocracia” (considerada aqui como algo depreciativa, não se referindo a sua extrema necessidade em sociedades democráticas) e, ainda, a influência do campo da educação nos princípios da “qualidade pedagógica” e do “sentido de projecto”. Este último surgindo como um vislumbre sobre o futuro numa postura reflexiva onde são incluídas as atitudes de “abertura de espírito, responsabilidade e entusiasmo” (p.13).
A importância para as teorias de supervisão que ressalta com o conceito de scaffolding parece-me um excelente indicador para a praxis uma vez que aponta para um resultado mais eficaz. Refere a autora que o supervisor deixa de ser necessário após a cimentação de todo o conhecimento necessário no supervisionado[6]. Aplicar o conceito de scaffolding implica uma cooperação a todos os níveis nos campos gerais de supervisão e nas suas ações principais.
Neste seguimento, surge também um outro conceito relacionado introduzido duma forma metafórica: a “Mesa Grande”. Nesta mesa devem sentar-se, segundo a autora, todos os intervenientes no processo ensino-aprendizagem, onde se incluem todos os representantes da chamada comunidade educativa, numa postura dialógica no sentido de uma melhor montagem dos andaimes.
Concluiria esta minha reflexão com uma ideia da Professora Doutora Ana Benavente quando disse que conhecemos melhor o que temos de fazer do que a forma de como o fazer.
[1] A este propósito ver, por exemplo, a “pequena” obra do Professor Doutor Pedro Silva: Silva, P. (2003). Etnografia e Educação. Reflexões a Propósito de uma Pesquisa Sociológica. Porto: Profedições.
[2] Tal como Henry Mintzberg o define no livro: Mintzberg, H. (1999). Estrutura e Dinâmica das Organizações. Alfragide: Publicações D. Quixote.
[3] Referido pela Professora Doutora Ivone Gaspar (Universidade Aberta) numa das suas indicações no âmbito do seminário das Teorias e Métodos de Supervisão Pedagógica (2010-2011) do 3º ciclo de estudos.
[4] A este propósito ver a obra: Patrício & Sebastião (2004). Conhecimento do Mundo Social e da Vida – Passos para uma Pedagogia de Sageza. Lisboa: Universidade Aberta.
[5] O presente artigo não define claramente essa perspetiva mas Alarcão & Tavares (1987) referem-se a acções direcionadas para a sala de aulas. Ver: Alarcão, I, & Tavares, J. (1987). Supervisão da Prática Pedagógica – Uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Livraria Almedina
[6] Outros autores referem este efeito, ver: Leal & Henning (2009). Do Exame da Supervisão ao Autoexame dos Professores: estratégias de regulação do trabalho docente na Supervisão Escolar. Brasil: Revista Currículo sem Fronteiras, v.9, n.1, pp.251-266.
Este artigo de Vasconcelos (2007) apresenta como objecto central a descrição dos modos de exercer a prática da Supervisão Pedagógica em três centros para a infância da zona de Lisboa. Define e aprofunda o conceito de “scaffolding” ligando-o à emergência de novas estratégias perante a praxis, ou seja, perante a prática supervisiva. Através das perspetivas dos diretamente envolvidos no processo supervisivo a autora recorre também à evolução e à emergência das teorias da supervisão podendo-se considerar este trabalho como um útil apontamento sobre o tema geral da Supervisão Pedagógica, pois atravessa os seus campos (administração, educação e suporte) e contempla as suas três principais ações (observar, orientar e avaliar) encaminhando-nos assim para diferentes cenários perante a praxis.
(ii) Organização e estrutura
O artigo inicia-se com uma introdução onde aborda o objectivo principal do trabalho. Parece-me claramente que o transcende uma vez que apresenta várias análises sobre o tema geral da Supervisão Pedagógica consubstanciado por uma fundamentação teórica muito forte. Explica também, nesta introdução, a metodologia usada no estudo, aliás, reforçada mais à frente com um capítulo intitulado “O estudo” onde desenvolve mais pormenorizadamente a forma como foi realizado.
Recorre constantemente à delimitação de conceitos duma forma simples e objectiva como, por exemplo, “scaffolding”, “andaimação”, “moldagem de comportamento”, “focus group”, “estruturas profundas”, “meta-burocracia”, “supervisor reflexivo”, entre outros.
Estruturalmente não existe uma divisão clara entre a fundamentação teórica e o estudo realizado. Estes decorrem em simultâneo notando-se que a análise de conteúdo das entrevistas realizadas misturam-se com inúmeras citações dos diversos autores. Neste campo a autora parece-me que está muito bem suportada pela apresentação da sua extensa bibliografia com referência a 53 obras e 38 autores (não contando com os autores de algumas inspirações/citações de caráter poético) como, por exemplo, Alarcão & Tavares (1987, 2003), Bolívar (1997), Cortesão (1991), Sá-Chaves (2007, 2000, 2002, 2003), Silva & Dana (2001), Smith (2004), Tavares (1993) ou Zeichner (1993).
Depois de ter dedicado um capítulo às “Perspectivas Teóricas” surge um intitulado “Os Grandes Princípios Emergentes de Supervisão” que domina praticamente todo o trabalho com alusões constantes à análise das entrevistas realizadas. Pode dizer-se que o resultado da análise de conteúdo das entrevistas realizadas foi a inspiração para o surgimento destes princípios.
No final surgem as “Considerações Finais” que me pareceram um pouco pobres face à importância e aos relevos do trabalho apresentado. A conclusão foi reduzida praticamente a uma única frase levando-nos no entanto, através das inúmeras metáforas (uma constante em todo o trabalho), a refletir sobre toda a problemática da Supervisão Pedagógica e concretamente sobre os diferentes modos de exercer a praxis.
O “Resumo” apresentado no final (depois da bibliografia) também me pareceu um pouco desadequado incidindo somente sobre o objetivo principal do trabalho mas que nitidamente, como já referi, se retiram outros no decorrer do texto.
(iii) Linha orientadora de desenvolvimento
As inúmeras metáforas dominam o estilo linguístico. É realçado o “poder iluminante da metáfora” (p.9) além de outras considerações chamando-lhes até “estrutura conceptual” (p.9) e “instrumento de análise no paradigma qualitativo de investigação” (p.9). O próprio título do artigo carrega uma metáfora ao comparar-se a complexidade do processo supervisivo aos enredos de um tear.
A autora usou uma técnica de entrevistas em grupo às supervisionadas (ou supervisandas, como lhes chama) chamada “focus group”. Utilizou também entrevistas semi-diretivas duma forma separada às supervisoras (3 diretoras dos centros) e supervisionadas (um número não referido de educadoras). A posição do investigador, como refere, é dentro duma postura etnográfica mas não me parece que se possa chamar ao estudo como sendo uma investigação etnográfica uma vez que ficou muito aquém do que se entende por estudos etnográficos aplicados à investigação em educação[1].
O artigo aborda os vários conceitos relacionados com Supervisão Pedagógica tendo como suporte vários autores reconhecidos. Aliás, dentro dos artigos que li sobre o tema, este é o que recorre mais à consolidação das bases teóricas através de inúmeras citações que me parecem muito a propósito com a matéria desenvolvida.
(iv) Contributos recebidos e transmitidos (ou projetados)
Neste artigo pode-se constatar a “grandeza” do conceito Supervisão Pedagógica ao enquadrar-se perfeitamente também à profissão de educador. Este estudo aos centros de infância é visto assim como um contexto normal para a aplicação da teoria e prática da Supervisão Pedagógica. Neste sentido parece-me que numa perspetiva geral o conceito poder-se-á aplicar a todos os trabalhos/profissões inseridos num modelo organizativo do tipo burocrático profissional[2].
O termo “scaffolding”, dentro da importância atribuída às metáforas, surge como uma útil ferramenta para se entender melhor o processo supervisivo uma vez que reflete muito bem a necessidade de se irem colocando suportes (andaimes) aos supervisionados. Este conceito contrapõe-se ao de “moldagem do comportamento” uma vez que este sugere uma simplificação das tarefas ao contrário do primeiro que aponta no sentido de ajudar o supervisionado na construção de suportes para, numa atitude construtivista, ir construindo o seu próprio caminho. A estratégia de scaffolding procura assim levar os supervisionados a auto supervisionarem-se através da procura do conhecimento e consequentemente de um melhor desempenho. Estamos então aqui a falar de áreas inseridas no campo da supervisão do “suporte”.
Reconhece-se que na estrutura de uma organização escolar a linha hierárquica é composta por membros que a solidificam. Nas funções do supervisor exaltadas no artigo incluem-se essas “agarras” remetendo-nos para campos da supervisão como o da “administração” e do “suporte”.
Na sequência da investigação a autora reconhece que surgiram novos “termos emergentes (…) com base na evidência dos discursos das entrevistas” (p.6). Nas conversas com os entrevistados surgiram assim contributos para os trabalhos futuros da autora através de notas vocabulares relacionados com Supervisão Pedagógica como, por exemplo, liderança, relações humanas, e administração resultando, como refere a autora, em “grandes princípios de supervisão” (p.8).
(v) Legado deixado
Além de sobressair a utilidade da Supervisão Pedagógica, assumida pelos diretamente ligados ao processo supervisivo e pelos autores que consubstanciam o artigo, destaca-se também o interesse da aplicação do scaffolding tendo como consequência o surgimento da auto-supervisão após todos os andaimes estarem montados. A autora introduz esta metáfora no sentido de suporte do supervisionado (como foi referido) acrescentando que poderão ser retirados gradualmente após a interiorização dos procedimentos por parte do supervisionado. Parece-me assim que na escola em geral, os professores no topo de carreira que tivessem sido alvo de um processo supervisivo poderiam ser dispensados das ajudas (andaimes), uma vez que já percorreram todo o processo, devendo-se aproveitar a sua experiência com a devida formação para ajudar a montar andaimes a colegas menos experientes. Neste seguimento, poderemos concluir que não será muito apropriado aplicar o processo supervisivo a um professor no topo da carreira.
Curiosa é a expressão apresentada pela autora, bem na linha do que se entende com o “ser professor” e de toda a problemática educativa, ao chamar “arte” à função supervisiva. Diria que de facto a Supervisão terá uma componente nessa área mas não me parece que seja de todo a mais preponderante. Alerta no entanto para a natureza humana que a Supervisão Pedagógica deve conter a par de uma especificidade técnica.
Do estudo em análise surgem assim vários “princípios emergentes de supervisão” enfatizando-se a importância das pessoas no processo, da qualidade pedagógica e do projeto e alerta-se para a irracionalidade que a burocracia carrega na perspetiva dos supervisionados.
(vi) Importância (significado) para as teorias da Supervisão
Importa definir aqui um conceito abrangente de “teoria”. Não o escalpelizar mas sim apresentar uma breve definição de modo a clarificar o desenvolvimento deste capítulo. Assim, “teoria integra um conjunto de ideias que referenciam um suporte e se tornam numa âncora especulativa, visando sustentar a prática”[3]. Diria, então, que teoria poderá ser considerada como o conhecimento que serve de base às previsões sendo composta por factos comprovados aceites pela comunidade científica. Poderíamos definir também “conhecimento” e alertar que não deveremos confundi-lo com “conhecer”, ou com “reconhecer”, ou com “reconhecimento”, ou analisar a sua fenomenologia, ou as suas formas,… mas penso não ser este o objecto deste trabalho[4]. De qualquer forma a autora também apresenta uma delimitação muito clara definindo conhecimento como “uma actividade social gerada através de um processo de negociação e consenso” (p.7).
Segundo o artigo, o conceito de Supervisão Pedagógica foi introduzido na educação em Portugal por Alarcão & Tavares em 1987 numa perspetiva clínica[5] e debruçava-se sobretudo sobre o desenvolvimento humano e profissional. Seguidamente Cortesão (1991), apoiado em Smith (1988), salienta a necessidade da partilha de experiências e reflexos entre os professores, mudando assim, de certa forma, o entendimento da Supervisão Pedagógica aplicada às escolas portuguesas. Surge depois Sá-Chaves (2000) alargando a teoria anterior ao incluir outros contributos no conceito não se resignando à simples ideia da transmissão dos conhecimentos entre o supervisor e supervisionado. Alarcão & Tavares (2003) aparecem de novo com uma revisão da sua primeira obra (1987) estendendo mais o conceito a toda a dinâmica da Escola criando-se novos termos como “escola reflexiva” e “instituição aprendente”.
Deste modo parecem-me evidentes as semelhanças destas teorias perante a praxis já que na sua essência os autores estão de acordo mas as diferenças também ressaltam através da evolução do conceito ao acrescentarem-se novas ideias fazendo com que a área das acções supervisivas perante a praxis tenha aumentado ao longo dos anos tornando-se mais abrangente, mais complexa e também mais humana. Ou seja, o conjunto de ideias sobre a supervisão pedagógica foi-se modificando, devido, também e provavelmente, às alterações dos paradigmas educacionais e consequentemente socioculturais (ou vice-versa), sustentando vários cenários de exercer a prática. Estamos assim perante várias teorias com muitas semelhanças mas também com muitas diferenças.
Dentro dos “grandes princípios emergentes de supervisão” que a autora enfatiza denota-se que a teoria tem evoluído num sentido mais humano, ao salientar, por exemplo, dois dos princípios que refere: “pessoas no centro” e “gerir com as pessoas”. A perspetiva de empowerment e a preocupação em saber como as pessoas se sentem em vez de se tentar saber o que as pessoas fazem estão bem presentes nestes dois cenários. A par destas áreas nota-se também a influência do campo da administração ao identificar princípios como “meta-gerir a burocracia” (considerada aqui como algo depreciativa, não se referindo a sua extrema necessidade em sociedades democráticas) e, ainda, a influência do campo da educação nos princípios da “qualidade pedagógica” e do “sentido de projecto”. Este último surgindo como um vislumbre sobre o futuro numa postura reflexiva onde são incluídas as atitudes de “abertura de espírito, responsabilidade e entusiasmo” (p.13).
A importância para as teorias de supervisão que ressalta com o conceito de scaffolding parece-me um excelente indicador para a praxis uma vez que aponta para um resultado mais eficaz. Refere a autora que o supervisor deixa de ser necessário após a cimentação de todo o conhecimento necessário no supervisionado[6]. Aplicar o conceito de scaffolding implica uma cooperação a todos os níveis nos campos gerais de supervisão e nas suas ações principais.
Neste seguimento, surge também um outro conceito relacionado introduzido duma forma metafórica: a “Mesa Grande”. Nesta mesa devem sentar-se, segundo a autora, todos os intervenientes no processo ensino-aprendizagem, onde se incluem todos os representantes da chamada comunidade educativa, numa postura dialógica no sentido de uma melhor montagem dos andaimes.
Concluiria esta minha reflexão com uma ideia da Professora Doutora Ana Benavente quando disse que conhecemos melhor o que temos de fazer do que a forma de como o fazer.
[1] A este propósito ver, por exemplo, a “pequena” obra do Professor Doutor Pedro Silva: Silva, P. (2003). Etnografia e Educação. Reflexões a Propósito de uma Pesquisa Sociológica. Porto: Profedições.
[2] Tal como Henry Mintzberg o define no livro: Mintzberg, H. (1999). Estrutura e Dinâmica das Organizações. Alfragide: Publicações D. Quixote.
[3] Referido pela Professora Doutora Ivone Gaspar (Universidade Aberta) numa das suas indicações no âmbito do seminário das Teorias e Métodos de Supervisão Pedagógica (2010-2011) do 3º ciclo de estudos.
[4] A este propósito ver a obra: Patrício & Sebastião (2004). Conhecimento do Mundo Social e da Vida – Passos para uma Pedagogia de Sageza. Lisboa: Universidade Aberta.
[5] O presente artigo não define claramente essa perspetiva mas Alarcão & Tavares (1987) referem-se a acções direcionadas para a sala de aulas. Ver: Alarcão, I, & Tavares, J. (1987). Supervisão da Prática Pedagógica – Uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Livraria Almedina
[6] Outros autores referem este efeito, ver: Leal & Henning (2009). Do Exame da Supervisão ao Autoexame dos Professores: estratégias de regulação do trabalho docente na Supervisão Escolar. Brasil: Revista Currículo sem Fronteiras, v.9, n.1, pp.251-266.
Luis Ricardo (2011)